segunda-feira, 30 de abril de 2012

O homem é o ilimitado do seu caminhar e os limites de tudo o que encontra

"Há no homem, como todos sabemos, o ilimitado da sua procura e o limite de tudo o que encontra. Nenhum sentimento perdura para além da sua realização. Nenhuma verdade se aguenta, se não desistimos de a questionar. Nenhuma crença se nos inflama, se a não reanimarmos. Enquanto se realiza ou vive seja o que for, isso integra-se no homem e assim lhe não tem peso como o não tem o corpo que é seu. O homem é o ilimitado do seu caminhar. E tudo aquilo em que se vai realizando é só expediente para ir abrindo caminho."

Vergílio Ferreira, Pensar, Lx: Bertrand Ed., 1992

Eureka?

Imagem Google
Então e se puséssemos os nossos excelsos governantes a fixar lâmpadas fosfénicas, seguindo a técnica desenvolvida por Francis Lefebure?

De acordo com um dos sítios de divulgação do método, ele "amplifica as capacidades cerebrais" e melhora a inteligência e a consciência (ver aqui). Há até já uma escola portuguesa (ler notícia aqui) que está a usá-lo para tentar ajudar alunos com sérias dificuldades de atenção e concentração.

Julgo que todos os membros do governo deveriam também fazer umas sessões a ver se melhoram as capacidades intelectuais e começam a ter ideias diferentes de "subir taxa"; "aumentar imposto"; "reduzir salário"; "eliminar subsídios sejam eles quais forem"; "reduzir pensões", "cortar regalias básicas", etc.,  aplicadas aos mesmos de sempre. É que só mesmo o  governo é que ainda não percebeu que assim não vamos longe...

Podia ser que, depois de fosfenizados, eles conseguissem encontrar alguma ideia diferente ou, se possível, até melhor. O povo agradecia.

domingo, 29 de abril de 2012

E, de repente, a festa das cores

a acontecer mesmo ali na terracota que ladeia a estrada.
EN 372, algures no ponto médio entre Vila Boim, Vila Fernando e Santo Aleixo; 29/4/2012

Quando o céu se mira no espelho azul da planície


EN 372, algures entre a estridência dos grilos e o trinado nostálgico dos trigueirões; 29/4/2012

Ter-se-á aberto a caixa de pandora?

Por uma vez os bancos portugueses serão forçados a prescindir de uma pequena parte dos seus enormes lucros anuais (apesar da crise) para ajudar os que estão em sérias dificuldades financeiras?
Por uma vez, os bancos portugueses serão chamados a pagar pela política irresponsável de apelo ao consumo e ao crédito que durante anos levaram a cabo?
Por uma vez os bancos portugueses perceberão que há consequências?

Tenho muitas dúvidas.
Apesar disso, já fico satisfeita pelo facto de, ao menos uma vez, a justiça portuguesa (que é cega, como sabemos) não ter decidido cegamente. Ao menos isso.

Ler notícia aqui

The long arm of the money

e do poder que ele compra.

Ler notícia aqui

sexta-feira, 27 de abril de 2012

É 6ª feira

por isso...


pelo meio, bebe-se um copo (ou dois) de Bushmills apenas com um breve golo de água fria para refrescar os aromas e talvez até se cante algo...

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Pobres de espírito

Mas há algo ainda pior que carteiras vazias: as cabeças também vazias dos que se sentam nas bancadas da Assembleia da República para redigir, discutir e aprovar as leis que nos governam e que, mais ano menos ano, se tornarão governantes. Estes, nem o Caco Antibes consegue imitar.
Serão eles já o produto do belo sistema educativo que temos construído nesta última década, sim, aquele da escola "inclusiva" e do sucesso, sucesso e mais sucesso (agora chamam-lhe resultados para estar mais de acordo com o espírito do tempo)? É de ir às lágrimas, de facto: "25 de Abril e o que os deputados (não) sabem".

Carteira de pobre

ou a realidade portuguesa antevista por Caco Antibes...

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Lembra-me um sonho lindo

O(s) velho(s) abutre(s)










O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas

Sophia de Mello Breyner Andresen, In "Grades" - Livro VI,
Lx: Morais Edª,1962.

