A palavra “povo”, entendida como uma espécie de caixa de Pandora, da qual saem as mais diversas visões, interpretações e manipulações é o desafio que a exposição multidisciplinar (pintura, escultura, vídeo, fotografia, documentação) “Povopeople” propõe aos visitantes (o título é assim um tanto kitsch, mas adiante).
A palavra povo, do latim “populu”, significou primeiro «povoamento», «população» e foi ganhando corpo, à medida que embebia no seu sentido original aspectos sociais, políticos, culturais e económicos, até desaguar no moderno conceito de “cidadania”. Povo é hoje uma palavra de sentido verdadeiramente plural, tanto, que às vezes se torna até ambígua. Assim uma espécie de “mot-valise” construído a partir dos seus múltiplos significados.
A exposição procura então explorar as várias dimensões da palavra plasmadas em frases ou expressões associadas à ideia de “povo” ou a acontecimentos marcantes da nossa história: assim o verso de Zeca Afonso “O Povo é quem mais ordena” é o mote para a sua dimensão política; tal como a citação bíblica “Ganharás o pão com o suor do teu rosto” serviu de lema à dimensão laboral do conceito de povo. Em paralelo, mostram-se igualmente as visões que os diferentes movimentos artísticos, que se sucederam ou foram convivendo ao longo do séc. XX, nos deram desse mesmo conceito: os modernistas, os neo-realistas, os surrealistas, o Estado Novo ou o pós 25 de Abril. O modo como a poesia se apropriou da palavra também está presente. Diversos artistas contemporâneos foram ainda convidados a participar com obras que reflectissem, de alguma forma, sobre esta ideia de povo: Joana Vasconcelos, Rui Sanches, Manuel Botelho, etc.
José Manuel Santos, um dos responsáveis por este projecto, sintetiza-o ao dizer “Começámos pelo princípio: o fundamento da República e da democracia é a ideia de povo. E fomos perguntar: O que significa esta palavra? Qual é a história dela? Que memória transporta quando falamos dela? E como foi ela representada artisticamente?” (in Ipsilon, 25/6/2010).
Ao que parece, pretende-se que cada um dos visitantes encontre a sua própria definição de povo nas respostas, propostas e até provocações que a exposição oferece. E depois de ter visto o Câmara Clara que lhe foi dedicado ainda antes da inauguração e de ter lido o artigo do Ipsilon, escrito já pós-abertura ao público, estou mesmo decidida a rumar um dia destes à “capital do reino” (que é sempre, mas sempre, onde todas estas coisas assim mais interessantes acontecem, já que tudo o resto continua a ser paisagem, sobretudo no que à cultura diz respeito). Quero ir ver com os meus próprios olhos o que é, afinal, isto de ser povo em exposição.
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