Quem me conhece bem sabe que cultivo de forma assumida e sem complexos o prazer da mesa. A capacidade que cores, cheiros, sabores, texturas, contrastes e harmonias têm de gerar prazer e bem-estar é, para mim, quase mágica. Não estou a falar da comida enquanto simples acto de manutenção biológica do corpo, mas da que é capaz de alimentar o espírito através do corpo, o que é totalmente distinto. É que, nas sociedades ditas desenvolvidas em que vivemos, e que são também as da abundância, comer é, cada vez mais, um acto socialmente construído para saciar necessidades mais psicológicas do que físicas. Para muitos (os que podem, claro!) comer e beber com/em requinte tornou-se numa forma avançada de fruição dos prazeres que a vida (ainda) proporciona e num ingrediente de felicidade.
A aventura começa desde logo na escolha dos ingredientes: as infinitas possibilidades combinatórias que oferecem desafiam a criatividade e a invenção, podendo chegar mesmo aos limites tentadores da transgressão. Contudo, não se fica por aí, a combinação de ervas aromáticas e especiarias na justa medida, os aromas que se complexificam e aprofundam à medida que a preparação avança no lume, o tempo certo para apuro do tempero - às vezes exasperadamente longo, mas compensador, à mesa, com o vinho adequado e na companhia certa. A boa comida é uma sinestesia capaz de despertar e apurar os sentidos todos (incluindo o tal sexto) e que reconforta por dentro.
Para mim, a grande alquimia da cozinha dá-se quando tudo isto é feito com e para o coração, ou seja, para as pessoas especiais na nossa vida. É curioso como as preparações mais simples, ou apenas improvisadas com os recursos disponíveis na despensa, desde que feitas com o tempero da emoção e do sentimento, dão certo. Mas mais extraordinário ainda é a forma como se consegue fazer isto estando a sofrer, a enfrentar problemas ou às voltas com as angústias do dia-a-dia. Consegue-se, porque é para as pessoas de que gostamos e que nos fazem sentir bem: a comida sabe ainda melhor quando ajuda a tirar amargos de boca. É sobre estes pequenos milagres alquímicos do quotidiano doméstico, não tão insignificantes, nem tão inconsequentes assim, que falam as cenas inesquecíveis do filme “Como água para chocolate”:
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