segunda-feira, 30 de novembro de 2009
A ternura também é uma voz assim
Virtual versus Real
Alexandre: faz como eu.
Fecha-te nestas quatro paredes,
mas sonha que andas lá por fora
(na terra sem céu)
a matar as sedes
da gente que chora.
O moleiro mói melhor a farinha para o pão
no isolamento do moinho,
mas com a condição
de ouvir bater no coração
o do vizinho.
Acredita, Alexandre, que a solidão
é boa para não estar sozinho.
José Gomes Ferreira, Poesia VI
Utopia
sábado, 28 de novembro de 2009
Ukulele
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Cada cabeça, sua sentença
Pegando no desafio final da repórter, várias questões se levantam depois de ver este vídeo:
A chamada democratização da arte, através do design, entrou de tal maneira no nosso quotidiano que quase tudo parece ser arte ou, pelo menos, artístico.
Uma questão curiosa levantada pela repórter foi a do preço: toda a gente achou que quinze mil euros eram um preço até razoável(!) para um quadro, só pelo facto de estar exposto na ARCO.
Mas o que achei mais curioso foram as opiniões/interpretações dos entrevistados: é cada cabeça, sua sentença, mesmo!
Parece que, actualmente, em arte, vale mesmo tudo!
Conto de Natal
Exactamente como explica Pascal Bruckner (2000, p. 114) no ensaio “L’Euphorie Perpétuelle – essai sur le devoir de bonheur”: le fun est contemporain du virtuel et témoigne comme lui de la même volonté de dématérialiser le monde, de bousculer les frontières de l’espace et du temps. (...) le fun nous plonge dans l’enchantement du conte de fées: le désir y triomphe de toutes les épreuves et rencontre sans peine sa satisfaction. (...) Avec lui la vie devient un jeu pour lequel nous n’avons aucun prix à payer.
E World Builder de Bruce Branit é tudo isso, portanto é perfeito para a quadra que atravessamos. Aliás, também quero que o meu Natal seja assim: virtual e fun.
Bisbilho(idio)tice
Se fosse na América já alguém teria inventado uma “teoria da conspiração” sobre este fenómeno. Assim género série do AXN: agentes secretos decobriram que está em marcha uma campanha de intoxicação dos espíritos ou, se calhar, apenas de entorpecimento. Entretanto, enquanto estamos todos entretidos com a cusquice mais recente, a personagem sinistra e misteriosa por trás de tudo isto anda a tramar coisas estranhas. Quando passar a hipnose geral e as consequências nos cairem em cima é que vai ser o bonito...
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Comer
O sexo não deixa de ser também uma forma de comer o corpo do outro, na medida em que implica trazer o outro para dentro de si, à semelhança de qualquer alimento. O sexo - tal como a mesa – é, pois, um acto de partilha e de entrega dos corpos, das vontades e dos corações, motivado por um único objectivo: o prazer sensorial. Uma relação física exige, como qualquer prato requintado, a justa medida de cores, odores, sons, sabores, texturas...E se o tempero estiver certo, então, é toda uma experiência... Por isso, a interacção dos dois universos – cama/mesa - só pode ser potenciadora do prazer que, cada um por si, já proporciona.
Tudo isto está neste excerto de “9 ½ Weeks” de Adrian Lyne, realizado em 1986, cujo ponto de partida é uma afirmação aparentemente anódina do protagonista: "Estou esfomeado." É o início de um ritual que mistura curiosidade, brincadeira, generosidade, desejo e transgressão. E quem, de olhos fechados, confia, abrindo o espírito (e a boca) ao inesperado, liberta-se e parte à (re)descoberta de si e do outro. É uma metáfora do próprio acto sexual: a voracidade que vai em crescendo até ser surpreendida pelo picante da malagueta e que culmina numa espécie de “cântico dos cânticos”: o rio de leite e mel derramado sobre o corpo. Afinal, a fome de Rourke era fome de pele...
domingo, 22 de novembro de 2009
O sétimo dia
Imagem tirada de http://samarabrandao.wordpress.com/ |
A imaginação também é uma coisa assim: 405
sábado, 21 de novembro de 2009
Ler poesia
“Que os teus braços saibam sempre encontrar os caminhos do meu corpo...”
