segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O caminho do sonho

Entro no carro e sigo pela avenida. No cruzamento, a placa aponta para a direita. Viro e vou conduzindo devagar. À medida que avanço, o verde da paisagem cerca o carro e torna-se mais intenso. Durante algum tempo vejo também a espuma das ondas que batem contra as rochas negras da falésia e o sempre omnipresente verde-claro das arribas em volta. Os matizes coloridos das hortênsias começam a transformar o caminho numa espécie de aguarela viva que ondula com o vento. É impossível continuar a conduzir ignorando a exuberância destas cores. Em alguns pontos da estrada a beleza é tão pungente que tenho mesmo de parar para que a paisagem me lave os olhos e me limpe o espírito de tudo o que não seja verde e azul, em todos os tons e matizes possíveis. 

A estrada começa agora a subir e torna-se mais sinuosa. É preciso parar cada vez com mais frequência para habituar os olhos a tanta beleza, tal como um alpinista precisa de fazer pausas para se habituar à altitude. Neste momento já só existem o verde e o azul. Não há nada, nem ninguém a ensombrar-me o pensamento. Mesmo o tempo parece ter ficado parado lá em baixo, no cruzamento onde foi preciso virar à direita.  Por fim, ao sair de uma curva, o sítio que procurava surge de repente, mesmo à minha frente. Saio do carro e vou sentar-me no rebordo do mundo, como se fosse Deus e tivesse vindo ver o que os homens fizeram da criação que lhes foi confiada*.


S. Miguel, Açores, Lagoa das Sete Cidades, Nov. 2003

Ao fim de um tempo que não sei precisar, entro novamente no carro e, quase com pesar, percorro o caminho que me há-de trazer de volta à realidade para chegar pontualmente à escola, mesmo a tempo de iniciar a reunião, ainda com os olhos carregados de tons verdes e azuis.



*Tradução pessoal da letra da canção "Assis sur le rebord du monde" de Francis Cabrel: http://www.youtube.com/watch?v=8zAuUjvbFQI

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