segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A ternura também é uma voz assim

A ternura também é uma voz que acaricia a pele, serena a escuridão e enche a alma de música, como se fosse uma canção de embalar.


Virtual versus Real

Escrever num blogue é uma estranha e poderosa sensação: de repente, parece ser possível manipular o mundo a partir do cantinho anónimo da nossa casa. Está-se no mundo sem, contudo, estar de facto lá. E este, por sua vez, entra, de forma perfeitamente controlada, e controlável, na nossa vida, ou melhor, no nosso pc. O risco é mínimo, desde que as regras sejam cumpridas. Diz Bruckner (2000) que o virtual é “uma disciplina de filtragem que ergue discretas muralhas e instaura um ambiente asséptico, no qual posso fruir do mundo sem lhe atribuir o direito de me magoar ou de me punir.”.

É tão compensador e libertador que a tentação de ficar lá por períodos de tempo cada vez mais longos, escapando assim aos constrangimentos que nos cercam, é bem concreta. Às vezes, o mundo virtual faz até mais sentido que o real: desde logo, porque se submete aos nossos desígnios e concretiza os nossos desejos mais secretos. Por isso é tão cativante. O problema é que, se não tivermos cuidado, também nos pode fazer perder uma certa visão panorâmica da realidade, ao ponto de esta aparentar não ser mais do que um conjunto de pessoas intrometidas, mal intencionadas e, de um modo geral, apenas suportáveis por períodos de tempo cada vez mais curtos.

No fundo, os mundos virtuais são como todo os paraísos artificiais, bons ou maus consoante o uso que deles fazemos. Por isso não fará mal lembrar um princípio do pensamento estóico, que pode bem aplicar-se aqui. Dizia Marco Aurélio que, para tornar a vida suportável, o homem deve reflectir sobre si próprio: “Os que não observam os movimentos da própria alma, esses são fatalmente uns desgraçados.” (Pensamentos, II,8).

Espero bem que a escrita me ajude à concentração da alma sobre si mesma, e transforme este blogue em caminho virtual para uma forma real de ataraxia. Que este blogue seja como diz o Poeta:

Alexandre: faz como eu.
Fecha-te nestas quatro paredes,

mas sonha que andas lá por fora
(na terra sem céu)
a matar as sedes
da gente que chora.

O moleiro mói melhor a farinha para o pão
no isolamento do moinho,
mas com a condição
de ouvir bater no coração
o do vizinho.

Acredita, Alexandre, que a solidão
é boa para não estar sozinho.

José Gomes Ferreira, Poesia VI

Utopia

Um “golpe de vista” pouco habitual em mim, permitiu-me descobrir que a Utopia, afastada do mundo há já muitos anos, se refugiou no Alentejo, bem perto de Estremoz. Abriga-se num modesto muro meio arruinado, camuflada por silvas e rodeada de destroços. Não há como dissimular a degradação a que chegou. Por isso, não admira que o mundo esteja na desordem que sabemos...



sábado, 28 de novembro de 2009

Ukulele

Jake Shimabukuro é um virtuoso. Toca magistralmente um instrumento chamado Ukulele, que tem uma história curiosa. No séc. XIX, foi levado por portugueses - no caso, emigrantes madeirenses - para o Hawai, onde se tornou no instrumento central do folclore havaiano.
Mas o destino fulgurante deste instrumento não se ficou por aqui, entrou depois em força (mais uma vez por via da emigração) na música country americana e fez mesmo parte da história inicial da música rock americana.


sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Cada cabeça, sua sentença

Alguém me enviou por mail este pequeno filme sobre uma experiência muito peculiar que jornalistas da televisão espanhola resolveram fazer durante a Arco:
 

Pegando no desafio final da repórter, várias questões se levantam depois de ver este vídeo:

As pessoas serão mesmo assim tão crédulas ou, naquele contexto específico(ARCO), pôr em causa o valor de uma obra de arte é algo impensável (tipo: se está lá, é bom).

Por vezes, a arte contemporânea impõe ao público coisas tão estranhas, tão inesperadas ou tão corriqueiras, dizendo que são arte que, para um leigo, se tornou difícil discernir.

A chamada democratização da arte, através do design, entrou de tal maneira no nosso quotidiano que quase tudo parece ser arte ou, pelo menos, artístico.

Uma questão curiosa levantada pela repórter foi a do preço: toda  a gente achou que quinze mil euros eram um preço até razoável(!) para um quadro, só pelo facto de estar exposto na ARCO.

Mas o que achei mais curioso foram as opiniões/interpretações dos entrevistados: é cada cabeça, sua sentença, mesmo!

Parece que, actualmente, em arte, vale mesmo tudo!

Conto de Natal

Já começou a febre natalícia, espécie de silly season fora de época que deixa toda a gente num frenesi hipnótico a comprar "prendinhas" para meio mundo e a dizer "bom natal e  feliz ano novo" a (des)propósito de quase tudo. 

As televisões e os cinemas anunciam os “contos de natal” de todos os anos e alguns bloggers começam a postar textos e imagens alusivas à quadra. Decidi também entrar na onda e postar desde já o meu “Conto de Natal”. É uma curta-metragem com milagres q.b., clichés em cascata, imagens virtuais e, sobretudo, muito fun, como convém aos tempos que vivemos.

Exactamente como explica Pascal Bruckner (2000, p. 114) no ensaio “L’Euphorie Perpétuelle – essai sur le devoir de bonheur”: le fun est contemporain du virtuel et témoigne comme lui de la même volonté de dématérialiser le monde, de bousculer les frontières de l’espace et du temps. (...) le fun nous plonge dans l’enchantement du conte de fées: le désir y triomphe de toutes les épreuves et rencontre sans peine sa satisfaction. (...) Avec lui la vie devient un jeu pour lequel nous n’avons aucun prix à payer.

E World Builder de Bruce Branit é tudo isso, portanto é perfeito para a quadra que atravessamos. Aliás, também quero que o meu Natal seja assim: virtual e fun.

Bisbilho(idio)tice


Nos locais habituais do meu dia-a-dia, cruzo-me quase sempre com as mesmas pessoas: colegas, vizinhos, conhecidos ou apenas (re)conhecidos... Verifico diariamente, sem grande surpresa, que os temas de conversa também não variam muito. A chamada coscuvilhice é um dos mais frequentes. Aliás, está em todo o lado, por isso, não admira que esteja muito presente nas conversas.

