O pior de envelhecer é isto de começar a sentir que o nosso pequeno mundo se vai pouco a pouco despovoando: primeiro, começam a partir os familiares mais velhos, os nossos e os dos nossos amigos e conhecidos; depois, vêm os momentos mais sombrios, quando começamos a ver partir também os da nossa geração, os que connosco cresceram ou conviveram, os que ainda tinham tanta vida pela frente mas que, num instante, deixaram de estar cá.
Sem aviso, a Maria João partiu (conseguiremos alguma vez vez estar preparados para ver partir assim as pessoas de que gostamos verdadeiramente?). Fomos colegas de curso na universidade. (Os trabalhos que nós as três - eu, a Maria João e a Fátima - fizemos no corredor da sociologia, entre incontroláveis gargalhadas, como se a vida fosse para sempre aquela alegria sem mácula e sem amanhã que não podia esperar para acontecer... mas esta era uma outra vida que não importa agora contar, pois a música é que era a verdadeira vida da Maria João.)
De facto, a Maria João tinha a música dentro dela. Recordo-me de a ver, há muitos anos atrás em casa dos pais, sentada numa cadeira, a tocar um acordeão quase maior que ela própria, alheada de tudo o que a cercava e com um brilho no olhar que não deixava margem para dúvidas. Já nessa altura havia encontrado o companheiro com quem partilhava esse sonho entretanto tornado realidade no Trítono. Apesar das alergias e dos problemas respiratórios, a Maria João cantava com uma voz luminosa que espelhava bem a profunda alegria que sentia enquanto o fazia. Ao longo dos anos fomo-nos re-encontrando nos concertos. A última vez foi no início de novembro, em Évora, justamente no concerto comemorativo do 18º aniversário do "seu" Grupo Vocal Trítono, na igreja do convento de S. Bento de Cástris.
Foi para mim um choque saber hoje da tua partida repentina na passada sexta-feira. Espero que a música continue a acompanhar-te os passos onde quer que estejas. Até sempre, Maria João, e boa viagem...
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