Nada perdeu da sua acutilância esta metáfora do abutre como símbolo da podridão e da degradação política. Pois que outra coisa poderemos chamar a estas figuras sinistras que são as verdadeiras fundadoras e responsáveis pelo buraco económico e social em que agora nos encontramos? Não foram eles que, com o beneplácito do agora presidente da república (então primeiro-ministro), se banquetearam ao longo de duas décadas às nossa custas? E, pelos vistos, de tal modo farto era o banquete que, como se viu nos últimos anos, nem o PS resistiu à tentação. Zeca Afonso deu-lhes um outro nome que também lhes assenta bem: "Vampiros".

terça-feira, 24 de abril de 2012

24 de abril: panorama

Alto da Serra d'Ossa, imagem Google




















Pátria vista da fraga onde nasci.
Que infinito silêncio circular!
De cada ponto cardeal assoma
A mesma expressão muda.
É de agora ou de sempre esta paisagem
Sem palavras
Sem gritos,
Sem o eco sequer de uma praga incontida?
Ah! Portugal calado!
Ah! povo amordaçado
Por não sei que mordaça consentida!

Miguel Torga
S. Martinho de Anta; 28 de Setembro de 1966

segunda-feira, 23 de abril de 2012

The Flying Books. Fantastic!

"Poderia contar mil histórias, (...) mas eram todas falsas, não existia nunca história alguma"



Pintura de João Vieira,
publicada na Obscena, #13 / 14 de Junho/Julho de 2008
Imagem daqui

Segunda, dezasseis.
"As palavras como redes em que ela tentava prender o universo - as malhas mal apertadas, ela esforçava-se tanto por ligá-las, mas havia sempre um ponto em que a rede rebentava e o universo caía,
     a dificuldade de ligar as coisas, o pé e a relva, o telhado e o muro, o sol e a casa, o autocarro e a árvore, a máquina e a sombra, o homem e o cão, qual era a relação entre as coisas que olhava, e por que razão fariam parte de um conjunto? Nada era um conjunto, era ela que se afadigava, correndo atrás das coisas, atando-as com fios em volta, dando-lhes sentidos que não tinham - e que elas de novo deixavam cair, recusavam sempre.
     Temos portanto o vento, o inverno, a árvore, o muro, contou. Temos portanto o sol, a janela aberta, a casa aberta, intacta e sem pessoas - as pessoas tinham-se ido embora, com as suas malas e os seus casacos, os seus sapatos e os seus livros, as suas escovas e os seus problemas, e ela não tinha o menor desejo de segui-las, de olhá-las, de netendê-las, ficava antes assim um longo momento quieta entre os objetos, que de repente eram fascinanates e perfeitos, entregues a si mesmos e sem ligação com nada.
     Poderia contar mil histórias, inventar mil histórias, pensou estendendo-se na relva, mas eram todas falsas, não existia nunca história alguma."
Teolinda Gersão, Os guarda-chuvas cintilantes - Diário (excerto). Lx: O Jornal, 1984, 1ª ed.

Este é (usando a já estafada expressão) um dos livros da minha vida. Tenho a primeira edição, que comprei logo em 84 e que ainda não deixou de me fascinar. A ele regresso muitas vezes, até porque a sua forma diarística permite uma leitura descontínua que acaba por também ser muito apelativa. 

Nunca mais deixei de acompanhar o que a autora foi publicando ao longo dos anos e quase todos os seus livros me tocaram também: "Paisagem com mulher e mar ao fundo", "O Silêncio", "Os Teclados"... Mas estes "guarda-chuvas cintilantes" continuam a ser especiais. Amanhã, Teolinda Gersão virá à escola para falar connosco sobre os seus livros. E eu, que até sou avessa às maquinais sessões de autógrafos nos lançamentos de livros, faço questão de lhe pedir que me assine este - muito manuseado, com o papel amarelecido, com a chancela de uma editora há muito desaparecida - que tem sido meu livro-companheiro ao longo dos anos. Às vezes, a vida proporciona-nos estas oportunidades "cintilantes", e é o que nos vai valendo.

domingo, 22 de abril de 2012

Terras e montados do sul

Não deixa de ser curioso e fascinante descobrir a paisagem que nos rodeia pelos olhos e palavras dos outros.