São dezenas as revistas que, todas as semanas, nos mantêm informados, com abundância de detalhes e provas fotográficas, sobre a vida dos ditos “famosos” da nossa sociedade. Os próprios talk-shows televisivos ocupam grande parte do seu tempo e do dia dos espectadores com o tema, discutido ao pormenor por painéis de especialistas na grande arte (ou será já ciência?) de esmiuçar a vida alheia: quem anda com quem, quem se juntou com quem, quem se divorciou de quem, quem estava a falar com quem, quem se reconciliou com quem, quem foi apanhado na cama com quem, etc, etc. Também nas chamadas redes sociais da net – Facebook e Twitter – as “novidades” circulam fresquinhas e quase ao segundo e o people anda frenético e feliz com tudo isto. Mesmo jornais de âmbito nacional, com algum peso e crédito, como é o caso do Público, não escapam a esta onda e lá está a página diária de pequenas notícias sobre os famosos do mundo. Com esta lavagem cerebral tão intensa, não é de admirar que seja um tema habitual de conversa. Penso é que doses maciças deste elevado assunto só podem conduzir à idiotice total.

Não quer dizer que eu própria esteja imune. De vez em quando, também caio em tentação e procuro saber onde andam e o que fazem o Javier Bardem, o Antonio Banderas ou o Benicio del Toro, por exemplo. Afinal, são colírio para olhos secos e cansados, convém ir verificando se o medicamento ainda está dentro da validade. Mas, de uma forma geral, a vida alheia (seja a dos famosos, seja a dos outros) é assunto que cada vez me interessa menos e irrita mais.

Se fosse na América já alguém teria inventado uma “teoria da conspiração” sobre este fenómeno. Assim género série do AXN: agentes secretos decobriram que está em marcha uma campanha de intoxicação dos espíritos ou, se calhar, apenas de entorpecimento. Entretanto, enquanto estamos todos entretidos com a cusquice mais recente, a personagem sinistra e misteriosa por trás de tudo isto anda a tramar coisas estranhas. Quando passar a hipnose geral e as consequências nos cairem em cima é que vai ser o bonito...


Nota: ilustração de Norman Rockwell -  Gossip

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Comer

Não é por acaso que o verbo comer se usa na mesa e na cama. Também não é por acaso que muitas noites de sexo começam na mesa, transformando-se a comida numa espécie de preliminar para o que virá a seguir. Será porque, num corpo saciado, o espírito está mais tranquilo, mais prediposto e menos à defesa? Veja-se, a título de exemplo, este outdoor publicitário brasileiro, que explora essa ligação na sua plenitude e sem qualquer preconceito:



O sexo não deixa de ser também uma forma de comer o corpo do outro, na medida em que  implica trazer o outro para dentro de si, à semelhança de qualquer alimento. O sexo - tal como a mesa – é, pois, um acto de partilha e de entrega dos corpos, das vontades e dos corações, motivado por um único objectivo: o prazer sensorial. Uma relação física exige, como qualquer prato requintado, a justa medida de cores, odores, sons, sabores, texturas...E se o tempero estiver certo, então, é toda uma experiência... Por isso, a interacção dos dois universos – cama/mesa - só pode ser potenciadora do prazer que, cada um por si, já proporciona.


Tudo isto está neste excerto de “9 ½ Weeks” de Adrian Lyne, realizado em 1986, cujo ponto de partida é uma afirmação aparentemente anódina do protagonista: "Estou esfomeado." É o início de um ritual que mistura curiosidade, brincadeira, generosidade, desejo e transgressão. E quem, de olhos fechados, confia, abrindo o espírito (e a boca) ao inesperado, liberta-se e parte à (re)descoberta de si e do outro. É uma metáfora do próprio acto sexual: a voracidade que vai em crescendo até ser surpreendida pelo picante da malagueta e que culmina numa espécie de “cântico dos cânticos”: o rio de leite e mel derramado sobre o corpo. Afinal, a fome de Rourke era fome de pele...




Nota: Se um dia fosse possível, bem gostaria de organizar um ciclo de cinema sobre a relação entre os filmes e a comida. Algo assim para deixar muito boa gente com “água na boca”...

domingo, 22 de novembro de 2009

O sétimo dia

Imagem tirada de http://samarabrandao.wordpress.com/
E, ao sétimo dia, Deus-Criador interrompeu a sua árdua tarefa para descansar e disse às suas humanas criaturas que, dali em diante, fizessem o mesmo... Claro que, naqueles longínquos tempos, o supremo Criador ainda não tinha inventado essa estranha coisa hoje conhecida como Rotina. Exige ela que executemos, com perfeita simetria mecânica, uma coreografia ritmada pelo relógio: as mesmas coisas, nos mesmos dias, às mesmas horas. São pequenos rituais de sufocação que anestesiam o pensar, o sentir, a memória, até mesmo a consciência. Muitas vezes, aí pelo meio da semana, sinto falta de estar a sós comigo. Sinto falta de ter tempo para mim, para as coisas que gosto, para o que dá sentido à pessoa que sou. Penso então no fim-de-semana que virá como uma espécie de óasis redentor.

Contudo, à medida que os anos vão decorrendo, o domingo tem-se tornado para mim um dia ainda mais estranho que todos os outros. Não encaixa. Não bate certo. Tanta coisa sonhada e pensada durante a semana, na expectativa do domingo mais próximo! Porém, uma vez chegado, nada é realizável, pois um único dia é insuficiente para tudo o que imaginei. Dou comigo a fazer pequenas coisas dispersas, meio perdida nas horas longas de um dia, que, afinal, é demasido curto. O “grande dia” acaba por escorrer intranquilo, perseguindo a miragem de uma plenitude nunca alcançada (inalcançável?) até se transformar numa espécie de promessa não cumprida. O sétimo dia da semana não faz mais sentido do que qualquer outro. Falta-lhe, ou melhor, falta-me algo. Ironicamente, concluo: a Rotina! Aquela que enforma e preenche os restantes seis dias de um modo tão esmagador, ao ponto de conseguir esvaziar de sentido o único em que, supostamente, devia ganhar forças para a enfrentar.

