terça-feira, 26 de abril de 2011

Obter permissão


"Toda a gente consegue ouvir o que as pessoas dizem - mas serás capaz de te acalmar o suficiente para escutares aquilo que elas querem mesmo dizer?"
John Ford Noonan, in Música no Vale (Music from down the hill), 1994

Ou seja, "Alguém disse, certa vez: "Para sobrevivermos, precisamos apenas de duas coisas: comida e atenção!". A comida é óbvio; a atenção necessita de ser um pouco explicada. Por atenção não nos referimos apenas às nossas necessidades de uma vida inteira, que vão desde a necessidade que um bébé a chorar tem que lhe peguem, até à necessidade que um cidadão idoso tem de água, quando não se consegue deslocar e precisa de tomar um comprimido que lhe sustente a vida. Posto de maneira ainda mais simples, quando choramos, com dor, aterrorizados, angustiados com a nossa saúde, precisamos de ter alguém ao lado - mesmo que seja uma alma solitária - para reconhecer que existimos, para nos aliviar, oferecer-nos simples atenção humana.

Mas e então a vida que aspira a mais do que a existência simples e a sobrevivência elementar? E então uma vida que quer ser especial? Haverá algo que possamos acrescentar à nossa equação original? Proponho uma palavra: PERMISSÂO. Assim, a nossa formulação tem agora a seguinte redacção: PARA VIVER UMA VIDA ESPECIAL, PRECISAMOS DE COMIDA, ATENÇÃO E PERMISSÃO.

O que queremos dizer com permissão? Não estaremos a falar desse sentido de boa vontade e de ávida vontade, pela qual damos caça, perseguimos e arrebatamos aquilo com que sonhamos e ambicionamos? Todos nós, novos ou velhos, somos levados a sentirmo-nos especiais através dos nossos sonhos e aspirações: o desejo de dinheiro, companhia, sucesso, amor, um lugar à beira da água, um livro que nos tire da cama. É isso que nos torna humanos e únicos. Mas considerando esta simples noção, por que é que tão poucos de nós passam as suas vidas atrás dos seus sonhos e tantos de nós nem sequer dão um primeiro passo? Para mim, tudo se resume a uma palavra: permissão. A óbvia pergunta que se segue: onde é que damos com ela? Num sonho? Numa gaveta? Num anúncio, na capa de um jornal? É algo com que se nasce?

No meu caso, a luz surgiu quando tinha vinte e quatro anos. Sempre tinha sonhado ser escritor, mas nunca tinha tido permissão para o ser a sério. Era professor de Latim. Estava a corrigir um teste de vocabulário. Em fundo, tocava música dos Rolling Stones. O Mick Jagger uivava em "Satisfaction". A voz dele fez-me sorrir. O poder da música dele fez acender a minha luz. Obtive permissão. De repente, ouvi na minha cabeça duas personagens a falarem. Agarrei num pedaço de papel em branco e anotei várias páginas de diálogo. Naquele momento, aconteceu que o rock-n-roll me deu permissão para escrever. Todos nós ouvimos pessoas a conversar, mas só poucos anotamos o que dizem. (...) Não importa o estado de espírito em que me encontre, o rock-n-roll põe-me sempre a escrever. (...) Se estou desanimado, é a humilde humanidade de Springsteen que me permite pegar num lápis e começar a garatujar. Não importa onde possa estar, o rock oferece-me concentração, obtém-me permissão. (...)

O poder do rock é o poder de qualquer outra coisa. Pode ser um livro, uma oração, ou uma pessoa. (...)
Outro dia, ouvi alguém dizer: "Hoje em dia, as pessoas estão tão cheias de dúvida. A quase ninguém restam sonhos". Eu digo que não. Eu digo: liguem a música bem alto, alimentem o sonho. Agarrem a energia. Passemos todos a viver segundo um novo lema: "Não julguem as pessoas pelo que elas ouvem; julguem-nas por aquilo que elas levam a cabo."

John Ford Noonan (1994)

E hoje em particular que seja também uma velha canção do Springsteen (exactamente pelas mesmas razões de Noonan) a dar-me, a mim, a "permissão" de que preciso para atravessar este longo dia:

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