Escrever num blogue é uma estranha e poderosa sensação: de repente, parece ser possível manipular o mundo a partir do cantinho anónimo da nossa casa. Está-se no mundo sem, contudo, estar de facto lá. E este, por sua vez, entra, de forma perfeitamente controlada, e controlável, na nossa vida, ou melhor, no nosso pc. O risco é mínimo, desde que as regras sejam cumpridas. Diz Bruckner (2000) que o virtual é “uma disciplina de filtragem que ergue discretas muralhas e instaura um ambiente asséptico, no qual posso fruir do mundo sem lhe atribuir o direito de me magoar ou de me punir.”.
É tão compensador e libertador que a tentação de ficar lá por períodos de tempo cada vez mais longos, escapando assim aos constrangimentos que nos cercam, é bem concreta. Às vezes, o mundo virtual faz até mais sentido que o real: desde logo, porque se submete aos nossos desígnios e concretiza os nossos desejos mais secretos. Por isso é tão cativante. O problema é que, se não tivermos cuidado, também nos pode fazer perder uma certa visão panorâmica da realidade, ao ponto de esta aparentar não ser mais do que um conjunto de pessoas intrometidas, mal intencionadas e, de um modo geral, apenas suportáveis por períodos de tempo cada vez mais curtos.
No fundo, os mundos virtuais são como todo os paraísos artificiais, bons ou maus consoante o uso que deles fazemos. Por isso não fará mal lembrar um princípio do pensamento estóico, que pode bem aplicar-se aqui. Dizia Marco Aurélio que, para tornar a vida suportável, o homem deve reflectir sobre si próprio: “Os que não observam os movimentos da própria alma, esses são fatalmente uns desgraçados.” (Pensamentos, II,8).
Espero bem que a escrita me ajude à concentração da alma sobre si mesma, e transforme este blogue em caminho virtual para uma forma real de ataraxia. Que este blogue seja como diz o Poeta:
Alexandre: faz como eu.
Fecha-te nestas quatro paredes,
mas sonha que andas lá por fora
(na terra sem céu)
a matar as sedes
da gente que chora.
O moleiro mói melhor a farinha para o pão
no isolamento do moinho,
mas com a condição
de ouvir bater no coração
o do vizinho.
Acredita, Alexandre, que a solidão
é boa para não estar sozinho.
José Gomes Ferreira, Poesia VI
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