Salvador Dali:Personagem à janela 1925, óleo sobre tela
Estive sempre sentado nesta pedra escutando, por assim dizer, o silêncio. Ou no lago cair um fiozinho de água. O lago é o tanque daquela idade em que não tinha o coração magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo, dói tanto! Todo o amor. Até o nosso, tão feito de privação.) Estou onde sempre estive: à beira de ser água. Envelhecendo no rumor da bica por onde corre apenas o silêncio.
Eugénio de Andrade, In Os Sulcos da Sede, 5ª ed. Quasi e Fund. Eugénio de Andrade, 2007
ou melhor, uma espécie de exorcismo a ver se o raio da chuva começa finalmente a cair sobre as nossas cabeças. Isto tudo, claro, para ir mantendo intacta a nossa fé na chuva que há de vir (como Cristas) e um certo espírito de poupança, como convém.
Carelman, In Catalogue d'objets introuvables, Le livre de Poche, 1989, p. 175
Carelman, In Catalogue d'objets introuvables, Le livre de Poche, 1989, p. 171
Carelman, In Catalogue d'objets introuvables, Le livre de Poche, 1989, p. 174
E este que, apenas por mero acaso, não foi inventado por Carelman mas mantém claramente o mesmo espírito.
domingo, 26 de fevereiro de 2012
Artur Cruzeiro-Seixas; Sem título; 2001
Que memórias vestirei hoje? A camisa transparente sem cheiro nem sapatos, o casaco de pedra sem veios nem veias, fechando a imensidão que as garças sobrevoam? Ou o frágil e semi-esquecido capote de cera derretendo ao frio de um dia com fronteiras? Quem inventa os meus sonhos? Quem lhes retoca a lógica que não pára de mudar? Porque são só meus? Os cegos sonham sons com os dedos? Serão verdadeiras as memórias? Mais que os sonhos penetrando nas fendas da realidade?
Há dias que começam nos pés, na biqueira das botas, mais propriamente, depois sobem até à cintura e aí se quedam esuqecidos das mãos. Outros começam lá bem alto e desfazem-se em poeira polvilhando o chão com a sua morte, outros vestem-se de relva e passam o dia sentados, sem nada por dentro nem fora, outros trespassam-nos, nem reparam que existimos, de luz total nem o vento nos sente e esquecemos todas as mentiras. Há fatos de lodo para sair à noite, redes podres agitando-se à passagem de fantasmas, há dias sorridentes a que só apetece arrancar os dentes, dias vestidos de noite, contaminados com caspa de estrelas, dias de pedra com nomes de pessoas inexistentes gravados no âmago, dias com chapéu entre pinheiros, demasiado ocupados para existir. Dias sem dor, cor, sabor ou penteado, dias cabados com um fato por estrear, dias intermitentes, sem botões, impossíveis de despir e noites que inventam histórias, memórias ainda por cumprir.
Zé Gandaia, 2009 (texto-performance realizada na Galeria Lobo-Mau em Arraiolos, em 10 de Junho de 2009)
hoje sobre os números do desemprego em Portugal. (Ler notícia aqui) Se agora ficou assim, quando descobrir então que estamos mesmo em recessão, vai-lhe cair o queixo com certeza.
Primeiro foi a ministra da Agricultura a manifestar a sua "fé" em que a chuva venha depressa. Provavelmente, a senhora reza todos os dias antes de adormecer pedindo ao pai do céu para que tal aconteça e a livre assim de mais um grande problema para resolver... Só que, de acordo com os boletins meteorológicos que vou ouvindo esporadicamente, está-me cá a parecer que ainda vamos assistir a missa e procissão lá para os lados de S. Bento...
Ora, parece-me a mim que, quando os dirigentes da coligação governamental consideram que os principais problemas do país já só se resolvem pela "fé" e nem se questionam duas vezes antes de proferir tão ridícula opinião, estamos mas é bem tramados. Ou talvez nos tenhamos equivocado quando fomos votar, pois parece que mandatámos os dirigentes errados para conduzir/governar o país. Devíamos era ter ido todos a Fátima, assim numa espécie de peregrinação nacional, rezar e acender umas velinhas... Talvez assim, o céu se compadecesse da nossas angústias e nos enviasse mais um milagre: chuva e empregos a cair do céu sobre as cabeças dos peregrinos extasiados...
Rezemos, pois, a ver se o milagre acontece. Afinal, é tudo uma questão de fé, dizem os nossos governantes. E eles, certamente, sabem do que falam.
