sábado, 20 de novembro de 2010

A fraternidade também é feita de música assim

Victor Gama nasceu em Angola mas vive em Portugal desde meados da década de 80. Cria e cruza música e histórias através de instrumentos musicais muito particulares: o Acrux, o Galcrux, a Toha, o Dino e outros da série Pangeia Instrumentos.


Diz que “Este é um processo de criação musical no qual o instrumento é moldado pelos elementos que compõem a narrativa. Utilizo instrumentos que vão sendo refinados para criar música” como “Sol(t)o”, um espectáculo multimédia estreado em 2007 na Cidade do Cabo ou “Rio Cunene” criado para o Kronos Quartet e que estreou em Março no prestigiado Carnegie Hall de Nova Iorque.

“Rio Cunene” é um pouco a história recente de Angola, da sua cultura e das suas gentes, especialmente das crianças. E é justamente aqui que está diferença do projecto musical de Victor Gama. Nas províncias do sul de Angola, em aldeias remotas, as crianças viviam rodeadas por destroços da guerra - aviões, munições, cartuchos, tanques, etc. - que, com o tempo, começaram a transformar em brinquedos e em instrumentos musicais. O músico olhou para esses objectos e viu neles a reciclagem da violência feita pelas mãos daqueles que em nada tinham contribuído para ela: as crianças. Viu neles uma espécie de metáfora do que de bom ainda existe no ser humano e do seu potencial transformador.

In www.opais.net
Decidiu então juntar crianças com idades entre os oito e os doze anos, na aldeia de Xangongo, na província do Cunene, e fazer com elas um workshop de construção de instrumentos musicais: justamente os da série Pangeia. São alguns deles que tocam em “Rio Cunene” e em "Sol(t)o”. São pedaços de armas e veículos militares transformados para o bem, ou melhor, para a música que é uma das melhoras formas de expressão do bem. São instrumentos que levantam a voz e se fazem ouvir mais alto que os exércitos e os tiroteios. É com instrumentos destes que muitos dos melhores músicos angolanos de hoje começaram a sua carreira musical. Eles assumem-se sobretudo como mensageiros da paz e lembram a quem escuta os sons que produzem que a guerra existe e que devíamos, se fôssemos seres humanos decentes, acabar com ela.

Num mundo cada vez mais fechado e isolado no casulo do egoísmo projectos como este são, talvez, um sinal de esperança. São sobretudo um sinal de que a solidariedade ainda não é, para muitos, uma palavra vã. Mais do que apenas solidariedade este é, parece-me, um projecto de fraternidade, e de verdadeiro humanismo.


1 comentário:

platero disse...

LINDO

beijo