Vivemos, para o melhor e para o pior, rodeados de números por todo o lado. Os números são bons porque nos mostram uma outra visão da realidade, para lá das máscaras da propaganda e da demagogia com que, tantas vezes, nos ofuscam o entendimento. Os números são maus porque, como tudo na vida, estão sujeitos a interpretações, manipulações e outros -ões que, tantas vezes, nos confundem. E há, de facto, números para tudo, até mesmo para o que nunca imaginámos que pudesse vir a interessar a alguém. E estão todos na http://www.pordata.pt/, ou Pordata, que é uma base de dados sobre o Portugal Contemporâneo, organizada e financiada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos – a mesma que está a publicar agora a colecção “Ensaios da Fundação” sobre temas pertinentes da actualidade, escritos por especialistas -, sob a orientação da socióloga Maria João Valente Rosa. A sua origem é, claro está, o INE e várias outras instituições congéneres.
A Pordata, através dos números e das informações sobre coisas que, por fazerem já parte integrante do nosso quotidiano, ao ponto de nem quase darmos por elas ou de as termos como um dado adquirido, ou como se, desde sempre, tivessem feito parte das nossas vidas, permite ver bem a vertiginosa evolução do país nas duas últimas décadas, pois os números aqui não mentem. Assim, em 1990:
- não havia ainda internet (pois mais absurdo que isso nos possa parecer nos dias de hoje ,em que vivemos mergulhados na chamada info-cloud);
- mais absurdo ainda, os telemóveis eram autênticos tijolos transportados nos automóveis e eram tão caros que só meia dúzia de excêntricos os podia adquirir;
- não havia TVI, nem SIC, nem televisão por cabo;
- havia no país 821 terminais de Multibanco, tão poucos que a lista de locais onde se encontravam era publicada pela SIBS em alguns dos principais jornais diários; em finais de 2008 existiam 13 391 e hoje já serão muitos mais;
- Lisboa e Porto ainda não estavam sequer ligados por auto-estrada;
- a palavra hipermercado ainda não fazia parte do nosso vocabulário habitual;
- ninguém imaginava sequer que, um dia, as lojas dos chineses ocupassem os espaços deixados vagos pelo comércio tradicional;
- pagávamos as contas em escudos e vivíamos com uma taxa de inflação de 13,4%, enquanto que em 2009, por exemplo essa mesma taxa foi negativa e pagamos agora tudo com euros e cêntimos.
E mesmo assim quando olhamos hoje para os nossos parceiros da Europa, sobretudo, para os da zona Euro ficamos e sentimo-nos mal na fotografia, pois em muitos outros e bem mais relevantes aspectos não evoluímos assim tanto, antes pelo contrário.
Em 1990, a taxa de desemprego era de 4,7% e estava em decréscimo, mas em 2010 é mais do dobro: 10,5%. E o pior é que o desemprego afecta hoje, sobretudo, os mais qualificados (está a subir entre os licenciados), os mais jovens e durante mais tempo (às vezes anos). Para além de se ter agravado, e muito, entre os que, sendo pouco qualificados, são considerados demasiado velhos para um novo emprego mas demasiado novos ainda para a reforma.
Um outro aspecto em que também ficámos a pedalar no vazio é o da riqueza por habitante. Em 1990 o PIB per capita era de 9125 €; em 2000 subiu 31%, para os 11 957 €, mas em 2009, situou-se nos 12 421€, ou seja, apenas mais 3,9%. Como estamos a viver uma fase de clara recessão económica, o mais provável é que, em 2010, essa taxa se volte a situar nos valores de 2000. Semelhante involução se verifica com os valores médios dos rendimentos dos agregados familiares: de 11 500€ em 1990, para 16 800 € em 2001 e 14 600€ em 2008.