Em 1516 Thomas More escreveu De Optimo Reipublicae Statu deque Nova Insula Utopia, algo como Sobre o melhor estado de uma república e sobre a nova ilha Utopia, mais conhecido como apenas Utopia. Todos os que vivem nesta ilha imaginada trabalham para o bem comum. O luxo supérfluo foi banido do quotidiano de Utopia, cujos habitantes prezam a justiça sob todas as formas. Um lugar assim, tão perfeito e justo, nunca existiu, nem poderá vir a existir. Por isso, o neologismo "utopia" criado por More acabou por designar "lugar considerado irreal", tornando-se sinónimo de "fantasia" e de "projecto irrealizável".
Várias, e muito distintas entre si, foram as "utopias" criadas ao longo do tempo. Propunham sociedades justas em que os homens - todos - seriam melhores pessoas. Durante muito tempo, houve gente que acreditou ser possível chegar mais perto desse mundo melhor, porque mais justo, onde todos seriam mais "iguais" embora diferentes.
Contudo, a globalização pôs fim às ilusões e hoje já ninguém acredita num mundo melhor, nem sequer mais justo. Os dias que vivemos, aliás, demonstram que estamos a caminhar, precisamente, na direcção oposta.
A "utopia" é hoje uma palavra que desvanece num muro em escombros, rodeada por silvas que a vão asfixiando lentamente. De uma certa forma, assim estamos nós também.
Zeca Afonso conciliou a música tradicional com a força do protesto. Essa harmonia sem peias - nem sequer políticas - foi o seu legado pessoal (agora nosso também). Mais do que uma utopia, construiu uma verdadeira eutopia na aridez musical portuguesa. Devemos-lhe essa coragem de querer outra coisa e o não ter medo de dizer isso mesmo a cantar.
Compreendo perfeitamente quando os artistas se indignam porque, no decorrer dos seus espectáculos, há telemóveis que tocam, há gente que recebe e envia sms, há até gente que atende o telemóvel de forma pouco discreta e se está nas tintas para os outros. Há no Youtube inúmeros registos dessa situação absurda que mais não é do que uma total falta de respeito pelos artistas que estão a actuar e pelos espectadores que pagaram bilhete e têm direito a fruir o espectáculo sem tais interrupções e ruídos parasitas. Lukas Kmit ou Fiona Pears são disso exemplo. Nem a própria Orquestra Filarmónica de Nova Iorque escapou! Alguns conseguiram mesmo ter a presença de espírito necessária para tentar fazer humor com a situação. Pois, que remédio!
Por cá, ganhámos agora a variante que faltava neste tipo de situações: ser o próprio artista a interromper a sua actuação para atender o telemóvel!? Sim, é verdade. Aconteceu na passada sexta-feira, no Centro Cultural de Paredes de Coura, com um veterano da música portuguesa. Paulo de Carvalho interrompeu a música que estava a cantar para atender o telemóvel em pleno palco! Tentou justificar depois o estranho gesto dizendo que a chamada era de... Eusébio. Aliás, ainda mais extraordinário: quem decidiu levar-lhe o telemóvel ao palco achou que isso não só era possível, como até fazia todo o sentido!
Claro que os espectadores manifestaram o seu desagrado, mas ao que sei ninguém exigiu a devolução do dinheiro pago pelos bilhetes. Tudo não passou de uma indignaçãozinha momentânea. Afinal, quantos deles não teriam já atendido o telemóvel ou enviado sms aos amigos durante o espectáculo?
Certo é que se abriu um precedente grave e, a partir de agora, quando adquirirmos um bilhete para um espectáculo ou uma peça de teatro, já sabemos que, a qualquer momento, pode haver no palco alguém que tenha de atender o telemóvel a um qualquer eusébio desta vida. Quanto ao público, chamado à atenção, pode agora alegar, e com razão, que se os artistas podem, porque é que eles não hão-de poder também?
Filme-documentário de luz e de sombras realizado por Werner Herzog na gruta de Chauvet-Pont-d'Arc em França. A luz dos projetores desvenda-nos o registo pictórico de um passado longínquo e misterioso, feito de imagens fulgurantes, de uma beleza poderosa e ao mesmo tempo inquietante. Tão vívidas que quase parecem reais. O 3d amplia a sensação estranha de que tudo aquilo, afinal, não foi assim há tempo. Os artistas que usaram as paredes calcárias da gruta como uma tela são, num certo sentido, nossos contemporâneos. Filme de imagens enfeitiçadas e poderosas.