A imaginação também é uma coisa assim: 405

Curta-metragem de Bruce Branit e Jeremy Hunt sobre o plausível, o impossível e o incrível ... como só no cinema é possível. O pormenor da intrépida e idosa condutora é mesmo a cereja no topo do bolo.


sábado, 21 de novembro de 2009

Ler poesia

Às vezes abria o livro na pág. 17 e lia o poema, quase a medo, como quem formula um desejo secreto ou uma breve oração:

Que os teus braços saibam sempre encontrar os caminhos do meu corpo...”

Agora, deste lado do muro intransponível que voluntariamente erguemos para cortar os caminhos que nos ligavam, abro o livro um pouco mais à frente, na pág. 26, e, com a minha voz, uma pequena clareira de som alastra no silêncio escuro da casa:

Invoco-te para preencher o vazio das noites em que a solidão morde o meu corpo magoado. E deito-me, inventando-te, no espaço preciso da tua ausência.”

E de novo o silêncio, impassível, se apodera de todo o espaço. Para não o perturbar, a voz dentro de mim prossegue a leitura na pág. 27:

“...Pedaço a pedaço, dedo a dedo, arranco-te de mim como se olhasse um filho abortado e choro-te, as lágrimas escorrendo dos olhos, nunca um pranto, de mansinho, um luto definitivo como quem se despede de um amigo para sempre. Para sempre."
(poemas de) Tito Lívio, Senhor, Partem tão tristes, 2002

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A vida, inexorável

No preciso instante em que tudo aconteceu, sentiu um misto de revolta e de incredulidade. Como era possível que a vida prosseguisse, impassível, depois daquilo? O próprio mundo lá fora deveria ter parado depois daquilo... Precisava agora de algum tempo para recuperar o fôlego, para conseguir voltar a respirar sem sentir aquela dor-faca cravada nas costas. Olhava o seu rosto-máscara reflectido no espelho e achava absurdo como ninguém parecia perceber que trazia o fim do mundo estampado na cara!

Depois de um certo tempo, o raciocínio abriu uma pequena brecha na sua cabeça e compreendeu que a vida não atendia a circunstâncias individuais. A força irascível que a atirara ao chão não pensara: “Já tinha perdido a motivação, agora ficou com a alma rasgada, não lhe vou dar ainda aquele caroço na mama. Vou esperar até que se recomponha.” Nada disso. A vida simplesmente dá o que tem vontade e continua em frente, imparável, cega, surda e muda, na total ignorância dos danos colaterais que provoca à sua passagem. Por isso, mesmo aturdida, sabia que, ou se levantava já e acompanhava o ritmo da marcha imposta, ou nunca mais se endireitava, em sentido literal e figurado. Se demorasse mais algum tempo, perderia qualquer hipótese de colar os poucos cacos que tinham restado.

Mais tarde, quando foi capaz de pensar a frio sobre aquilo, compreendeu ainda que a vida é um jogo de cartas viciado em que a hipótese de ganhar é quase nula. Talvez por isso sejam muitos os que fazem batota, não hesitando em esmagar quem se lhes atravesse no caminho, convencidos de que poderão vencer o jogo à sua maneira. Mas atropelam apenas os seus iguais ou os que tentam jogar a partida até ao fim. Nunca conseguirão atropelar a própria vida, pois essa não é atropelável: ela faz o que quer, quando quer, não dá satisfações a ninguém e, sempre que tem vontade, é ela quem sobe ao pódio para receber a medalha de ouro. Não há como saber o que irá a vida fazer, ou fazer-nos. Por isso é tão aterradora e fascinante ao mesmo tempo.


Auguste Rodin - La Danaïde - 1889
(Imagem de B. Jarret)

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

E se Rilke me escrevesse uma carta?

Carta a um blogger recente

[Meu caro blogger]:
"Ninguém pode aconselhá-lo nem ajudá-lo - ninguém! Há só um caminho: entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever. Veja se esta necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. (...) Experimente dizer, como se fosse o primeiro homem, o que vê, o que vive, o que ama, o que perde. Não escreva poemas de amor. Evite, de princípio, os temas demasiado correntes; são os mais difíceis. Nos assuntos em que tradições seguras, por vezes brilhantes, se apresentam em grande número, o [blogger] só pode fazer obra pessoal na plena maturação da sua força. Fuja dos grandes assuntos e aproveite os que o dia-a-dia lhe oferece. Diga as suas tristezas e os seus desejos, os pensamentos que o afloram, a sua fé na beleza. Diga tudo isto com uma sinceridade íntima, calma e humilde. Utilize, para se exprimir, as coisas que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos, os objectos das suas recordações. Se o quotidiano lhe parecer pobre, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser bastante poeta para conseguir apropriar-se das suas riquezas."
Rainer Maria Rilke
Bilhete-resposta

Caro Mestre e Poeta:
É no seu último e sábio conselho que, sem surpresa, encontro as maiores dificuldades, pois não sou poeta. Mas ao escrever estas toscas palavras sobre o que vejo, vivo, amo ou perco no dia-a-dia, talvez consiga recuperar um pouco da fé em mim própria e assim arranjar forças para prosseguir a longa e incerta caminhada.
Com admiração e simpatia

Caneta

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Da corrupção

Sobre a tão falada, nunca provada e muito menos punida corrupção em Portugal, o povo, no seu saber de looonga experiência feito, é que tem a definição certa. Vale por todas as opiniões e experts que somos obrigados a engolir diariamente, enquanto mastigamos placidamente o jantar:

Quando o mal é de nação ... nem a poder de sabão!

Poesia-enigma

Jules de Rességuier escreveu, em meados do séc. XIX, um soneto dito "monossilábico". A sua leitura é um desafio à imaginação. Poesia-enigma, jogo de sentidos entre criador e leitor...