É por tudo isto que eu (para grande irritação do 1º governante e seus acólitos) não penso emigrar, nem que tenha de ir colher bolotas para comer.

Que a Terra tenha hoje o seu dia oficial...

... deve ser mesmo a melhor prova da nossa hipocrisia e do nosso cinismo, porque a realidade nada tem de celebratório.

sábado, 21 de abril de 2012

Mantra audiovisual contra os medos




F.L.O.W. de Moses Pendleton (Part III)
Bailarina: Diana Vishneva

Os lobos da alma

 Lobo-ibérico (Canis lupus signatus); imagem daqui

“As copas das árvores pareciam talhadas de pedra de tão quietas, de tão paradas. (…) Agora já nem a meia dúzia de rãs se ouviam: era um silêncio tão tamanho que dava a impressão de que se podia agarrar com as mãos. Nisto, começam os lobos a uivar. Lá da fundura do mato, depois daquela herdade e da outra e da outra. (…) Pairava qualquer coisa de mágico, de irreal em tudo que nos cercava: as árvores pareciam de pedra, o céu parecia parecia um grande e côncavo prato azul e até o matagal que tínhamos à nossa frente era como se fosse composto de pequenos braços e pernas, pequenos rostos com corpos de madeira.
- É estranho, disse eu com voz tão sumida que nem o luar me ouviria.
(…)
Insisti:
- Tenho medo, vamos para o monte.
(…)
António dos Olhos Tristes, mãos de aloendro no rosto da lua, respondeu sem se mexer:
- Estes lobos não fazem mal. São bichos criados na frescura dos matos, nas escarpas dos brejos, nas cumeadas da serra. São bichos que vivem a vida que é a vida deles. O medo que eles fazem nas pessoas é que lhes lembram, no meio dos silêncios, os lobos que as pessoas criam dentro de si mesmas, dentro do coração. É desses lobos que elas próprias criaram que as pessoas arreceiam: são os lobos da alma.”

(Destes lobos é que eu tenho medo. Dos que uivam à noite nos montes distantes não.)

Eduardo Olímpio, António dos Olhos Tristes. Lx: Ed. Caminho; 1989

E talvez fugir para uma ilha assim...

(ou ao menos imaginar que seria possível a fuga)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Carro de pobre

Pronto, estou convencida e declaro que a autêntica lavagem cerebral que o governo, em bloco, nos resolveu fazer nestes últimos tempos - "estamos em crise", "não há dinheiro", "estamos mal", "o país não pode", incluindo aqui já a enfática declaração de que "o país está na bancarrota", que a ministra da justiça fez hoje em Guimarães (ler notícia aqui) - surtiu o efeito desejado. Por uma vez, acredito no que o governo diz: estamos pobres, sim. E estamos pobres nós, os que nunca sequer chegámos a ser ricos, nem ao menos no tempo das chamadas "vacas gordas". Aos ricos é que esse mal não chega, antes pelo contrário, o que faz desta "crise económica generalizada" algo de muito sui generis.

É pois chegado o tempo de voltarmos a relembrar o que é isto de ser "pobre". E para explicar como é não há como o Caco Antibes (que saudades do "Sai de Baixo"). Se conseguirmos ser pobres e, ainda por cima rir disso mesmo, talvez não esteja tudo perdido. Talvez...

Apelo ao harakiri nacional


Confesso que as expressões "as pessoas  estão completamente dispostas a sacrificar-se", "esforço repartido de forma justa" (será uma referência irónica ao poema de Sophia?), "cuidado" e, sobretudo, a repetição da palavra "sucesso" me deixaram particularmente agoniada, para além de estupefacta. Mas percebi: o sucesso do "programa de ajustamento" está dependente de uma espécie de harakiri nacional que está a ser levado a cabo pelo excelso governo. E quantos mais forem sacrificados, mais sucesso ele terá.

