terça-feira, 2 de novembro de 2010

Senso (in)comum

O senso comum – coisa que nem sempre coincide com o bom senso – diz-nos muitas vezes que o mais difícil não é fazer as perguntas, é encontrar as respostas certas. No entanto, um destes dias, munida de uma daquelas fúrias organizativas que me acontecem sempre que quero encontrar um livro e não consigo, descobri na estante um volume curioso. (Em geral, nestas ocasiões, acabo por encontrar não o que procurava, mas alguma coisa que me desperta a atenção, e que acaba sempre por compensar, pelas mais diversas razões, a tal fúria de não conseguir encontrar o que queria ou precisava encontrar, claro!)

Foi o que me aconteceu há dias ao descobrir um livro intitulado “O livro das respostas”, cuja autora - Carol Bolt - vem identificada como “artista plástica” a viver em Seattle. Mas, voltando ao dito “Livro das Respostas”, não guardo qualquer memória de quando, onde ou por que razão o comprei. Sei é que foi publicado por uma editora “vocacionada para a área do auto-conhecimento e do desenvolvimento pessoal”, a Estrela Polar. Por princípio, este é um tipo de “literatura” de que desconfio e muito, sobretudo por considerar que a maior parte dos livros ditos de auto-ajuda devem ajudar, de facto, é as finanças de quem os escreve e publica. Contudo, este diz que é de “auto-conhecimento”. Pensei para comigo que devia estar mesmo muito mal no dia em que o adquiri: por não me recordar de o ter feito e também por ter adquirido tal obra.

O livro tem várias centenas de páginas com uma só frase escrita em cada uma das folhas. E a sua “leitura” – ou talvez seja mais apropriado chamar-lhe “consulta” – obedece aos seguintes requisitos: uns segundos de concentração para formular a pergunta, a qual deve ser de resposta fechada, a que se segue o folhear rápido do livro de trás para a frente até se sentir que chegou o momento certo de parar, abrir o livro e ler a resposta que lá está. Repete-se o processo até acabarem as perguntas.

Decidi experimentar e obtive várias respostas, umas mais enigmáticas, outras mais claras. No fim tirei o chapéu à autora: é que as respostas são de tal modo “plásticas” que se adaptam a quase tudo e todos. Não tenho dúvidas de que pensar e escrever uma tal obra requer “engenho e arte”. Decidi, porém, dada a displicência com que me prestei ao jogo, que a margem de erro aqui seria vasta...

Contudo, não tenho dúvida que este jogo (e)leva a eterna dualidade pergunta-resposta para um outro nível. Queixamo-nos muitas vezes de falta de resposta nos mais variados contextos - profissional, familiar, pessoal... -, mas será que o problema não estará nas perguntas que colocamos? Será essa a razão que explica a ausência de respostas às vezes tão ansiadas? Será que, num determinado contexto, certas perguntas não funcionam? Ou não jogam com as respostas que esse mesmo contexto tem para oferecer? Haverá aí algures a resposta certa para determinadas perguntas, da mesma forma que se diz existir por aí a nossa alma gémea? O problema é que sabermos que ela existe não nos garante que a encontremos. O mais provável é que tal não aconteça nunca. E, a julgar pelo número de pessoas infelizes que vejo à minha volta, não acontece mesmo a ninguém. Certamente algo de semelhante ocorre no universo das perguntas e respostas: a maior parte das perguntas não encontra a boa resposta. É por isso que, mesmo com milhares de anos de evolução em cima, continuamos todos à procura de respostas. Mas talvez devêssemos começar a ver a coisa pelo lado das perguntas. Quanto mais não fosse para variar...

De qualquer modo o “Livro das Respostas” é espécie de guia delirante capaz de nos conduzir pelo labirinto da imaginação e da reflexão, ao sabor das indicações contraditórias que nos vai oferecendo, e das próprias questões que vamos formulando, também elas movediças, de acordo com as nossas expectativas, emoções ou desejos. Neste sentido, a sua grande virtude talvez (a única) seja a de nos recordar qual é exactamente a nossa verdadeira natureza a cada instante: contraditória e movediça.

Aqui fica um bom exemplo. “Será sempre imprevisível” é a resposta do livro. Agora é só formular a pergunta certa. Se tal coisa ("a pergunta certa" para esta resposta) existir, deve ser algo não muito diferente de encontrar agulha num palheiro. É por isso que, de uma forma que não deixa de ser irónica, este  pode ser visto também como o livro dos (nossos) dias:

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