Sobre as fotografias que escolheu, para figurarem na exposição que está patente, por estes dias, em Lisboa, Alfredo Cunha diz que “Passados 40 anos, quando mudou tanta coisa, estamos outra vez desesperados e num impasse. Temos mais auto-estradas, mas se eu quiser fazer as mesmas fotografias que fiz no início da minha carreira profissional, consigo fazê-lo.” Por isso escolhe para título desta exposição antológica Estamos no mesmo sítio (1970-2010).
Integra fotografias como esta, impressionante como um quadro hiper-realista, em que a personagem, no esforço quase desumano da subida, parece estar prestes a atravessar a própria imagem para prosseguir a sua penosa caminhada. A boca entreaberta, o corpo molhado de suor deixam perceber que está exausto mas, ao mesmo tempo, os olhos arregalados pelo esforço revelam uma pertinaz força de vontade, capaz de o levar assim, carregado, até ao fim do mundo.
Alfredo Cunha, Vindimas no Douro, 1997
Esta imagem poderosa de um quase-Sísifo manifestamente pobre e desprezado pelos deuses que, sozinho, carrega (quase) o mundo sobre as costas, mantendo intacta a sua dignidade e o seu orgulho, mais do que uma metáfora, é uma autêntica metonímia de uma certa forma de ser português. Mais do que título, a expressão – Estamos no mesmo sítio – é uma verificação dolorosa e irónica do estado das coisas por cá. Basta-me olhar à volta nos sítios deste Alentejo onde vivo e trabalho para perceber que assim é. Apenas se substituiram as carroças por automóveis e as samarras e chapéu de aba larga por vestuário mais globalizante. E se o visível pouco ou nada mudou nestes últimos quarenta anos, menos ainda mudou o que não está visível a olho nu (mas captado, tantas vezes, com facilidade e perspicácia desconcertantes pela objectiva da máquina fotográfica), nem sequer com a euforia que se seguiu à revolução de 74: as mentalidades tantas vezes tacanhas e mesquinhas de todos nós.
“Estamos no mesmo sítio”, de facto, em muitos aspectos e, cada vez mais, em todos os sentidos.
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