Sonnet monosyllabique

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Proverbiais e aforísticas: à espera da segunda voz

  • Solidão: nem sempre boa conselheira, muitas vezes companheira. (Caneta)
  • Quem semeia amores, colhe dissabores. (Caneta)
  • Computador, carro e namorado: quanto mais velho, mais avariado! (Caneta)
  • Ser rude é fraca virtude. (Caneta)
  • Corrompe quem pode, é corrompido quem quer. (Caneta)
  • Juízo apressado, caldo entornado. (Caneta)
  • Por palavras e acções também se medem corações. (Caneta)

    • PS - Pluma amiga, está na hora de combinar um jantar, beber um (ou dois) copos de bom tinto alentejano e (re)inventar mais uns quantos para pura diversão dos nossos espíritos inquietos...

      domingo, 15 de novembro de 2009

      Dizer-se nas palavras alheias - 2

      “Setembro é um mês fora de moda. O Inverno, o Verão e a Primavera mudam de cor todos os anos, nas revistas de época: do vermelho ao branco, do turquesa ao negro, em sucessivas revoadas. Mas Setembro é sempre dourado e doce, como os filmes todos de Woody Allen – mesmo aqueles que não se chamam September.
      Cultivam-se as antigas artes da caça, breves jogos de morte e amizade, como nos palácios antigos. “Só no Outono se mata, e raramente, para homenagear os convidados”. (Marguerite Yourcenar, Quoi l’éternité). A partir de agora, ninguém é obrigado a andar bronzeado. As mulheres vão voltar a comer doces. As paixões tornam-se lentas e carregadas como o céu. As noites ficam maiores. Constança aprenderá com Fiona, a artista temporariamente retirada, que os namorados devem ser sempre velhos e os maridos sempre novos.”
      Inês Pedrosa, in O Independente, 8/9/89

      Nasci em Setembro. É não só, mas também assim, que sinto a luz muito particular deste mês do ano, interlúdio doce entre os excessos do Verão e os rigores do Inverno que se aproxima. Setembro "c'est une chanson qui [me] ressemble..."

      (Im)pertinências

      Jacques Rigaut, que viveu no início do século vinte, fez algures uma afirmação sobre as pessoas e as suas realizações que registei num pedaço de papel, esquecido dentro de um livro e agora reencontrado por acaso. Passado um século tem a referida afirmação o mérito de conseguir manter-se pertinente, provando que a natureza humana dificilmente muda, mas pode sempre ser actualizada:
      Considerava então Rigaut que: “Há pessoas que fazem fortuna, outras depressões, outras filhos. Há os que fazem amor e as que fazem dó.”
      Por, ao contrário de Rigaut, ser impertinente, acrescento que, agora, há também as que fazem blogues para escrever sobre como não querem, não podem ou não conseguem fazer nada disto.

      sábado, 14 de novembro de 2009

      Coisas que passam pela minha cabeça

      A meio da noite insonolenta, certo verso aforístico de uma canção dos The Sounds insiste em ecoar-me na cabeça - Home is where your heart is. Ora eu, que tenho a vida dividida por duas casas e cidades distintas, ainda nunca deixei de ser uma espécie de "sem abrigo": o coração (seja lá isso o que for) não está em nenhuma delas, nunca esteve. Continua à espera de encontrar um sítio para morar, uma casa a que possa chamar sua. Absurdamente, dei por mim a concluir que só encontra quem procura, e não quem se acomoda ao que tem. Veio-me então à ideia um ppt recebido no mail há uns dias: falava de ciclos que deviam ser encerrados para que ciclos novos se pudessem iniciar. Pois, e como é que se encerra um ciclo chamado a vida inteira, assim, de um momento para o outro? E será mesmo possível mudar a/de vida, ou tudo isso não passará de uma ilusão sedutora com que entreter o pensamento em alturas difíceis até que a dor se torne suportável? Depois... depois, acho que adormeci.

      Pequenas alquimias

      Quem me conhece bem sabe que cultivo de forma assumida e sem complexos o prazer da mesa. A capacidade que cores, cheiros, sabores, texturas, contrastes e harmonias têm de gerar prazer e bem-estar é, para mim, quase mágica. Não estou a falar da comida enquanto simples acto de manutenção biológica do corpo, mas da que é capaz de alimentar o espírito através do corpo, o que é totalmente distinto. É que, nas sociedades ditas desenvolvidas em que vivemos, e que são também as da abundância, comer é, cada vez mais, um acto socialmente construído para saciar necessidades mais psicológicas do que físicas. Para muitos (os que podem, claro!) comer e beber com/em requinte tornou-se numa forma avançada de fruição dos prazeres que a vida (ainda) proporciona e num ingrediente de felicidade.

      A aventura começa desde logo na escolha dos ingredientes: as infinitas possibilidades combinatórias que oferecem desafiam a criatividade e a invenção, podendo chegar mesmo aos limites tentadores da transgressão. Contudo, não se fica por aí, a combinação de ervas aromáticas e especiarias na justa medida, os aromas que se complexificam e aprofundam à medida que a preparação avança no lume, o tempo certo para apuro do tempero - às vezes exasperadamente longo, mas compensador, à mesa, com o vinho adequado e na companhia certa. A boa comida é uma sinestesia capaz de despertar e apurar os sentidos todos (incluindo o tal sexto) e que reconforta por dentro.

      Para mim, a grande alquimia da cozinha dá-se quando tudo isto é feito com e para o coração, ou seja, para as pessoas especiais na nossa vida. É curioso como as preparações mais simples, ou apenas improvisadas com os recursos disponíveis na despensa, desde que feitas com o tempero da emoção e do sentimento, dão certo. Mas mais extraordinário ainda é a forma como se consegue fazer isto estando a sofrer, a enfrentar problemas ou às voltas com as angústias do dia-a-dia. Consegue-se, porque é para as pessoas de que gostamos e que nos fazem sentir bem: a comida sabe ainda melhor quando ajuda a tirar amargos de boca. É sobre estes pequenos milagres alquímicos do quotidiano doméstico, não tão insignificantes, nem tão inconsequentes assim, que falam as cenas inesquecíveis do filme “Como água para chocolate”:



      quinta-feira, 12 de novembro de 2009

      As palavras: ainda e sempre...

      Mote
      "Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
      e o que nos ficou não chega
      para afastar o frio de quatro paredes.
      Gastámos tudo menos o silêncio."
      Eugénio de Andrade





      Glosa
      O problema da comunicação não está apenas nas palavras em si, ou na sua falta. Está também nas que, tendo sido ditas, não foram clarificadas e discutidas até se chegar a um mútuo entendimento do seu significado. Dizer as palavras, não é condição bastante para que exista diálogo. É preciso que alguém as ouça e lhes responda. Só assim é que podemos saber se o que dissemos foi o mesmo que o outro ouviu e entendeu. O problema é que temos cada vez menos disponibilidade mental para isso: ouvir implica uma atitude ao mesmo tempo receptiva e de aceitação do outro. Ora os tempos de hoje exigem e valorizam precisamente o contrário: iniciativa e imposição do indivíduo face aos outros. Por isso, vivemos (con)centrados em nós: os outros interessam-nos apenas quando e enquanto nos forem úteis para alguma coisa de que, claro está, seremos sempre beneficiários directos e finais. Fora desse cenário tornam-se incómodos e supérfluos, meros desvios ao que verdadeiramente interessa: eu mesmo e a minha pessoa. Nas relações, a incomunicação instala-se então à medida que o silêncio de um se vai tornando proporcional à indisponibilidade do outro para ouvir. Aliás, é cada vez mais difícil arranjar "audiência" para os nossos pequenos desabafos. (Será também por isso que na rua nos cruzamos com um número crescente de pessoas que falam sózinhas?). Psicólogos, psicoterapeutas, sexólogos, psiquiatras e afins têm claramente o futuro assegurado: afinal, muito embora sejam pagos por/para isso, ouvir os outros é a sua profissão. E há por aí muita gente a precisar de ser ouvida.


