terça-feira, 30 de novembro de 2010

Os pouco(s) Direitos Humanos

Com a aproximação do dia 10 de Dezembro, data do aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem -  assinada em 1948 - multiplicam-se um pouco por todo o lado as iniciativas que, não deixando de a celebrar, procuram também lembrar o muito que ainda falta fazer para garantir a sua verdadeira universalidade: hoje, por exemplo, assinala-se o dia das “Cidades para a Vida – Cidades contra a Pena de Morte”. São 22 as cidades portuguesas que se juntam a este movimento internacional contra a pena de morte que envolve em diversas actividades simbólicas 1184 cidades de 81 países.

Perante o cortejo de horrores em que se transformou o nosso mundo só podemos concluir que, em matéria de direitos humanos, falta fazer quase tudo. Não sei se devemos celebrar, se devemos chorar de vergonha perante aquilo que fazemos todos os dias ao nosso semelhante, ou melhor, a milhões dos nossos mais fracos e indefesos semelhantes.

Os Estatutos do Homem

(Acto Institucional Permanente)


Artigo I — Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida e, de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II — Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III — Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV — Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.Parágrafo único: O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.

Artigo V — Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI — Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII — Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII — Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX — Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X — Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.

Artigo XI — Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII — Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela. Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Artigo XIII — Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final — Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

Thiago de Mello, Santiago do Chile, Abril de 1964

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