Só é de lamentar que, em matéria de "sacrifícios", como aliás em tantas outras, o exemplo nunca venha de cima. Para variar. Ah, e já agora, é com esta espada, sr. ministro...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

The Thoughts Of Mary Jane

Por acaso, o ocaso

Apeteceu-me hoje ler Álvaro de Campos. Há anos que não lia a "Ode Triunfal", até porque sempre preferi a outra, a "Marítima". Mas não sei porquê foi justamente por aquela que iniciei a leitura. Às tantas, deparei-me com estes versos já esquecidos e quase dei um salto na cadeira.

(...)
Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,
Ruídos, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!
(...)

Álvaro de Campos, Ode Triunfal (excerto),
In Fernando Pessoa - Poesias de Álvaro de Campos,
Lx: Ática, 1944 (imp. 1993)

O engenheiro naval é que sabia disto! Talvez por isso tenha acabado os seus dias a desistir de tudo. (E decididamente o Pessoa às vezes é assustador!)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Canção

Pierre Bonnard: La fenêtre ouverte, 1921



























Sol nulo dos dias vãos,
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma!

Que ao menos a mão, roçando
A mão que por ela passe,
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce!

Senhor, já que a dor é nossa
E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém!

Fernando Pessoa, In Poesias. Fernando Pessoa.
Lx: Ática, 1942 (15ª ed. 1995)

Mountains Are Far Away

segunda-feira, 16 de abril de 2012

"L'heure exquise" des belles voix

Este é o bom governo de Portugal

(Quem diria que foi escrito em 1713?)

Um Reino de tal valor
e de povo tão honrado
é justo seja louvado
desde o vassalo ao Snr.
ainda que fraco orador
a verdade hei de dizer,
e cada qual recolher
pode aquilo que lhe toca
ainda que digna o provoca
uma imitação Real
Este é o bom governo de Portugal.

Um rei menino inocente
sem compaixão nem piedade
inimigo da verdade
com adulação contente
em uma sombra aparente
tanto se enleva este Rei
faltando do Reino a lei
seguindo somente os vícios
e com torpes exercícios
o chegou a extremo tal
Este é o bom governo de Portugal.

Para os povos bem reger
Deus o pôs neste lugar
não para o desgovernar,
nem para o Reino perder;
mas creio lhe fazem crer
que é já virtude o pecar
e o que deve, não pagar
ter ambição, e avareza
perseguindo a pobreza
com tributo desigual
Este é o bom governo de Portugal.

Pois um infante inumano
insolente matador
que sem ter de Deus temor
vive bruto, e corre insano
é o mais cruel tirano
que neste Reino se há visto
e que conhecendo isto
o tolinho do irmão
lhe não dê uma prisão
para evitar tanto mal
Este é o bom governo de Portugal.

Um neto de um carreiro
hoje Príncipe da Igreja
que alcança quanto deseja
adulando lisonjeiro
sanguessuga do dinheiro
que se rouba da pobreza
e que cheguem a tal grandeza
quem ontem morrendo a fome
sem ser visto nem ter nome
hoje está já Cardeal
Este é o bom governo de Portugal.

Que haja um Conselho de Estado
para mil resoluções
e que em todas as ocasiões
é sempre desacertado
o parecer sempre errado
foi de seus desacertos
obrar com desconcertos
e só para os bons intentos
lhe segua os entendimentos
o grão Demônio Infernal
Este é o bom governo de Portugal.

Também o seu Secretário
Dioguinho de Mendonça
que anda por geringonça
no espácio imaginário
sempre aberto o candelário
tem de mentiras, e enganos
e que com caras de Janos
vieram assolando o mundo
eu juro que me confundo
vendo o que um magano val
Este é o bom governo de Portugal.

O Mercia das Mercês
feito mosca atordoada
que El-Rei não despacha nada
diz a todo o português:
todos conhecem que fez
em breve tempo o palácio
porque estuda mui de espácio
na sua conveniência
tendo piadosa aparência
por exercício usual
Este é o bom governo de Portugal.