No meu dia-a-dia ouço frequentemente falar de "escola inclusiva". Nome pomposo para designar a escola pública que a todos acolhe (no que faz muito bem, diga-se). O problema é que, depois, não tem recursos humanos ou financeiros para poder dar a cada um segundo as suas necessidades. E o resultado não é difícil de adivinhar: em vez de incluir, acaba por cavar ainda mais o fosso das diferenças sócio-culturais.
Na justiça passa-se exatamente o mesmo. No papel, diz-se que é para todos e por todos. Na prática as coisas são como estas duas imagens claramente demonstram.
À esquerda, Duarte Lima, todo compostinho, a ser discretamente conduzido para a prisão de carro, resguardado o mais possível dos olhares indiscretos da populaça e dos jornalistas, como se estivesse a ser conduzido pelo motorista para mais um jantar de gala, nalgum restaurante da moda. Teve até direito a tempo de antena, em horário nobre, para defender a sua presumível inocência. À direita, Francisco Esperança, em iguais circunstâncias, descomposto, conduzido e subjugado por dois polícias musculados, exibido na rua para a populaça e para os jornalistas verem, numa espécie de freak show despudorado que os media têm explorado até à exaustão e que deixou o país à beira de um ataque de nervos.
Em comum têm as acusações de crimes sangrentos, cruéis e vis. Tão hediondo é o crime de um, como do outro, pois ambos mataram a sangue frio gente inocente, presumivelmente (como é de bom tom dizer-se). Só que um é milionário, enquanto o outro estava falido e desgraçado em toda a linha.
Talvez por isso, ninguém na polícia tenha pensado sequer duas duas vezes antes de sair para a rua com o homem naquele estado e condições. Talvez por isso, os media não se tenham coibido de mostrar uma profusão de imagens reveladoras da vida pessoal, tanto das vítimas, como do próprio assassino. Era gente pobre, por isso, podemos devassar à vontade. Já no outro caso não será bem assim, porque o dinheiro compra os meios necessários (segurança, discrição) para proteger a intimidade.
Ou seja, temos uma justiça para pobres e uma justiça para ricos. O mais grave é que este tipo de situações se tornou tão banal que poucos se apercebem da realidade.
... que dei hoje comigo a ter saudades do tempo em que os conselhos de turma eram longos, chatos, mas animados. Cada um defendia o seu território com unhas e dentes, emperrava tudo durante um bom bocado, testava a paciência a todos mas, no fim, dávamos umas gargalhadas e lá saíamos bem dispostos e animados:
Agora, os conselhos de turma - aliás, as reuniões todas - continuam a ser demasiado longas, chatas e burocráticas, mas o pior de tudo é que decorrem em ambiente quase funerário. Rostos fechados, gente desanimada, triste, a tentar aguentar um dia de cada vez e a pensar como resolver a vidinha complicada que está lá fora à espera. Gente semi-deprimida e sem esperança.
Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa. O onanista é abjeto, mas, em exata verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.
As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio ato em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois "amo-te" ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstrata de impressões que constitui a atividade da alma.
Bernardo Soares, do Livro do Desassossego, 25-7-1930,
In Fernando Pessoa: o editor, o escritor e os seus leitores,
Richard Zenith (coord.), Lx: Fund. Calouste Gulbenkian, 2012
1) o homem manda no país, ou não tivesse sido ele a elaborar uma boa parte do programa do Governo.
2) o homem meteu a colher, como representante do PSD, na altura da negociação do acordo com a troika.
3) o homem esteve sempre envolvido na re-eleição do atual presidente da república que é, como todos sabemos, um pilar fundamental da nossa atual democracia.
4) o homem sabe o que mais ninguém consegue sequer adivinhar: que a Troika é nossa amiga, pois claro.
5) o homem já sabe antes de toda a gente, até da própria troika, o que esta nos vai fazer daqui a não muito tempo...Tendo em conta tudo isto e muito mais que não sei, nem quero saber, eu diria que este homem vale todos os "pintelhos" (é mesmo assim que ele diz, é) que tem no corpo e, ou eu muito me engano, ou ainda chega a presidente da China, ou seja, do Mundo. E ainda há quem tenha o desplante de reclamar do escandaloso salário mensal que ele vai auferir na EDP!
O que eu também sei é que além de satisfazermos todas as exigências e caprichos da tal troika, e como se isso não bastasse já, ainda temos que levar com este e suas opiniões quase diariamente. Acresce a tudo isto o Miguel Relvas a garantir, do alto do seu tom pugilístico, que este governo vai fazer reformas estruturais nunca antes vista ou tentadas e que, por isso mesmo, ficarão na história (as reformas e o governo, claro).