Agora, deste lado do muro intransponível que voluntariamente erguemos para cortar os caminhos que nos ligavam, abro o livro um pouco mais à frente, na pág. 26, e, com a minha voz, uma pequena clareira de som alastra no silêncio escuro da casa:
“...Pedaço a pedaço, dedo a dedo, arranco-te de mim como se olhasse um filho abortado e choro-te, as lágrimas escorrendo dos olhos, nunca um pranto, de mansinho, um luto definitivo como quem se despede de um amigo para sempre. Para sempre."
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
A vida, inexorável
Depois de um certo tempo, o raciocínio abriu uma pequena brecha na sua cabeça e compreendeu que a vida não atendia a circunstâncias individuais. A força irascível que a atirara ao chão não pensara: “Já tinha perdido a motivação, agora ficou com a alma rasgada, não lhe vou dar ainda aquele caroço na mama. Vou esperar até que se recomponha.” Nada disso. A vida simplesmente dá o que tem vontade e continua em frente, imparável, cega, surda e muda, na total ignorância dos danos colaterais que provoca à sua passagem. Por isso, mesmo aturdida, sabia que, ou se levantava já e acompanhava o ritmo da marcha imposta, ou nunca mais se endireitava, em sentido literal e figurado. Se demorasse mais algum tempo, perderia qualquer hipótese de colar os poucos cacos que tinham restado.
Mais tarde, quando foi capaz de pensar a frio sobre aquilo, compreendeu ainda que a vida é um jogo de cartas viciado em que a hipótese de ganhar é quase nula. Talvez por isso sejam muitos os que fazem batota, não hesitando em esmagar quem se lhes atravesse no caminho, convencidos de que poderão vencer o jogo à sua maneira. Mas atropelam apenas os seus iguais ou os que tentam jogar a partida até ao fim. Nunca conseguirão atropelar a própria vida, pois essa não é atropelável: ela faz o que quer, quando quer, não dá satisfações a ninguém e, sempre que tem vontade, é ela quem sobe ao pódio para receber a medalha de ouro. Não há como saber o que irá a vida fazer, ou fazer-nos. Por isso é tão aterradora e fascinante ao mesmo tempo.
(Imagem de B. Jarret)
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
E se Rilke me escrevesse uma carta?
[Meu caro blogger]:
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Da corrupção
Poesia-enigma
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Proverbiais e aforísticas: à espera da segunda voz
PS - Pluma amiga, está na hora de combinar um jantar, beber um (ou dois) copos de bom tinto alentejano e (re)inventar mais uns quantos para pura diversão dos nossos espíritos inquietos...
domingo, 15 de novembro de 2009
Dizer-se nas palavras alheias - 2
Cultivam-se as antigas artes da caça, breves jogos de morte e amizade, como nos palácios antigos. “Só no Outono se mata, e raramente, para homenagear os convidados”. (Marguerite Yourcenar, Quoi l’éternité). A partir de agora, ninguém é obrigado a andar bronzeado. As mulheres vão voltar a comer doces. As paixões tornam-se lentas e carregadas como o céu. As noites ficam maiores. Constança aprenderá com Fiona, a artista temporariamente retirada, que os namorados devem ser sempre velhos e os maridos sempre novos.”
Nasci em Setembro. É não só, mas também assim, que sinto a luz muito particular deste mês do ano, interlúdio doce entre os excessos do Verão e os rigores do Inverno que se aproxima. Setembro "c'est une chanson qui [me] ressemble..."
(Im)pertinências
Considerava então Rigaut que: “Há pessoas que fazem fortuna, outras depressões, outras filhos. Há os que fazem amor e as que fazem dó.”
Por, ao contrário de Rigaut, ser impertinente, acrescento que, agora, há também as que fazem blogues para escrever sobre como não querem, não podem ou não conseguem fazer nada disto.
sábado, 14 de novembro de 2009
Coisas que passam pela minha cabeça
Pequenas alquimias
A aventura começa desde logo na escolha dos ingredientes: as infinitas possibilidades combinatórias que oferecem desafiam a criatividade e a invenção, podendo chegar mesmo aos limites tentadores da transgressão. Contudo, não se fica por aí, a combinação de ervas aromáticas e especiarias na justa medida, os aromas que se complexificam e aprofundam à medida que a preparação avança no lume, o tempo certo para apuro do tempero - às vezes exasperadamente longo, mas compensador, à mesa, com o vinho adequado e na companhia certa. A boa comida é uma sinestesia capaz de despertar e apurar os sentidos todos (incluindo o tal sexto) e que reconforta por dentro.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
As palavras: ainda e sempre...