E que no Conselho de Guerra
os pobres dos pretendentes
andam feitos pacientes
rapando com os pés a terra
e vendo que se desterra
daqui o merecimento
pelo injusto provimento
dos postos que estes salvagens
dão a Muchilas e Pajens
dizem deste tribunal
Este é o bom governo de Portugal.

A junta dos três estados
que as rendas reais despende
dando todo o que pertende
vai pagar os meus pecados
depois de ter bem curado
os ossos na pertensão
com uma e outra informação
o mandam a um tesoureiro
que lhe diz não tem dinheiro
porque é lagarto fatal
Este é o bom governo de Portugal.

Anexa a contadoria
donde o Máximo é rezisto
porque na junta o que é visto
se remete a esta via:
se falta aqui a valia
para a boa informação
acha-se uma dilação
e uma dúvida no cabo
que té o mesmo Diabo
dirá por regra geral
Este é o bom governo de Portugal.

O Conselho da Fazenda
com dúvidas e demoras
passam anos, dias e horas;
os pobres nesta contenda
em dilação estupenda
três anos aqui andei
que na verdade não sei
como o posso referir
não houve que deferir
foi o despacho final
Este é o bom governo de Portugal.

Um Desembargo do Paço
composto de uns chinchilas
que com roupas, e golilhas
governam o Reino do espaço
os corações têm de aço
estes soberbos vilões
pois de seus maus corações
o mal a todos se espalha
e preside a tal canalha
o Duque de Cadaval
Este é o bom governo de Portugal.

O Conselho de Ultramar
donde preside um Diabo
que assim lhe vai dado o cabo
vendendo o que se há de dar:
e espera de se salvar
este assolador de gente
tão soberbo e insolente
que o Rio de Janeiro
todos dizem que por dinheiro
vendera este irracional
Este é o bom governo de Portugal.

(...)

A Mesa da Consciência
que consciência não tem
donde todo o que ali vem
faz perder a paciência
com uma e outra diligência
em qualquer inquirição
traz arrastado um cristão
que quer pôr a cruz de Cristo
e se as cruzes não tem visto
não se acha o avô paternal
Este é o bom governo de Portugal.

Chegamos à Relação
donde um Bispo é Regedor
deixa de ser bom pastor
para ser um mau ladrão:
depois que empunhou o bastão
com presunções de letrado
tem muita gente enforcado
atropelando os povos
lhe quer dar costumes novos
por seu destino brutal
este é o bom governo de Portugal.

Armazéns e consulado
que estão regendo o Fronteira
com rezões de Borracheira
responde a todo o honrado
porque foi tão grão soldado
no choque de Badajós
nesta ocupação o pôs
por seus serviços El-Rei
e se há decreto, ordem, ou lei
o repugna este animal
Este é o bom governo de Portugal.

A junta que não tem pêlo
do comércio, porque calva
a deixou o Marialva
por lhe arrancar o cabelo
custou a vida ao Reselo,
porque dizem nesta terra
que para as casas do Serra
dava dinheiro sem conto
porque o queria ter pronto
para o pecado carnal
Este é o bom governo de Portugal.

Pois da Alfândega a descarga
donde o provedor gentil
todo o que vem do Brasil
quer despenda com mão larga
e se o não faz lhe alarga
a descarga do Navio
e os anos atrás no Rio
carregados se perderam
que como não concorreram
concorreu-lhes o temporal
Este é o bom governo de Portugal.

O estanque do Tabaco
onde preside o Minas
de ordenados e propinas
mui bem se enche o velhaco
ia-lhe chegando ao caco
com um bastão estrangeiro
e o fo. o bom cavaleiro
deteve a cavalaria
quando o inimigo fregia
de xevara no asinal
Este é o bom governo de Portugal.

A casa da Índia e coutos
com todas as vedorias
tesoureiros, chancelarias
mui bem lhe vejo os pespontos
eu lhe conheço estes pontos
sem ter passado ao Norte
que se governara a corte
eu lhes vagara as enchentes
pois destas vias correntes
só eu lhe sei o canal
Este é o bom governo de Portugal.