Às vezes já dou comigo a pensar que, no meio destes iluminados todos a debitar ideias geniais ao metro cúbico, a troika até é, provavelmente, o menor dos nossos males.
O muito comentado episódio da conversa supostamente privada entre Vítor Gaspar e Wolfgang Schauble, captada pelos microfones dos jornalistas vem demonstrar várias coisas:
1ª) a farsa da política: tanta cimeira “ao mais alto nível”, dizem-nos, horas e horas de ponderadas e “duras negociações”, asseguram-nos, milhões gastos em viagens, segurança, logística, etc. para, afinal, as verdadeiras decisões serem tomadas assim, em conversas informais, supostamente em off, e à margem das ditas cimeiras. Até prova em contrário, se o intuito da ida do professor Gaspar à cimeira era dizer e ouvir dizer aquilo, então um simples telefonema ou uma conversa via Skype teria bastado, não?
2ª) a farsa alemã: tanta autoridade em matéria de economia e finanças, tanto raspanete aos países incumpridores (os do sul, claro!), tanta sentença para, afinal, se ficar a perceber que o todo-poderoso ministro Wolfgang Schauble não passa mas é de um paternalista convencido da sua bondade e, o que ainda é pior, de um queixinhas.
3ª) a farsa da informação: ena!, duas “conversas informais” apanhadas, por acaso, na mesma cimeira e, claro, logo divulgadas sem demora para o público, por causa da sua relevância apesar de... E claro, está-se mesmo a ver que, logo por acaso, foram “apanhadas”, justamente, as conversas de dois dos países que estão no fio da navalha dos mercados financeiros: Portugal e Espanha. E os mercados, aliás, não tardaram a reagir positivamente, apesar de … serem apenas conversas informais... E, como é óbvio, para demonstrar que esta forma de fazer informação – e política – é algo de credível logo foram acrescentados outros episódios igualmente edificantes, em que os ministros/políticos nacionais foram “apanhados” em conversas de bastidores.
Seja como for, vai tudo no mesmo sentido: São estes os homens que tomam as decisões que afetam a vida de milhões de pessoas? E é nas mãos destes homens que está o futuro do país e da própria Europa? Chiça!?
Gustav Klimt: O Bosque de Bétulas, 1903, Óleo s/ tela
O que eu vos posso dar, é pouco. Paciência... Das vidas que vivi, - sem a minha viver -, Tentando, ao mesmo tempo, amar e compreender, Somente me ficou esta amarga exp'riência:
É mais forte, afinal, o homem, sem amor, Depois de ter amado... A solidão estimula Um sobrenatural sorriso, que estrangula Os gemidos que vêm das entranhas da dor.
Carlos Queirós, In Desaparecido e Outros Poemas, Lx: Bertrand, 1950
Sibila lá fora um vento gelado, alucinado, que nos deixa a pele mordida.
Este vento cospe lugares de Fogo traz na boca cinza Queimada onde a ignorância Transforma a noite em esquecimento Queima as folhas das árvores Onde um dia escrevi este poema De pó sobrevivente
Carlos Moura, "Último Verão", In Palavras de Vento e de Pedra, Fundão: Encontro do Vento/Festival de Castelo Novo, 2006
Não será o inquietante Mistral que Joris Ivens tentou filmar em 1965, mas é igualmente exasperante.
Ao que parece, o ministro da Economia desconhece em absoluto que o primeiro-ministro deu ontem indicação clara a todos os portugueses para que "deixem de ser piegas" (ver aqui). Só assim se justifica a forma como reagiu às críticas de que foi alvo hoje na Comissão Parlamentar de Economia! (ler notícia aqui)
E pelo tom da conversa não querem lá ver que, terminada a reunião, ainda por cima, foi fazer queixinhas ao chefe?!
Face aos sacrifícios que nos estão a ser exigidos a todos os níveis, face a tudo o que já perdemos e vamos ainda perder para poder pagar a dívida colossal de um estado que é sempre o primeiro a dar o mau exemplo e a ser complacente com a desonestidade e a incompetência, acho que Passos Coelho perdeu hoje uma excelente oportunidade para ficar calado. Aliás, perdeu mais uma. (ler notícia aqui)
Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.
Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.
Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.
Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.
Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.
Diz NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra ela.
Diz NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.
Diz NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenanmo-nos em gado sob o comando de um pastor.
Diz NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque a justiça há-de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.
Diz NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a animal.
