Esta geração que agora se autodenomina "à rasca", nascida já bem nos anos 80 quando o país começou a ficar encharcado em dinheiro fácil por via da nossa adesão à então CEE, nunca conheceu, como todas as anteriores, a pobreza extrema aliada ao trabalho duro, a privação de tudo e até mesmo a fome.
Bem pelo contrário. Esta é a verdadeira geração da "révanche" nacional sobre tantas décadas de limitações de toda a espécie. A geração a quem os pais deram quase tudo - dinheiro, cursos superiores, liberdade, vida folgada, quase sempre de excessos -, vivendo por vezes acima das suas possibilidades para poderem satisfazer, não as necessidades básicas, mas sim todos os caprichos dos filhos. Ironicamente, esta geração que, apesar das condições favoráveis em que cresceu e sempre viveu se diz "à rasca" é, por todas as razões, a verdadeira golden generation portuguesa.
É uma geração de pequenos tiranos familiares que, descomplexadamente, vivem à custa dos pais até bem tarde. Superprotegidos e mimados são de uma imaturidade impossível de descrever em palavras. Nunca ouviram dizer que não ao mínimo capricho e, pior ainda, nunca tiveram que esperar muito tempo para satisfazer os apetecimentos mais absurdos. Por isso, a única estratégia que conhecem para lidar com a frustração é a que aprenderam nas muitas e longas noites de copos: brigar ou escavacar qualquer coisa, a cadeira, o carro estacionado na rua ou a cara da namorada. Já deram na rua sinais óbvios dessa dificuldade, que são também os de uma revolta natural relativamente a um país que lhes deu a formação e lhes criou elevadas expectativas mas que, agora, de repente, lhes retira de uma só vez as saídas profissionais e a vida fácil (esta sobretudo por via das dificuldades financeiras dos pais).
Sobre as extremas dificuldades em que viveram tantas gerações dos seus antepassados, em especial no interior rural e atrasado, nada sabem nem querem saber lá muito. É por tudo isto que, quando a SIC decidiu desenterrar as memórias dessas vidas em crise fez um excelente trabalho, não apenas em termos jornalísticos, mas também em termos sociológicos e antropológicos. Até porque a vida dos muitos pobres sempre andou arredada dos livros de história por ser "pouco interessante" (nem os cravos de abril conseguiram mudaram muito esta atitude).
E para os tais jovens "à rasca" é também bastante pedagógica para que possam ter uma noção clara de como as dificuldades de que agora se queixam parecem bem relativas, quando comparadas com a vida duríssima desta gente que atravessou as décadas de 30 e 40 do século passado no norte alentejano. No fundo, a excelente reportagem de Hugo Alcântara é uma imersão naquela que foi a verdadeira realidade do país durante quase toda a sua história. As últimas três décadas é que foram, de certo modo, a excepção a essa regra. E é bom estarmos conscientes disso para não nos deixarmos iludir tão facilmente com falsas promessas, por mais sedutoras que sejam.