Glosa
O problema da comunicação não está apenas nas palavras em si, ou na sua falta. Está também nas que, tendo sido ditas, não foram clarificadas e discutidas até se chegar a um mútuo entendimento do seu significado. Dizer as palavras, não é condição bastante para que exista diálogo. É preciso que alguém as ouça e lhes responda. Só assim é que podemos saber se o que dissemos foi o mesmo que o outro ouviu e entendeu. O problema é que temos cada vez menos disponibilidade mental para isso: ouvir implica uma atitude ao mesmo tempo receptiva e de aceitação do outro. Ora os tempos de hoje exigem e valorizam precisamente o contrário: iniciativa e imposição do indivíduo face aos outros. Por isso, vivemos (con)centrados em nós: os outros interessam-nos apenas quando e enquanto nos forem úteis para alguma coisa de que, claro está, seremos sempre beneficiários directos e finais. Fora desse cenário tornam-se incómodos e supérfluos, meros desvios ao que verdadeiramente interessa: eu mesmo e a minha pessoa. Nas relações, a incomunicação instala-se então à medida que o silêncio de um se vai tornando proporcional à indisponibilidade do outro para ouvir. Aliás, é cada vez mais difícil arranjar "audiência" para os nossos pequenos desabafos. (Será também por isso que na rua nos cruzamos com um número crescente de pessoas que falam sózinhas?). Psicólogos, psicoterapeutas, sexólogos, psiquiatras e afins têm claramente o futuro assegurado: afinal, muito embora sejam pagos por/para isso, ouvir os outros é a sua profissão. E há por aí muita gente a precisar de ser ouvida.
Remate
Nós, nós é que estamos gastos e precocemente envelhecidos. E, por isso, "Não temos já nada para dar".
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Blogues: Messages in bottles
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Blogues: Bottles with messages
As ironias da (in)comunicação de que estamos rodeados são o tema desta curta metragem "The message":
domingo, 8 de novembro de 2009
Rir também é terapêutico
O sempre actual estado da educação
sábado, 7 de novembro de 2009
As Palavras: blogodiálogo com Eugénio de Andrade
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
O "natural" ainda existe?
Começo a achar que a natureza, no seu "natural", está mesmo em risco de extinção.
Proverbiais e aforísticas a duas vozes
- Se não vem até ao blogue, vai o blogue até si... (Pluma Alada)
- Quem semeia gatos, colhe assopradelas e arranhões! (Caneta)
- Vale mais um gato a miar do que um mentiroso a prometer. (Pluma Alada)
- A amizade é sempre que nós quisermos. (Caneta)
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Ainda a arte...
A experiência realizada em 2008, pelo Washington Post, numa estação de metro em Nova Iorque, prova isso mesmo: quando não temos informação suficiente, não conseguimos sequer identificar o que é arte, menos ainda percebê-la ou gostar dela, mesmo que ela esteja ali, à nossa frente, a entrar-nos pelos olhos e ouvidos.
a) Quem toca assim, anonimamente, na estação do metro é Joshua Bell, um dos mais consagrados violinistas da actualidade;
b) O violino com que ele toca é um Stradivarius genuíno, datado de 1713 e avaliado em mais de três milhões de dólares;
c) Três dias antes Joshua Bell tinha esgotado a lotação do Boston Symphony Hall para um concerto onde cada bilhete custava mil dólares.
Com esta brincadeira (bem séria) o jornal pretendia dinamizar o debate sobre "valor, contexto e arte".
A Fortuna das obras de arte
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Ao km 3
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Uma imagem, um chavão e três equívocos
Velho chavão: considerar que, ainda hoje, as mulheres pensam que mais vale um homem em casa, mesmo traste e mau carácter, do que morrer "solteira".