Da Câmara, e Senado
que em obras, taxas, licenças
deve com toda a presteza
ter particular cuidado
o governo é de estado
e são as ruas da cidade
monturos e porquidade
e o que tem que vender
o vende pelo que quer
por ter seguro o costal
Este é o bom governo de Portugal.

Os Ministros de justiça
que nunca a fizeram direita
porque a valia respeita
pela puta, ou por cobiça
o Demônio assim lhe atiça
este fogo em seus ardores
juíz e corregedores
letrados e escrivães
alcaides, e tabeliães
todos vestem de um saial
Este é o bom governo de Portugal.

Os Ministros da Igreja
fradaria, e clerezia
em todos há simonia
tudo ambição, tudo inveja
não há nenhum que não seja
um perverso amancebado:
outro para ser prelado
a Roma manda dinheiro
lhe venha um voto papal
Este é o bom governo de Portugal.

(...)

Os assentistas sem lei
do Reino distribuidores
que o trigo aos lavradores
tomam com poder de El-Rei
não lho paguando, eu o sei,
para o tornar a vender
deixando a fome morrer
de El-Rei a cavalaria
e a pobre infantaria
e sofra isto um general
Este é o bom governo de Portugal.

Quem as conquistas governa
manda para desabonos
uns pataratas fanchonos
sem para nada prestar
e que se hão de aumentar
uns redicolhos sujeitos
sem obras, ações nem feitos
e se há fatal ocasião
de ter a espada na mão
a fuga lhe é cordial
Este é o bom governo de Portugal.

(...)

Que venha todo o estrangeiro
e cada um negociando
o ouro e prata vão levando
deixando-nos sem dinheiro
e não há já conselheiro
que seja homem de talento
que apurado o entendimento
algum remédio lhe aplique
para que o Reino não fique
exausto deste metal
Este é o bom governo de Portugal.

Que andem por esta cidade
roubando vários maraus
e que estes vaganaus
tenham a favor e amizade;
sem ter honra, nem verdade
furtando uma, e outra vez,
achando o Conde, ou Marquês
que dizem se presos vão
que são de sua obrigação
ao ministro principal
Este é o bom governo de Portugal.

(...)

Toda a mais canalha vil
mercadores vendilhões
que estão ganhando milhões
com empregar um ceitil
tem toda a traça gentil
para poderem roubar,
podendo-se isto emendar
com uns açoutes, ou galés
porque assim em que lhe pes
tenham menos cabedal
Este é o bom governo de Portugal.

Os mais que aqui não refiro
fiquem à eleição dos leitores
que de tão graves oradores
muito pouco me admiro:
corra a fortuna seu giro
com mil voltas e rodeios
pois, que por tão vários meios
vivem neste Reino insano
o bom, e o mau, alto, e malo
e como quer cada qual
Este é o bom governo de Portugal.

Já não temos que esperar
neste governo insolente
mais que perecer a gente
sem o bem nunca alcançar;
só para Deus apelar
pode o povo português
e pedir-lhe desta vez
que nos dê governo novo
para que com ele o povo
sigua no seu natural
Este é o bom governo de Portugal.
(...)

Tomás Pinto Brandão (excertos)

domingo, 15 de abril de 2012

"Answering the door" (the phone, the mail)

30? E porque não 300? Ou mesmo 330?

Se é uma questão de "economia da educação" e se estudos assim tão "rigorosos" comprovam que o número de alunos por turma não importa para a qualidade final das aprendizagens, então sr. ministro o melhor é instalar nas salas um mobiliário tipo beliche, com vários níveis, e pôr logo 300 em cada sala de aula. Está a ver que a poupança ainda seria maior e evitaria ter que dar continuidade às obras de requalificação do parque escolar. Meia dúzia de escolas - e de professores, claro - seriam perfeitamente suficientes para garantir um ensino público de qualidade.

Quanto ao método de ensino a usar pelos professores nessas mesmas turmas, talvez o Pestalozzi (em versão simplificada, para ficar ainda mais económico) fosse o mais adequado pois também ele não implica grandes recursos materiais, uma vez que se baseia sobretudo na afetividade e na espiritualidade. Perfeito para um ensino público de qualidade.
Ler notícia aqui

Tiro e queda

Alguns dirão que, quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga, mas cá para mim a Natureza fez justiça por vias bem irónicas... Pena foi o cadáver do elefante não ter tombado sobre os dois valentões enquanto posavam de arma em punho como dois cromos de triste figura...
Ler notícia aqui

Lembrete pessoal

Filmes a ver logo que possível, embora por razões distintas.
Este, claro.


