terça-feira, 23 de novembro de 2010

O que (quase) já não está nas notícias

ou, quando vires as barbas do vizinho a arder, põe as tuas de molho.

Em tempos ditos de "vacas gordas" o dinheiro é tanto que, mesmo dissipado de forma duvidosa, ou mesmo ruinosa, lá vai chegando para tudo. Até mesmo para manter de pé o património histórico que serve de chamariz para o tão necessário turismo que equilibra de forma periclitante o PIB. O pior é quando as "vacas" fazem dieta. Quando o dinheiro escasseia e é preciso rigor, objectividade e, sobretudo, competência na sua gestão é que as coisas se tornam muito complicadas. Nestas ocasiões, para tapar de um lado, tem que ficar destapado do outro e não há volta a dar. E lá entra o património histórico em acelerada decadência, ou mesmo ruína, por falta de conservação. É o que já está a acontecer com muitos dos nossos monumentos mais imponentes. Alguns ainda não caíram porque vão aparecendo de vez em quando uns mecenas que pagam as avultadas contas da sua recuperação.

Temos muitas vezes tendência para pensar que estas coisas acontecem sobretudo por cá e que lá fora não é bem assim. Mas não é verdade. A prova disso está justamente num dos nossos parceiros europeus do sul - a Itália - que, em termos de património histórico, até tem bem mais com que se preocupar do que nós.

Pompeia, soterrada pelas cinzas do Vesúvio há mais de dois mil anos, redescoberta por acaso nos finais do séc. XVIII e esforçadamente escavada pelos arqueólogos desde então, classificada pela Unesco desde 97 como Património da Humanidade, recebe uma média anual de 2,5 milhões de visitantes e, mesmo assim, nada foi suficiente para evitar a derrocada da Casa dos Gladiadores. O edifício já não era visitável devido ao seu estado de degradação, mas os belos frescos nas paredes exteriores continuavam a atrair as atenções. Ao que parece as infiltrações das fortes chuvas do início do mês terão provocado o seu colapso e há agora muitos outros edifícios na cidade que apresentam também já sérios danos estruturais por falta de manutenção, como é o caso do Coliseu ou do Palácio Dourado de Nero.

Casa dos Gladiadores: foto de 1889
 
Casa dos Gladiadores: 2010; Foto Reuters
Ao que parece a notícia desta derrocada causou alguma consternação um pouco por todo o mundo - o que não é de admirar - e provocou também algum mal-estar aos responsáveis políticos italianos, agora acusados de não cuidarem devidamente do vastíssimo património histórico do país. Claro que, antes, como a acusação era apenas "interna" não causava mossa, mas agora, com as recriminações da comunidade internacional, a coisa muda um pouco de figura... De certa forma, o mal-estar também poderá dever-se ao facto de ela não deixar de ser simbólica: as fundações civilizacionais da Europa que estavam a esboroar-se em sentido figurado, começaram agora a ruir, em sentido literal.

Ainda nos choca, é claro (pelo menos a mim choca), mas é assim uma coisa "soft". Há agora outras preocupações mais pungentes que não requerem apenas atenção imediata, exigem toda a nossa atenção: a gestão diária das nossas pequenas "crises" pessoais e/ou familiares. Tudo o resto parece desfocado por uma névoa generalizada de indiferença, pelos vistos também ela global. Até porque, é claro, com o mal dos outros...
Este é, sem dúvida, um sinal dos tempos de crise que atravessamos mas é também, parece-me um prenúncio de que começamos a olhar para estes vestígios do passado histórico e cultural europeu de um outro modo. Há outros valores (nem melhores, nem piores, apenas diferentes) que se levantam nesta nossa sociedade globalizada (até a crise económica é global, dizem eles) em que, mais do que preservar o passado, andamos mas é dia-a-dia a tentar arranjar maneira de garantir o presente, que o futuro logo se vê se lá chegarmos. E o passado, olha, se não se aguentar de pé até que a crise passe, paciência. Assim numa perspectiva optimista de que haverá um "depois da crise". Certo é que, se tal existir, também no que se refere à questão do património cultural, seja ele "da humanidade" ou não, na Europa, nada voltará a ser como antes .

E é bom não esquecer que vivemos num país onde, bem antes da tal "crise" - já as pontes colapsavam  por falta de conservação, apesar da sua óbvia utilidade e necessidade. Muito mais facilmente hão-de começar a cair monumentos, agora que a dita cuja veio para ficar.

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