      Remate

      Não são as palavras que estão gastas, são as pessoas, as suas atitudes e modos de ser e de viver.
      Nós, nós é que estamos gastos e precocemente envelhecidos. E, por isso, "Não temos já nada para dar".

      terça-feira, 10 de novembro de 2009

      Blogues: Messages in bottles

      As palavras que diariamente se (des)multiplicam na blogosfera dizem um pouco de tudo, em todos os formatos. Permanecem online de modo mais ou menos anónimo, profundo, personalizado, provocador, divertido ou até pervertido. São o retrato de quem as escreve e o espelho dos dias.
      Contam que estamos mais do que vivemos, que escrevemos mais do que falamos. Contam mais o que gostaríamos de ser ou viver do que aquilo que, realmente, somos e vivemos todos os dias. Contam as nossas vidas virtuais, já que as reais, essas, se tornaram demasiado áridas e não têm qualquer interesse. São narrações mais ou menos ficcionadas para entreter a solidão e o desencanto. Mas o fundamental é que, quando assim nos escrevemos, acabamos por nos re-pensar e re-criar também um pouco. Vamos fazendo pequenas re-descobertas dos lados ocultos ou há muito esquecidos e reprimidos dentro de nós.
      E quem é que lê estas palavras que enviamos para a blogosfera, como se fossem "mensagens em garrafas" atiradas ao mar? A resposta mais correcta será... (quase) ninguém! É que, paradoxalmente, no mundo da comunicação globalizada, cada vez temos menos interlocutores. De modo irónico, cada avanço da tecnologia parece implicar um recuo da comunicação interpessoal: estamos a viver uma verdadeira era da incomunicação.
      Para mim, os blogues assumem-se muito como uma vivência pessoal dessa incomunicação e como um esforço assertivo dos bloggers para se adaptarem aos tempos: é com estes blogomonólogos que vamos iludindo e apaziguando os fantasmas. E claro, também com a força das tuas palavras, Poeta:

      segunda-feira, 9 de novembro de 2009

      Blogues: Bottles with messages

      Descobrir um novo blogue é um pouco como encontrar, à beira-mar, uma garrafa contendo uma mensagem: o autor/emissor é-nos desconhecido, tal como o intuito com que foi lançada ao oceano, ou o local e as circunstâncias em que tudo aconteceu. É quase certo que não somos o destinatário directo da mensagem que transporta consigo, mais certo ainda é que aquela mensagem nem tenha sequer um destinatário concreto. Certamente que ela não fará a diferença nas nossas vidas, mas o acaso trouxe-a até nós... Por isso, deixamo-nos vencer pelo impulso de a abrir e de ler a mensagem que contém.
      Procuramos lá dentro alguma coisa, ou alguém, nem saberemos definir bem o que é, ou quem é. Mais do que o conteúdo específico de uma qualquer mensagem, no fundo, procuramos o eco dos nossos medos e angústias, procuramos a certeza de que, afinal, ainda não estamos completamente sós. Procuramos a certeza de que ainda resta alguém do lado de fora do muro que rodeia a nossa vida. Imaginamos então que, talvez, esse alguém se importe com as mesmas coisas que nós. Às vezes é só isso que temos e apenas isso nos basta.

      As ironias da (in)comunicação de que estamos rodeados são o tema desta curta metragem "The message":

      domingo, 8 de novembro de 2009

      Rir também é terapêutico

      A propósito de terapias, nada como, de vez em quando, ser capaz de rir desta tal de "solidão", ao "sul". Aqui fica uma proposta, verdadeiramente hilariante ou, como alguém dizia, um " verdadeiro tratado de representação":

      O sempre actual estado da educação


      Projecto pensado e realizado por mim, em 2006, para uma revista-exposição intitulada "A Medida" (que não chegou a ver a luz do dia).

      sábado, 7 de novembro de 2009

      As Palavras: blogodiálogo com Eugénio de Andrade

      (des)compassadas (in)quietas (in)diferentes (mal/bem)educadas (des)poluídas (a)punhaladas (im)próprias (in)sinceras
      (des)enganadoras (des)esperadas (af)amadas (im)pacientes
      (im)previsíveis des)conhecidas (in)úteis (de/in)cisivas (in)saciáveis (des)centradas (des)encontradas (in)compreendidas ir)relevantes
      (im)pensadas (ir)reparáveis des)focadas (re)torcidas (in)distintas
      (in)justas (des)encantadas (im)pensáveis (enre/con)geladas
      artifici(ais/osas) (in)delicadas (des)enganadas (in/re)definidas
      (in)evitáveis (in)decifráveis (des)amparadas (ir)responsáveis
      (f)úteis (in)audíveis (con/di)fusas (in)certas (in/des)contáveis
      (des)entendidas (in)submissas (des)iludidas (in)decentes
      (in)descritíveis (melan/bu)cólicas i(r/c)ónicas (com)prometidas
      (im)parciais o(c/d)iosas (im)pensadas (in)decisas (des)confiadas
      (ir)racionais (re)lembradas (des)conhecidas (mono/dia)logantes (res/con)sentidas (in)certas (in)desejadas amarg(urad)as
      (des)ajustadas (ir)reverentes (des)elegantes soli(t/d)árias
      (des/cons)truídas (ir)reflectidas requ(e/i)ntadas (enre)dadas (des/cons)truídas (des)complicadas (des)preocupadas (des)prezadas (des)apropriadas
      (in)finitas

      Quem as escuta? Quem
      as recolhe, assim,
      cruéis, desfeitas,
      nas suas conchas puras?

      O "natural" ainda existe?

