O projecto de criação de uma Ecopista na linha de caminho de ferro desactivada é, sem dúvida, uma aposta ganha pelo município eborense. Ganha sobretudo porque as pessoas, de facto, aderiram à ideia e usufruem do espaço. O sucesso é tal que, em certos dias, se pode até falar de hora de ponta e de congestionamento do tráfego de pessoas, bicicletas, cães, etc.
Até aqui tudo bem. O problema começa quando o passeio higiénico desperta nesta boa gente o ancestral instinto de recolectores. É que a Ecopista está ainda bordejada de inúmeros hortejos – refiro-me aqui, especificamente ao percurso que atravessa a zona do Bacelo - e cujas frutas e legumas aviva, ao que parece, a voracidade dos atletas: alhos arrancados da própria terra, mogangos pousados na borda do tanque de rega, cebolas a secar sobre a erva, temperos, etc. O dono da horta ao lado dizia-me hoje que, esta primavera, poucas laranjas comeu porque alguém pulou a vedação e lhas levou quase todas. Numa manhã do verão passado fui dar com uma ameixeira com a copa estropiada de um dos maiores ramos, não cortado, mas arrancado para colher certamente não mais do que uma meia dúzia de frutos maduros. Os restantes, ainda verdes ficaram a secar, juntamente com o ramo na valeta que ladeia a Ecopista. Há uma semana atrás fui examinar a grande figueira para saber do ponto de maturação dos figos. Do lado de fora da vedação, dois velhotes (não sei se apenas frequentadores da Ecopista, se frequentadores da mesma e moradores no próprio bairro), que não me podiam ver por causa da sebe de roseiras que complementa a vedação, comentavam que «ainda não estavam bem maduros, mas com mais uns dias já se podiam começar a apanhar» como se a árvore fosse deles ou estivesse num espaço público com o seguinte letreiro pregado no tronco: quem primeiro chegar, primeiro se avia. Quando decidi que já tinha ouvido o suficiente e revelei a minha presença aos dois indivíduos, viraram costas e pernas para que te quero. Hoje, voltei lá para colher os primeiros figos do ano. E claro, já uma enorme pernada da figueira havia sido destroncada com violência e jazia quase seca na valeta. Estava carregada de frutos que não chegaram a amadurecer.
Que apanhem os frutos dos ramos que tombam sobre a Ecopista, não é lá muito correcto, mais ainda vá. Agora que estropiem as árvores para o fazer é que, para mim, é inaceitável. Uma coisa também é colher fruta num terreno ao abandono. Outra, bem distinta, é colhê-la em sítios que têm dono, que estão ocupados e, por isso estão vedados.
Lembrei-me de uma conversa que tive há poucos dias com a dona de uma loja de roupas e bijuterias perto da Praça do Giraldo, na qual a senhora me contou que desde há seis meses não consegue controlar os furtos de pequenas peças no interior da loja, a tal ponto que já foi forçada a mudar a arrumação das peças para tentar minorar o problema.
Tudo isto me levanta várias interrogações: será que a crise é já assim tão grande, ou estará ela a revelar a falta de civismo e de carácter de muito boa gente? Ou será ainda que anda por aí muito boa gente que, com a desculpa da crise, ou até sem precisar de desculpa alguma (o que é ainda mais provável), aproveita para esbulhar os outros de tudo o que pode?
A Ecopista de Évora é um sucesso evidente. Mas, face ao que estou a verificar no meu próprio terreno e ouvindo as queixas dos vizinhos, só espero é que esse sucesso não seja, para alguns, sobretudo uma forma de prospecção para a pilhagem das hortas e quintais que a ladeiam, a coberto da noite e, sobretudo, da falta de vergonha de quem faz estas coisas por saber que sai impune.
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