domingo, 3 de abril de 2011

A biblioteca de Alexandria e a torre de Babel num só clique

Desde que a internet nos tomou de assalto e modificou a nossa vida de forma irreversível que as questões dos direitos de autor, do consumo de bens culturais; do acesso aos dados mais díspares está na ordem do dia. A indústria da música e do cinema andam há anos às voltas para tentar arranjar uma forma de ganharem dinheiro com o livre e fácil acesso dos cibernautas à música, aos filmes e às séries de televisão, às vezes escassas horas depois de estrearem nas salas. Claro que a apetência por livros disponibilizados online, tanto no formato e-book como no formato digitalizado, não tem cessado de aumentar. O Kindle, brinquedo para cibernautas endinheirados e mais ansiosos por dar nas vistas do que, se calhar, ler livros em qualquer sítio e a todas as horas, aí está para o comprovar.

Têm sido várias as experiências de bibliotecas digitais disponibilizadas online. No que à língua portuguesa se refere, o Brasil foi também aqui pioneiro, disponibilizando online centenas de títulos de obras do domínio público nos portais Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br/) e Biblioteca Nacional Digital (http://bndigital.bn.br/).

Acompanhando a acção de diversos países que foram criando e disponibilizando bibliotecas nacionais digitais, como a da nossa lisboeta Biblioteca Nacional (http://purl.pt/index/geral/PT/index.html), também a União Europeia lançou em 2008, o portal Europeana (http://www.europeana.eu/portal/) com o objectivo de “tornar o património cultural e científico da Europa acessível ao público.” Sedeada na Koninklijke Bibliotheek (Holanda), este portal digital trabalha em parceria com mais de 180 organizações ligadas ao património e ao conhecimento e permite pesquisar milhões de itens, incluindo livros, imagens, filmes, mapas e muitos outros documentos, com base em quatro grandes critérios:

  • Quem: Nomes de actores, autores, arquitectos, artistas, coreógrafos, compositores, maestros, bailarinos, cineastas, músicos ou fotógrafos.
  • O quê: Palavras de títulos de livros, poemas, jornais, pinturas, fotografias, filmes ou programas de televisão.
  • Onde: Nomes de cidades ou países da Europa ou de todo o mundo.
  • Quando: Datas (por exemplo, 1945), como o ano em que nasceu, uma data célebre na história ou um período (por exemplo, romano ou medieval).
Assim, a pesquisa da palavra “Lusíadas”, por exemplo, permite-nos aceder a diversos documentos como este - https://bdigital.sib.uc.pt/bg5/UCBG-Cofre-2/UCBG-Cofre-2_item1/index.html - que corresponde à digitalização de um exemplar da primeira edição da obra maior de Camões, existente na biblioteca da Universidade de Coimbra.

Mas a Europeana é só mais um andar acrescentado ao já enorme edifício desta verdadeira biblioteca universal online que tem sido construída sobretudo ao longo da última década.

A Google, esse imenso e assutador big brother que pesquisa tudo, incluindo as preferências, escolhas e históricos de navegação na rede de todos, mas mesmo todos nós, começou a digitalizar e a disponibilizar livros online bem mais cedo, em 2004, na Google Books (http://books.google.pt/bkshp?tab=mp). Começou por digitalizar obras que pertenciam ao domínio público e que integravam o acervo de bibliotecas um pouco por todo o mundo. Alguns eram exemplares únicos, outros eram exemplares raros que não se encontram à venda. Ao todo, a Google já digitalizou (e disponibilizou) até hoje mais de 12 milhões de cópias digitais de livros, e ao que parece tem obtido lucros originados pelos anúncios que publica nas páginas do serviço. Mas rapidamente a empresa passou a disponibilizar também excertos de obras ainda sujeitas a direitos de autor, o que lhe valeu desde logo várias acções judiciais movidas tantos por autores, como por editoras. A proposta de acordo entretanto negociada pela Google com os autores foi agora rejeitada por um juíz americano sob a alegação de que ia longe demais. Todos consideram agora a hipótese de recorrer desta decisão e iniciar uma batalha judicial que se adivinha morosa, complexa e muito dispendiosa (nada que assuste o império Google). No entanto, as vozes críticas afirmam que essa recusa foi, na verdade, uma vitória, já que impede a Google de monopolizar o acesso a uma herança cultural da humanidade, decidindo de forma arbitrária quem receberia os lucros ou garantindo para si a exclusividade dos lucros obtidos com obras não reclamadas pelos autores ou em relação às quais não se sabe a quem pertencem esses mesmos direitos.

Agora há que reconhecer que o sonho da Google de construir uma biblioteca pública digital e universal com acesso livre por parte dos leitores de todo o mundo é bem apelativo. Não deixa é de ser de uma megalomania prodigiosa querer fazer ao mesmo tempo a biblioteca de Alexandria e a nova torre de Babel, acessíveis em qualquer parte do mundo com meia dúzia de cliques. No fundo, um objectivo grandioso bem à (des)medida da Google e da sociedade da informação em que estamos mergulhados.

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