      Ao observar a insólita actividade deste "escultor de árvores", descubro que é técnica já bem antiga. Apesar da beleza de algumas das suas criações, é estranho ver a natureza "forçada" desta maneira. Se pensarmos que as árvores também são seres vivos, não consigo evitar a associação com a velha e terrível tradição chinesa de enfaixar os pés das mulheres para impedir o seu crescimento. Forçadas a crescer de acordo com os caprichos e inspirações do seu "escultor", não sofrerão as árvores, à sua maneira, tanto quanto as raparigas chinesas? Não serão ambas as situações igualmente desumanas?
      Começo a achar que a natureza, no seu "natural", está mesmo em risco de extinção.

      Proverbiais e aforísticas a duas vozes

      • Se não vem até ao blogue, vai o blogue até si... (Pluma Alada)
      • Quem semeia gatos, colhe assopradelas e arranhões! (Caneta)
      • Vale mais um gato a miar do que um mentiroso a prometer. (Pluma Alada)
      • A amizade é sempre que nós quisermos. (Caneta)

      sexta-feira, 6 de novembro de 2009

      Ainda a arte...

      Não há dúvida: certos contextos são mais favoráveis do que outros à apreciação e à fruição da arte. Mas, sobretudo aqui, para apreciar é preciso saber. É preciso aprender a apreciar a arte nas suas múltiplas formas, pois afinal ninguém nasce ensinado, em especial numa área em que "criação", "re-criação" e "criatividade" são palavras-chave. Nesta matéria, a falta de conhecimento pode levar-nos a juízos de valor precipitados ou, o que é ainda mais grave, à ignorância contentinha de si mesma.
      A experiência realizada em 2008, pelo Washington Post, numa estação de metro em Nova Iorque, prova isso mesmo: quando não temos informação suficiente, não conseguimos sequer identificar o que é arte, menos ainda percebê-la ou gostar dela, mesmo que ela esteja ali, à nossa frente, a entrar-nos pelos olhos e ouvidos.


      Ora vejamos:
      a) Quem toca assim, anonimamente, na estação do metro é Joshua Bell, um dos mais consagrados violinistas da actualidade;
      b) O violino com que ele toca é um Stradivarius genuíno, datado de 1713 e avaliado em mais de três milhões de dólares;
      c) Três dias antes Joshua Bell tinha esgotado a lotação do Boston Symphony Hall para um concerto onde cada bilhete custava mil dólares.
      Em Boston era um e único. Como tal, apreciado e devidamente pago.
      No metro de Nova Iorque era apenas mais um, igual a tantos outros. Como tal, não foi sequer reconhecido, muito menos apreciado.

      Com esta brincadeira (bem séria) o jornal pretendia dinamizar o debate sobre "valor, contexto e arte".
      Eu acho que ela também poderia lançar o debate sobre a educação pela arte e para a arte, ou melhor, sobre a sua quase inexistência na nossa sociedade.

      A Fortuna das obras de arte

      Várias vezes tenho pensado no que fará a "fortuna", seja ela boa ou má, de uma obra de arte. Como explicar de modo racional que criadores e obras geniais passem quase despercebidas, enquanto outros vêem reconhecido o seu trabalho sem muito esforço? (Epi)fenómenos como "O Código da Vinci" de Dan Brown, ou o mais recente e português "Caim" de José Saramago, não têm explicação racional. Simplesmente acontecem, ou melhor, irrompem nos media. Resultam de um conjunto simultâneo de circunstâncias específicas e de contextos favoráveis à criação destas pseudo-tempestades intelectuais, muito bem geridas e exploradas por máquinas publicitárias implacáveis na sua eficácia.
      Acabam por ser polémicas vazias de sentido já que não trazem grande valor acrescentado à literatura ou à própria humanidade: quando acalmar a discussão à volta de Caim, por exemplo, estaremos todos a ler mais livros e a discutir mais sobre religião? Ficaremos a conhecer melhor a obra de Saramago ou estaremos sequer mais motivados para o fazer? Não creio.
      Na verdade, são momentos que se vivem de modo intenso mas efémero, até mesmo irracional, e que depois se desvanecem para dar lugar a outras "novidades". São, sobretudo, fenómenos ao serviço de interesses empresariais e ressentimentos individuais.
      Mesmo assim, temos que reconhecer: não serão muitos os que, ao longo da sua vida, têm a "fortuna" de poder saborear o gozo de terem despoletado tais polémicas.

      quinta-feira, 5 de novembro de 2009

      Ao km 3

      Durante muito tempo, ao Km 3 da estrada, e para chegar às coisas da minha vida onde nunca estiveste, era preciso virar à esquerda.
      Depois veio um tempo em que, ao Km 3 da estrada, e para chegar à parte da minha vida que eras tu, tinha sempre que seguir em frente.
      Agora, ao km 3 da estrada, e para ver se ainda consigo alcançar as partes de mim que andam perdidas e dispersas, recomecei a virar à esquerda.

      De vez em quando, ainda me distraio: o carro vira à esquerda e eu sigo em frente. Quando retomo a consciência, interrogo-me: estarei na estrada certa ou terei virado ao quilómetro errado?...


      quarta-feira, 4 de novembro de 2009

      Uma imagem, um chavão e três equívocos

      Encontrei no blogue Memórias da Lira Velha esta imagem:Imagem e legenda exemplificam na perfeição um velho chavão e alguns equívocos que povoam por aí muitas cabeças.

      Velho chavão: considerar que, ainda hoje, as mulheres pensam que mais vale um homem em casa, mesmo traste e mau carácter, do que morrer "solteira".

      Equívoco nº 1 - o de achar que as mulheres continuam a acreditar na existência do "homem perfeito", tipo entidade estática e abstracta, fora do tempo, do espaço e das suas próprias circunstâncias individuais (a inversa - mulheres perfeitas - também é verdadeira);

      Equívoco nº 2 - o de considerar que, fora de uma relação a dois, não existe vida, pelo menos significativa, para as mulheres, como se carreira, amigos, interesses pessoais, família, vida própria (a ordem dos factores é irrelevante), não passassem de meras diversões para ocupar o tempo enquanto se espera pelo tal "homem perfeito";

      Equívoco nº 3 - o de ficar presa para além do tempo que seria normal a uma relação claramente insatisfatória por se considerar que, não existindo o "homem perfeito" ou não estando ele ao nosso alcance, 'aquele' é o melhor que se pode arranjar ou, pior ainda, que não se merece melhor.

