Plantei hoje, pela primeira vez na vida, uma árvore (e não, a estafada trilogia livro-filho-árvore nada me diz): uma singela amendoeira trazida do Algarve por mãos amigas. Escolhi-a por causa do sabor delicado e doce dos frutos, pela resistência às esperezas do clima continental e, sobretudo, pela beleza das delicadas flores de laivos rosados com que se cobre na primavera.
Évora, 3/4/2012 |
No final, ergui-me a contemplá-la e várias pessoas me cruzaram o pensamento por alguns instantes. É sempre em pessoas que penso quando contemplo árvores pois, para mim, também elas são, de certa forma, gente. E gente boa. Pensei na mãe da minha melhor amiga - que tanto gostava de flores – e que partiu há poucos dias, no grande vazio que ficou e que nada nem ninguém poderá preencher. Pensei nos meus pais, no seu sofrimento físico e, sobretudo, emocional. Também em mim, que sofro com e por eles, sobretudo pela impotência de nada poder remediar ou alterar nas suas vidas.
E enquanto lhe olhava as tenras folhas verdes lembrei-me ainda dos versos velhos de séculos e, afinal, tão "novos":
A incerteza da vida
Homem que plantaste a árvore,
Porventura sabes se a vida consente
Que sejas tu a colher a maçã?
Terás a certeza de poder olhar
A folhagem verde a vestir os ramos
E os rebentos viçosos amadurarem?
Detém-te e pensa, um só momento,
Que perdes a vida e não serás tu
A ver o esplendor do pomar em flor.
E tu lhe deste a água da sua sede
E uma estaca para se amparar.
Assim é o mundo onde vivemos!
Ainda que venhas a ter na mão
O fruto maduro da adulta árvore,
Nunca te iludas meu bom amigo.
Nada te diz que possas gozar
O sabor do fruto que veio da flor
Que enfeita a árvore do teu jardim.
A morte é senhora de todas as dúvidas!
E não é prudente e de bom aviso
Que o dono legítimo do belo jardim
Seja o vigia do crescimento
Da macieira mimosa e frágil
E esqueça os cuidados que lhe pede a alma.
Giolla Brighde O'Heoghusa (final do séc. XVI),
In A Perfeita Harmonia – Poemas Celtas da Natureza,
Lx: Assírio e Alvim, 2004 (Trad. José Domingos Morais)
A transitoriedade de tudo é a grande, talvez mesmo a única verdade que possuímos. Mas não importa se chegarei a saborear a doçura das suas amêndoas, ou não. O importante foi ter-lhe enterrado as raízes e, com as minhas próprias mãos ter-lhe composto a terra macia em volta, como quem ajeita os cobertores a uma criança à hora de dormir. Tudo isto numa absoluta tranquilidade interior, com o pensamento vazio de tudo o que não fosse o verde em volta e naquelas folhas. E, claro, sempre acompanhada pelo melro alvoroçado que deve ter ninho nas proximidades e anda alarmado com a minha inusitada presença. Cuidarei dela enquanto puder, esperando que cresça saudável e frondosa. Quanto às amêndoas depois se verá.
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