Na sequência de uma postagem que aqui fiz sobre os novos formatos (i)materiais que o livro tem vindo a assumir em nome da proximidade com o leitor, reproduzo excertos de uma crónica recente de Jorge Marmelo sobre o mesmo tema e sobre a impressão que, aos leitores de livros de papel, faz esta nova realidade que, tudo parece indicá-lo, será o futuro:
" Indivíduos mais clarividentes do que eu andam há um ror de tempo a anunciar o fim do livro enquanto objecto feito de papel e tinta, bem como a sua substituição por um dispositivo electrónico no qual se podem armazenar vários milhares ou milhões de ficheiros destinados à leitura, seja de poesia, ensaio, ficção, literatura técnica ou simples lixo. (...) Até há pouco tempo, estive inclusivamente convencido de que os e-readers pertenciam ao domínio da ficção científica, como os tubos de teletransporte, as viagens a Marte, a deslocação entre diferentes dimensões do espaço-tempo ou o Orgasmatron inventado por Woody Allen para o filme O Herói do Ano 2000. Mas depois vi claramente vista uma moça gordita a ler um livro electrónico na estação do metro da Trindade e convenci-me de que o futuro tinha, enfim, chegado. (...)
Acresce que alguém mais viajado se encarregou de me sossegar, garantindo que em Nova Iorque anda toda a gente com um e-reader na rua. Se a memória não me falha, aconteceu algo parecido com os tamagochi, os amorosos animais electrónicos que era preciso alimentar e tratar carregando em botões.
Sendo tão bota-de-elástico como qualquer pessoa que envelhece, estou convencido, ainda assim, de que o livro electrónico é um produto comercialmente muito mais promissor e viável do que eram os tamagochi. A possibilidade de ter toda uma biblioteca dentro de uma bolacha electrónica é seguramente muito interessante para qualquer indivíduo que não aprecie a companhia quieta de centenas de livros jálidos, amarelecendo em silêncio e cobrindo-se melancolicamente de pó.
O sol, escreveu Pessoa, "doira sem literatura", e "o rio corre, bem ou mal, sem edição original", pelo que não há nenhum motivo válido para que as pessoa ainda se enterneçam com certas mariquices antiquadas. (...)
Segundo já profetizou um inteligente, "a literatura não é feita de papel" e, portanto, não há-de faltar muito para que seja possível fazer download de vários milhões de terabytes literáriosdirectamente para o cérebro, previamente dotado de uma tomada USB biocompatível. Com o interface adequado, será mesmo possível dispensar-se, um dia, a de aprender a ler." ("Livros na Cabeça", in Público, 16/11/2010)
Ora o futuro parece, pois, promissor, para além de imaterial. Quem sabe até se não será possível, pelo mesmo processo, dispensar as escolas e os professores, gente inútil e que pouco faz. Assim se poupariam uns milhões largos na despesa pública e teríamos uma sociedade certamente mais eficaz e obediente. É até caso para supor que, no futuro, as próprias pessoas é que serão dispensáveis. Qualquer gadget tipo tamagochi fará bem melhor que qualquer um de nós... Tal como Jorge Marmelo, e no que aos livros, aos cd's e aos vídeos diz respeito, faço questão de continuar a ser muito bota-de-elástico. E o futuro que se lixe, ou melhor, para mim já está lixado de qualquer maneira, por isso tanto me faz. No entanto, não deixo de reconhecer que estes aparatos tecnológicos irritantemente bem desenvolvidos não deixam de ter vantagens, a começar pelo espaço que todos ganharíamos em casa...
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