      Certo é que, seja qual for o equívoco ou o chavão, nenhum deles reflecte uma imagem muito positiva das mulheres numa sociedade em que elas "dão o litro" ao lado dos homens, todos os dias, e já mereciam mais consideração. Ainda mais certa, porém, é a dificuldade de mudar as mentalidades, até das próprias mulheres. Eu que o diga, que também me deixei equivocar durante algum tempo...

      Post-scriptum: Entretanto, encontrei também esta esclarecedora e hilária definição do Jô Soares sobre o que é um "homem perfeito". Em verso e tudo!


      Terapia alternativa

      As medicinas alternativas estão por todo o lado. As terapias, mais ou menos convencionais, também. O objectivo de todas elas é vencer ou, pelo menos, aprender a conviver mais pacificamente com o stress, a depressão, a insónia e afins, e evitar, tanto quanto possível, cair nos chamados "químicos" que nos roubam a alma e deixam como zombies. A musicoterapia, a dramaterapia e outras formas terapêuticas associadas a manifestações artísticas, começam pois a generalizar-se com resultados bastante animadores. Outros, contudo, preferem integrar oficinas de arte e dedicam-se à pintura, à escultura, à cerâmica ou à dança... Começam até a realizar-se sessões de karaoke terapéutico, durante as quais se espantam os males a cantar.

      Serve este intróito apenas para dizer que há já quem esteja até a preparar tese de doutoramento sobre escrita terapêutica. Pensando um pouco naquilo que é a blogosfera não é nada difícil fazer a associação entre ambas: que são muitos blogues - a começar por este -, senão formas mais ou menos terapêuticas de conseguir aguentar o peso dos dias e das noites sem enlouquecer de vez?
      Que são um número crescente de blogues, senão uma forma inteligente de arranjar tempo para si mesmo - o tempo da escrita -, para tentar entender o mundo estranho que nos rodeia?
      Que são muitos blogues, senão uma forma de diálogo e de reflexão - tantas vezes brilhante, embora desconhecida do grande público - sobre temas banidos das conversas diárias com os outros, por manifesta falta de tempo ou de disponibilidade mental para isso?
      Que são muitos blogues, senão uma forma de dizer que estamos aqui, que pensamos, que temos alma e coração, que queremos e sonhamos coisas, mesmo quando (ou sobretudo quando) o mundo parece não se dar conta de que existimos?
      Que são muitos blogues, senão formas mais ou menos elaboradas de iludir a solidão?
      Que são muitos blogues, senão o repositório da nossa esperança diária em manter a sanidade mental por mais algum tempo?
      Que são muitos blogues, senão uma espécie de viagem à roda de si mesmo, uma forma barata, até ecológica (não se gasta papel) de auto-conhecimento e de auto-aprofundamento?

      Parece-me mesmo que há já no vasto universo blogosférico abundante matéria para várias teses de doutoramento...


      A imaginação também é uma coisa assim: Fun Theory

      A Fun Theory é uma criação da agência de publicidade DDB e da Volkswagen e foi implantada numa escada do metro de Estocolmo. O objectivo era chamar a atenção dos suecos para a necessidade de fazer mais exercício físico trocando, por exemplo, as escadas rolantes pelos tradicionais degraus. O resultado é surpreendente e prova que, para tudo, só é preciso um pouco de imaginação.


      terça-feira, 3 de novembro de 2009

      Outras formas de ser português

      Não há muito tempo, no meio das mensagens de inutilidade variável que todos os dias me caem no mail estava aquilo que pode classificar-se como a definição de uma certa forma de ser português. Pelo tom e estilo da linguagem usada diria até que estamos perante uma forma exaltada, ostentatória e literal de ser Tuga.
      A julgar pelo número de vezes que já deve ter sido reencaminhada pelos mails do país inteiro, diria que alguém quer mesmo fazer passar a mensagem.
      Tratando-se ainda por cima de texto anónimo, (nestas coisas os Tugas não brincam!), temos aqui arroladas atitudes, acções, crenças, valores, hábitos e pré-conceitos que colocam a portugalidade em maus lençóis e que nos fazem pensar que os limites da mediocridade estão cada vez mais esbatidos e os espíritos mais estreitos. Dizia então assim:

      SER PORTUGUÊS É:

      Levar arroz de frango para a praia.
      Guardar as cuecas velhas para polir o carro.
      Lavar o carro na rua, ao domingo.
      Ter pelo menos duas camisas traficadas da Lacoste e uma da Tommy (de cor amarelo-canário e azul-cueca).
      Passar o domingo no shopping.
      Tirar a cera dos ouvidos com a chave do carro ou com a tampa da esferográfica.
      Ter bigode.
      Viajar pró cu de Judas e encontrar outro Tuga no restaurante.
      Receber visitas e ir logo mostrar a casa toda.
      Enfeitar as estantes da sala com os presentes do casamento.
      Exigir que lhe chamem 'Doutor' ou que o tratem por Sr. Engenheiro.
      Axaxinar o Portuguex ao eskrever.
      Gastar 50 mil euros no Mercedes C220 cdi, mas não comprar o kit mãos-livres, porque 'é caro'.
      Já ter 'ido à bruxa'.
      Filhos baptizados e de catecismo na mão, mas nunca pôr os pés na igreja.
      Não ser racista, mas abrir uma excepção com os ciganos.
      Ir de carro para todo o lado, aconteça o que acontecer, e pelo menos, a 500 metros de casa.
      Conduzir sempre pela faixa da esquerda da auto-estrada (a da direita é para os camiões).
      Cometer 3 infracções ao código da estrada, por quilómetro percorrido!!!
      Ter três telemóveis.
      Gastar uma fortuna no telemóvel mas pensar duas vezes antes de ir ao dentista.
      Ir à bola, comprar o bilhete 'prá-geral' e saltar 'prá-central'.
      Viver em casa dos pais até aos 30 anos ou mais.
      Ser mal atendido num serviço, ficar lixado da vida, mas não reclamar por escrito 'porque não se quer aborrecer'.
      Falar mal do Governo eleito e esquecer-se que votou nele.