E também este.

sábado, 14 de abril de 2012

Escuto, e passou...

Georges de La Tour: La Madeleine à la veilleuse
(pormenor), 1640-1645



























“É um dia, um dia só, a vida humana. O Homem
o que é? O que não é? Sombra num sonho
é o Homem. Mas se o deus nos ilumina
na terra, brilha vida
e é doce como o mel.”
Píndaro, excerto da Oitava Ode Pítica
(Trad. de Jorge de Sena)

“Quais folhas criadas pela estação florida da primavera,
quando de súbito crescem sob os raios do sol,
assim somos nós: por um tempo de nada, nos deleita
a flor da juventude, sem conhecermos o mal ou o bem que vêm
dos deuses. Ao nosso lado estão as Keres tenebrosas,
uma, detentora da velhice medonha,
a outra, da morte. Pouco dura o fruto da juventude
- o tempo de o sol derramar a sua luz sobre a terra.”
Mimnermo, excerto (Trad. de Mª Helena da Rocha Pereira)

“A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave.”
João de Deus, Campo de Flores (excerto)

"Leve, breve, suave,
Um canto de ave
Sobe no ar com que principia
O dia.
Escuto, e passou...
Parece que foi só porque escutei
Que parou.”
Fernando Pessoa (excerto)

O (de)crescimento económico

Há pelo menos uma área em que a nossa economia está a crescer e muito: o desemprego. Deve ser por isso que o tal de "Álvaro" anda sempre tão sorridente...
E garantem eles a torto e a direito que, em 2013, começará a ficar tudo bem melhor... Até tenho medo de me pôr a imaginar como e porquê.

Ler notícia aqui

sexta-feira, 13 de abril de 2012

quinta-feira, 12 de abril de 2012

The North Star Grassman And The Ravens

Um dia, talvez

Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.
Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela...
Um dia nós percebemos que as mulheres têm instinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer ...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos a importância da frase: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que somos muito importantes para alguém, mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...
Enfim...
Um dia descobrimos que apesar de viver quase um século esse tempo todo não é suficiente para realizarmos todos os nossos sonhos, para beijarmos todas as bocas que nos atraem, para dizer o que tem de ser dito...
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação.

Mário Quintana (recebido por mail)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Fake Empire

Objet trouvé


Marcel Duchamp: Fountain, 1917

Em casa de meus Pais havia
grandes chávenas de loiça       para fazer chichi.
No Museu de Arte Moderna em Nova Iorque há
uma chávena de pêlo                        mas não vi
nenhum penico.                    Para Duchamp fico
na secção de Design                  a esperar vê-lo.

Salette Tavares, In Lex Icon, Lx: Moraes Ed., 1971

terça-feira, 10 de abril de 2012

Até sempre

O pior de envelhecer é isto de começar a sentir que o nosso pequeno mundo se vai pouco a pouco despovoando: primeiro, começam a partir os familiares mais velhos, os nossos e os dos nossos amigos e conhecidos; depois, vêm os momentos mais sombrios, quando começamos a ver partir também os da nossa geração, os que connosco cresceram ou conviveram, os que ainda tinham tanta vida pela frente mas que, num instante, deixaram de estar cá.

Sem aviso, a Maria João partiu (conseguiremos alguma vez vez estar preparados para ver partir assim as pessoas de que gostamos verdadeiramente?). Fomos colegas de curso na universidade. (Os trabalhos que nós as três - eu, a Maria João e a Fátima - fizemos no corredor da sociologia, entre incontroláveis gargalhadas, como se a vida fosse para sempre aquela alegria sem mácula e sem amanhã que não podia esperar para acontecer... mas esta era uma outra vida que não importa agora contar, pois a música é que era a verdadeira vida da Maria João.)