Equívoco nº 1 - o de achar que as mulheres continuam a acreditar na existência do "homem perfeito", tipo entidade estática e abstracta, fora do tempo, do espaço e das suas próprias circunstâncias individuais (a inversa - mulheres perfeitas - também é verdadeira);
Equívoco nº 2 - o de considerar que, fora de uma relação a dois, não existe vida, pelo menos significativa, para as mulheres, como se carreira, amigos, interesses pessoais, família, vida própria (a ordem dos factores é irrelevante), não passassem de meras diversões para ocupar o tempo enquanto se espera pelo tal "homem perfeito";
Equívoco nº 3 - o de ficar presa para além do tempo que seria normal a uma relação claramente insatisfatória por se considerar que, não existindo o "homem perfeito" ou não estando ele ao nosso alcance, 'aquele' é o melhor que se pode arranjar ou, pior ainda, que não se merece melhor.
Certo é que, seja qual for o equívoco ou o chavão, nenhum deles reflecte uma imagem muito positiva das mulheres numa sociedade em que elas "dão o litro" ao lado dos homens, todos os dias, e já mereciam mais consideração. Ainda mais certa, porém, é a dificuldade de mudar as mentalidades, até das próprias mulheres. Eu que o diga, que também me deixei equivocar durante algum tempo...
Post-scriptum: Entretanto, encontrei também esta esclarecedora e hilária definição do Jô Soares sobre o que é um "homem perfeito". Em verso e tudo!
Terapia alternativa
A imaginação também é uma coisa assim: Fun Theory
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Outras formas de ser português
SER PORTUGUÊS É:
Levar arroz de frango para a praia.
Guardar as cuecas velhas para polir o carro.
Lavar o carro na rua, ao domingo.
Ter pelo menos duas camisas traficadas da Lacoste e uma da Tommy (de cor amarelo-canário e azul-cueca).
Passar o domingo no shopping.
Tirar a cera dos ouvidos com a chave do carro ou com a tampa da esferográfica.
Ter bigode.
Viajar pró cu de Judas e encontrar outro Tuga no restaurante.
Receber visitas e ir logo mostrar a casa toda.
Enfeitar as estantes da sala com os presentes do casamento.
Exigir que lhe chamem 'Doutor' ou que o tratem por Sr. Engenheiro.
Axaxinar o Portuguex ao eskrever.
Gastar 50 mil euros no Mercedes C220 cdi, mas não comprar o kit mãos-livres, porque 'é caro'.
Já ter 'ido à bruxa'.
Filhos baptizados e de catecismo na mão, mas nunca pôr os pés na igreja.
Não ser racista, mas abrir uma excepção com os ciganos.
Ir de carro para todo o lado, aconteça o que acontecer, e pelo menos, a 500 metros de casa.
Conduzir sempre pela faixa da esquerda da auto-estrada (a da direita é para os camiões).
Cometer 3 infracções ao código da estrada, por quilómetro percorrido!!!
Ter três telemóveis.
Gastar uma fortuna no telemóvel mas pensar duas vezes antes de ir ao dentista.
Ir à bola, comprar o bilhete 'prá-geral' e saltar 'prá-central'.
Viver em casa dos pais até aos 30 anos ou mais.
Ser mal atendido num serviço, ficar lixado da vida, mas não reclamar por escrito 'porque não se quer aborrecer'.
Falar mal do Governo eleito e esquecer-se que votou nele.
Levar o saco do lixo no carro para poder depositá-lo na beira da estrada, o mais longe possível do contentor mais próximo.
Abandonar cão, gato ou avózinha antes de ir de férias pró Algarve para poupar dinheiro.
Ao telemóvel, durante a chamada, colocar alguém em espera por diversas vezes, para atender outras chamadas.
Usar a mulher e/ou os filhos como saco de pancada, apenas porque pode.
Achar que a Sida é coisa de maricas.
Ter necessidade imperiosa de se assoar para o chão, especialmente quando se cruza com alguém na rua.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Mulher, portuguesa e parva, também
domingo, 1 de novembro de 2009
Dizer-se nas palavras alheias
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
David Mourão Ferreira, Matura Idade, Ed. Arcádia