      Só para contrariar e completar ainda mais este retrato contentinho (sou mesmo uma desmancha-prazeres!) aqui ficam mais umas quantas. (Ah, quando tiver "pachorra" envio aí para os mails do pessoal todo):

      Levar o saco do lixo no carro para poder depositá-lo na beira da estrada, o mais longe possível do contentor mais próximo.
      Abandonar cão, gato ou avózinha antes de ir de férias pró Algarve para poupar dinheiro.
      Ao telemóvel, durante a chamada, colocar alguém em espera por diversas vezes, para atender outras chamadas.
      Usar a mulher e/ou os filhos como saco de pancada, apenas porque pode.

      Achar que a Sida é coisa de maricas.
      Ter necessidade imperiosa de se assoar para o chão, especialmente quando se cruza com alguém na rua.

      segunda-feira, 2 de novembro de 2009

      Mulher, portuguesa e parva, também

      Num tempo em que as questões de género voltam a ser discutidas e são mesmo objecto de formação académica, relembro um texto publicado em 2007, pela socióloga Maria Filomena Mónica, intitulado "As mulheres portuguesas são parvas". Nele se discorre de modo acutilante sobre a situação das mulheres na sociedade actual: De certa forma, o destino das raparigas na casa dos trinta ou quarenta anos corre o risco de ser pior do que o meu. Quando casei, o que de mim se esperava, além da procriação continuada, era que passasse o dia a arrumar a casa, a cozinhar pratos requintados e a vigiar a despensa. Hoje, a estas tarefas vieram juntar-se outras. As mulheres modernas são também supostas ser boas na cama, profissionais competentes e estrelas nos salões. Mas isto é uma utopia. Nem a mais super das supermulheres pode levar as crianças à escola, atender os clientes no escritório, ir à hora do almoço ao cabeleireiro, voltar ao escritório onde a espera sempre um problema urgente, fazer compras num destes modernos supermercados decorados a néon, ler umas páginas de Kant antes de mudar as fraldas do pimpolho, dar um retoque na maquilhagem, telefonar a três "babysitters" antes de arranjar uma, ir ao restaurante jantar com os amigos do marido, discutir a última crise governamental e satisfazer as fantasias sexuais democraticamente difundidas pelos canais de televisão. [claro que a combinação de tarefas varia fortemente em função do estrato social de cada uma, acrescento eu]

      Sejamos claras e deixemo-nos de preconceitos feministas, que muito têm sido usados para que tudo continue na mesma, até por nós, mulheres, o que é ainda mais de lamentar: Ah, pois, já estou a perceber, afinal, também és feminista!...(rsrs), és das tais, que não gostam de homens (rsrs)!!!

      Somos hoje mulheres mais formadas, mais cultas, com carreiras profissionais muito intensas mas, afinal, lá no fundo no fundo, continuamos a "servir" os nossos homens tal como as nossas avós e mães sempre fizeram no passado. Desgastamo-nos e envelhecemos precocemente a correr de um lado para o outro, para chegar de modo atempado, eficiente e "com ar fresco" a tudo e a todos. O que nos mantém de pé, ao fim de certos dias, é apenas a satisfação do dever cumprido, de termos mesmo conseguido fazer tudo, nada mais! Muitas vezes, nem sequer temos o prazer de ver reconhecido o nosso esforço quase sobre-humano. Mas sejamos francas: ninguém consegue manter este ritmo por longos períodos de tempo sem comprometer seriamente a sua saúde física e mental! E, quando precisamos de ajuda ou de apoio, descobrimos que eles não têm paciência nem tempo para nós. Limitam-se a olhar-nos com um sorrisinho sarcástico e a dizer que "estão cansados" ou, o que é ainda mais conveniente (para eles é claro!), "que não sabem lidar connosco", que somos "muito complicadas" e "exageradas". Claro que, como em tudo na vida, há excepções. Mas, infelizmente, na maior parte dos casos, elas continuam é a confirmar a regra...

      A culpa disto, claro está, é exclusivamente das mulheres: não só continuamos a aceitar tácita e pacificamente este estado de coisas como, ainda por cima, continuamos a alimentar o sistema por dentro, ao educarmos os nossos filhos e filhas nestes valores e princípios velhos de séculos. Assim, será muito difícil que as coisas possam vir algum dia a mudar, de facto, na relação homem/mulher.

      domingo, 1 de novembro de 2009

      Dizer-se nas palavras alheias

      Estas palavras não são minhas, mas dizem-me tão bem, dizem com tanta força o que vai dentro de mim, que são minhas, também. Aliás, sempre me arrepiou e fascinou esta sensação de, subitamente, me encontrar comigo dentro de um poema - como se estivesse frente ao espelho, ou como se eu própria o pudesse ter escrito - e perceber até que ponto ele diz mais, e diz melhor, sobre mim mesma do que eu jamais seria capaz, nem que escrevesse mil páginas...


      E por vezes as noites duram meses
      E por vezes os meses oceanos
      E por vezes os braços que apertamos
      nunca mais são os mesmos E por vezes

      encontramos de nós em poucos meses
      o que a noite nos fez em muitos anos
      E por vezes fingimos que lembramos
      E por vezes lembramos que por vezes

      ao tomarmos o gosto aos oceanos
      só o sarro das noites não dos meses
      lá no fundo dos copos encontramos

      E por vezes sorrimos ou choramos
      E por vezes por vezes ah por vezes
      num segundo se envolam tantos anos.

      David Mourão Ferreira, Matura Idade, Ed. Arcádia

      Dia dos Fiéis Defuntos

      No México, e em outros países da América Central, o dia dos Fiéis Defuntos é de alegria e de festa - classificado até pela Unesco como Património da Humanidade -, dedicado a celebrar exuberantemente a vida, enquanto a há, e a afugentar o medo da morte.

      Por cá não é bem assim. Por razões de conveniência prática, começa por ser assinalado (e não festejado) antecipadamente, a 1 de Novembro. É por isso que, um pouco à semelhança do deserto depois da chuva, hoje, os cemitérios povoam-se de gente e enchem-se de flores efémeras. Embora estes tapetes coloridos e vistosos se estendam a perder de vista, o ambiente é pesado, passam rostos fechados que falam baixinho, aqui e ali ouvem-se breves soluços. Não são os finados, esses, ao que tudo indica, descansam indiferentes. São os que se finam um pouco mais a cada dia que passa que assim andam, nesta azáfama matutina.

      Desde manhã bem cedo que um certo verso não me sai do pensamento: “...que a morte seja uma aventura que um dia há-de chegar”. Integra um poema intitulado “Um mundo melhor” e foi escrito pela Daniela, de doze anos.
      Que assim possa ser, um dia...