Norman Rockwell, Auto-retrato triplo, 1960 |
"O pintor está diante do espelho, não de viés ou a três-quartos, conforme se queira designar a posição em que costuma colocar-se quando decide escolher-se a si mesmo para modelo. A tela é o espelho, é sobre o espelho que as tintas irão ser estendidas. O pintor desenha com rigor de cartógrafo o contorno da sua imagem. Como se ele fosse uma fronteira, um limite, converte-se em seu próprio prisioneiro. A mão que pinta mover-se-á continuamente entre os dois rostos, o real e o reflectido, mas não terá lugar na pintura. A mão que pinta não pode pintar-se a si própria no acto de pintar. É indiferente que o pintor comece a pintar-se no espelho pela boca ou pelo nariz, pela testa ou pelo queixo, mas deve ter o cuidado supremo de não principiar pelos olhos porque então deixaria de ver. O espelho, neste caso, mudaria de lugar. O pintor pintará com precisão o que vê sobre aquilo que vê, com tanta precisão que tenha de pergunta-se mil vezes, durante o trabalho, se o que está a ver é já pintura, ou será apenas, ainda, a sua imagem no espelho."
José Saramago, Cadernos de Lanzarote - Diário III, Ed. Caminho
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