domingo, 7 de novembro de 2010

A deriva política da língua portuguesa

Um antigo presidente do Instituto Camões, o professor Fernando Cristóvão, dizia que os falantes de português não pertencentes à comunidade linguística são mais um país da CPLP, pois há cada vez mais gente a querer aprender português, excluindo luso-descendentes e universitários. Os mais optimistas – ou talvez mais interessados no caso – afirmam que o acordo ortográfico tem um papel muito importante a desempenhar nesta expansão, pois segundo eles evita a concorrência entre as duas variantes (portuguesa e brasileira) da língua, embora aqui Portugal esteja a perder há já muito tempo, não só, mas também por falta de investimento.

Ora o ensino da língua portuguesa, ou de qualquer outra, é hoje indissociável da cultura. Neste contexto, a participação portuguesa em eventos culturais internacionais e de grande impacto mediático – festivais de cinema, exposições em grandes museus e em galerias prestigiadas torna-se muito relevante como forma de captar gente interessada na aprendizagem da língua. É com este intuito de divulgação da língua, mas sobretudo da própria cultura portuguesa, que o Instituto Camões abriu há cerca de um mês mais um centro no King's College em Londres. Apesar destes vultuosos e aparatosos investimentos financeiros não é, contudo, nas cosmopolitas capitais europeias que se joga a parada da verdadeira política de expansão da língua. Tudo isto tem muito mais que se lhe diga e, sobretudo, envolve grandes investimentos financeiros.

Veja-se o caso das Nações Unidas: com a entrada de um país lusófono no Conselho de Segurança torna-se necessário formar quadros altamente qualificados: tradutores, intérpretes, pessoal administrativo. Ainda que Portugal e os próprios países africanos de expressão portuguesa – que estão muito interessados em colaborar e ajudar a que isto aconteça – possam dar o seu forte contributo a vários níveis, alguém duvida de que seja o Brasil a retirar as grandes contrapartidas (mais uma vez, acrescentaria eu) desta oportunidade? É que, no que à situação da língua portuguesa no mundo diz respeito, a liderança do Brasil é óbvia há já muito tempo. Portugal, aos tropeções, limita-se a tentar acompanhá-lo.

Por outro lado começa a despontar em África uma outra situação curiosa. Refiro-me a Angola - actual presidente da CPLP - que tem revelado muito interesse nesta questão da língua. Graças à sua relevância económica e política no continente africano, muitos países vizinhos, como o Senegal, o Congo ou a África do Sul já introduziram o ensino do português nos seus currículos. E esta realidade emergente despoletará a necessidade de formação de professores em larga escala. A braços com uma tão grave crise económica, e com recursos humanos também eles limitados, Portugal não vai conseguir dar resposta às solicitações que lhe serão feitas por todos estes países. Restarão duas possibilidades: ou somos capazes de pensar mais além do que o horizonte anual do orçamento geral do estado para sairmos em defesa da variante portuguesa da língua, e aí contribuímos de modo significativo para a formação de professores locais; ou então deixamos que o Brasil o faça por nós.

Tendo em conta a esgotada solução de alternância político-governativa que vivemos há décadas e com a qual não há meio de conseguirmos romper – tudo indica até que estamos mais ou menos prontos para dar uma reviravolta que pintará de laranja os muros rosa da nossa lamentação - e a crise económica instalada de pedra e cal, não tenho muitas dúvidas: continuaremos à deriva nesta matéria e será mais uma vez o Brasil a ganhar esta parada, sobretudo agora que até já tem um acordo ortográfico mesmo à medida das suas pretensões. E ainda por cima mantendo a imagem de “país irmão” que dá uma mãozinha fazendo aquilo que Portugal não consegue, né?

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