De facto, a Maria João tinha a música dentro dela. Recordo-me de a ver, há muitos anos atrás em casa dos pais, sentada numa cadeira, a tocar um acordeão quase maior que ela própria, alheada de tudo o que a cercava e com um brilho no olhar que não deixava margem para dúvidas. Já nessa altura havia encontrado o companheiro com quem partilhava esse sonho entretanto tornado realidade no Trítono. Apesar das alergias e dos problemas respiratórios, a Maria João cantava com uma voz luminosa que espelhava bem a profunda alegria que sentia enquanto o fazia. Ao longo dos anos fomo-nos re-encontrando nos concertos. A última vez foi no início de novembro, em Évora, justamente no concerto comemorativo do 18º aniversário do "seu" Grupo Vocal Trítono, na igreja do convento de S. Bento de Cástris.

Foi para mim um choque saber hoje da tua partida repentina na passada sexta-feira. Espero que a música continue a acompanhar-te os passos onde quer que estejas. Até sempre, Maria João, e boa viagem...

segunda-feira, 9 de abril de 2012

E por falar em reformas antecipadas...

Imgem recebida via mail
Esta senhora reformou-se ainda no tempo dos "contos", em 1998, aos 42 aninhos de idade. É muito adequadamente aquilo a que se chama uma "reformada activa". Tão cheia ainda de vigor e de energia que, apesar de aposentada, até preside agora à Assembleia da República. E não é caso único, bem pelo contrário. Na verdade, somos em boa parte um país governado, presidido e administrado por reformados. Deve ser (também) por isso que o governo tanto exorta os jovens a emigrar. Enfim, há que garantir lugares para estes reformados activos.

A bem da verdade aqui nem se pode propriamente falar em "reforma antecipada", pois tratou-se mais de uma jogada de antecipação.  Olha se fosse agora, hein? Lá tinha a senhora que esperar dois anos...

The Road

Dar a mão à palmatória

Embora contrariada, vejo-me forçada a dar a mão à palmatória. É que o homem tem razão quando diz que não fomos enganados. É que não fomos mesmo.
Fomos foi desenganados, algo que, além de completamente distinto, é mil vezes pior. É que, enganados, ainda podíamos ter esperança mas, assim, já nem a isso temos direito.
Ler notícia aqui

domingo, 8 de abril de 2012

Para o Guinness, e em força

De vez em quando o país é assolado pela febre dos recordes do Guinness. E, nessas alturas, desde o pastel de Tentúgal ao desfile de Pais Natais, tudo serve para entrar no livro de recordes.

Ora o DN dá hoje destaque de 1ª página à notícia de que, diariamente, há 17 empresas que abrem falência. Desde janeiro, e assim por alto, já faliram 1650 empresas. Se conseguirmos manter este ritmo chegaremos ao f inal do ano com mais de 6 mil empresas fechadas por insolvência. Ou seja, mais um recorde do Guinness. O jornal refere ainda que o distrito do Porto é o campeão das insolvências (409), seguido de perto por Lisboa (338), logo, nada de novo por aqui. Évora ocupa um modesto 15º posto neste ranking infame (18 insolvências), bem à frente de Beja (17ª, com 12 falências) e, sobretudo, de Portalegre, 20ª da lista com apenas 8 insolvências até ao momento. Ou seja, mais um recorde para ser festejado na avenida dos Aliados...

Mas há muitas mais hipóteses de recordes que poderão vir a ser registados no Guinness: o ministro que mais contribuiu para afundar a economia nacional; o ministro que mais ideias peregrinas anunciou sem se desmanchar a rir (palpita-me que alguém deste governo é bem capaz de inscrever o nome em pelo menos dois recordes!), o ministro que mais contribuiu para afundar rapidamente o país, o ministro que fabricou mais pobres no mais curto espaço de tempo, o ministro que mais “lapsos” cometeu numa só semana, o governo que mais mentiras contou em período não eleitoral... Desta forma, ao menos numa coisa não estávamos em crise, até porque as possibilidades seriam quase infinitas, ou não tivéssemos nós este governo tão verdadeiramente competente e inspirador em todos os sentidos...