E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1', tirado daqui
Este hábito português de deixar o "saquinho do lixo" na berma da estrada tira-me do sério! Sobretudo quando, como aqui, há um contentor de lixo a 500 metros, exatamente na zona que fica escondida pelo tronco do grande pinheiro que se vê à esquerda.
Aliás, nas bermas das nossas estradas, mesmo nas mais recônditas, há lixo disperso por todo o lado. Não é preciso ser muito inteligente para perceber os danos que isto pode causar em zonas que, pelas suas características, abrigam e alimentam um grande número de espécies selvagens. Estamos perante uma atitude de falta de civismo e de total desrespeito pela natureza. Exatamente o tipo de atitude que leva muito "boa gente", sempre que vai para férias ou apenas porque sim, a abandonar os animais ditos "de estimação" nessas mesmas bermas de estrada para morrerem à fome ou esborrachados no asfalto. Se calhar a mesma "boa gente" que, um destes dias e por causa da "crise", além do saquinho do lixo, também começará a deixar os filhos na berma das estradas...
Grácil, a garça caminha pela berma escalvada. A espaços, a brisa levanta-lhe as alvas penas do tutu e espreita-lhe o corpo esguio. De repente estaca, inclina a cabeça para o lado e fica imóvel como se escutasse a voz da terra. Depois, com um impulso do pescoço, recomeça a caminhada matinal. Em pontas, a nívea bailarina emplumada executa a solo, sobre o manto gelado do chão, o impiedoso bailado da sobrevivência. E dança com tanta graça que, visto assim de relance, o bailado da garça até parece fácil.
E até se compreende porquê: por isto, isto ou ainda isto:
Tudo, claro está, depois de Vítor Gaspar ter ga-ran-ti-do no parlamento, com todas as letras, que não haveria excepções na função pública, (ver aqui). Pois, nota-se.
Ou seja, vivemos em democracia, mas lá no (des)governo há gente a pensar que alguns têm de fazer bem mais sacrifícios que outros: os que menos ganham e menos regalias têm. Não admira, pois, que nos queiram sem voz. Também é verdade que andamos todos um tanto ou quanto amarfanhados com tudo o que nos está a acontecer, mas ainda não estamos assim tão tótós quanto lhes daria jeito a eles. Ou será que estamos?
Há muitos anos que admiro Vasco Graça Moura. Mais por via da escrita que da política. É dos que mais tem lutado contra a aplicação cega e sem critério do novo Acordo Ortográfico. Também é dos poucos que sabe realmente do que fala, até porque o AO tem ignorantes dos dois lados da barricada. Não me surpreendeu, pois, esta notícia. É certo que ela não vai inverter o rumo das decisões políticas já tomadas, mas tem o grande mérito de agitar as águas paradas da opinião pública portuguesa no que à defesa da cultura e da língua diz respeito.
E é bom que a discussão se faça. Sobretudo porque é preciso repensar o pseudo-Acordo Ortográfico, pois ele faz-que-simplifica, mas afinal complica, sobretudo no campo da hifenização e da acentuação. Há por lá umas excepções "consagradas pelo uso" ou por uma tal de "pronúncia culta" que enfim... Até os meus alunos, coitados, a quem eu já estou a evengelizar desde o início desde ano lectivo (pois, que remédio!), agradeciam. É caso para dizer: VGM - 1; AO - 0.
... torna-se verdadeira, dizia Goebbels, o ministro da propaganda nazi. Ao logo do tempo a história tem-lhe dado razão e, porque os tempos andam agora particularmente difíceis, parece que há quem queira estender esta máxima propagandística ao domínio da economia, a ver se pega. Os jornais foram hoje inundados de notícias como esta, esta ou esta. Claro que o intuito é convencer estes e, de caminho, justificar aos que já estão no limite ou para lá dele - nós todos - mais um belo pacote de medidas de austeridade.
Agora, a história de como é que isto lá vai com o país a cair um pouco mais na recessão a cada dia que passa é que eu gostava de ouvir contar (ver aqui). Acho que tenho de ler isto e isto pelo menos mais umas 99 vezes, a ver se eu própria começo a acreditar...
Depois, lembrei-me destevídeo,que até já é bem conhecido e, de caminho, ainda me apareceu mais este. Esta "epidemia do macho tuga" que tomou conta do YouTube é um claro sinal da gravidade da situação e parece até indicar que, nas planícies alentejanas, a coisa já atingiu proporções catastróficas...
Assim, sorte tem o Nilton, que começou a explorar o filão do "macho tuga" há já algum tempo. É que o "material" promete ser inesgotável. Infelizmente.