A complicar tudo isto um envelhecimento quase brutal da população: em 1990, a taxa de população com menos de 15 anos de idade era de 19,9% e hoje é de apenas 15,3%, ou seja, menos 23,12%. A população com mais de 65 anos era, em 1990, de 13,6%, enquanto hoje é de 17,5%, o que representa uma subida de nada menos que 29%. Consequentemente, a percentagem de idosos por cada cem pessoas em idade activa também disparou: era de 20,3% em 1990 e é de 26,1% hoje, o que representa uma subida de 28,57%. Não só, mas também por isto, as despesas da Segurança Social subiram dos 7,9% do PIB em 1990, para os actuais 16,1% do PIB. Ou seja, os encargos com os mais idosos começam, verdadeiramente, a sentir-se em vários aspectos. E, com a esperança de vida a aumentar – era de 74,1 anos em 1990, mas já tinha subido 6,21% em 2007 para os 78,7 anos –, o problema vai agravar-se sobretudo se o crescimento económico e a criação de empregos não aumentarem significativamente nos tempos mais próximos. Tanto mais que vivemos num país onde tudo acontece apenas a dois níveis: o do Estado (gerando muitas vezes a subsídiodependência) e o dos indivíduos nas suas famílias: quem tiver dinheiro ou manha safa-se, os outros ficarão a penar, pois as estruturas comunitárias de apoio social são ainda escassas e não têm mãos a medir.
Só que as perspectivas que se avizinham não são, de todo, animadoras, pois o índice de fecundidade, que era de 1,57 desceu, em vinte anos, para 1,37, o que representa uma diminuição de 12,74%. Mesmo assim, a população do país cresceu ao longo destes últimos vinte anos: dos 9,9 milhões de habitantes em 1990, passámos para os 10,6 milhões, o que representa uma subida de 6,59% conseguida, em muito boa parte, à custa dos residentes estrangeiros. Aliás, a composição demográfica do país, com a presença de imigrantes vindos sobretudo de África, Brasil e Europa de Leste é outra das grande alterações nestas últimas duas décadas. Em 1990 a população não-portuguesa era de apenas 1,1% do total da população, mas em 2008 ultrapassava já os 4,1%. O impacto social desta nova população ainda está por conhecer. Do ponto de vista económico é que, se calhar, não é tão importante como deveria, uma vez que o desenvolvimento do país, neste capítulo, entrou em estagnação.
Já os números relativos à educação revelam-se algo contraditórios ao longo destas duas décadas. O número de analfabetos embora tenha decrescido ao longo de duas décadas - passou de 13% para 11,8%é ainda bastante elevado. Contudo, o número de licenciados subiu de 4% (1990) para 11,5% (2008).
No ensino básico – o tal que é obrigatório para já, até ao 9º ano e, muito em breve, até ao 12º ano de escolaridade -, o número de alunos tem vindo sempre a decrescer (o que não é nada de espantar face ao decréscimo da população jovem). Passou de 1,5 milhões de alunos em 1990 para apenas 1,2 milhões em 2008. Algo de semelhante aconteceu no ensino secundário, como não poderia deixar de ser: dos 310 mil alunos de 1990, subiu para 477 mil em 1996 (fruto da grande massificação deste ciclo de estudos ocorrida em meados da década de 90), mas tem vindo sempre a descer, sendo de 349 mil em 2008. Contudo, a despesa do Estado com a educação não tem diminuído proporcionalmente ao número de alunos, bem pelo contrário: passou dos 3,9% do PIB em 1990 para os 4,4% em 2008. O que é muito natural se considerarmos que os métodos de ensino, os próprios currículos, e as funções sociais que a escola é chamada a cumprir são hoje bem diferentes e de bem maior complexidade do que em 1990.
Estamos portanto perante o retrato de um país que entrou mal no terceiro milénio e que, depois de várias décadas de crescimento acelerado em muitos aspectos - devido sobretudo à entrada generosa de dinheiro vindo da UE e a uma situação global mais favorável -, não tem conseguido, no plano político, encontrar as soluções económicas que nos assegurem o futuro. Ou seja, temos aplicado mal os dinheiros que nos foram dados tão generosamente e, agora, quando os cordões da bolsa começam a fechar-se estamos já a sentir os primeiros efeitos disso mesmo. Temos políticos claramente subservientes a certos interesses económicos, que prejudicam o país e a todos nós com negócios ruinosos, mas falta-nos claramente também o “capital social”, cívico e de cidadania que os ponha – aos políticos - no seu devido lugar. Por isso estamos confrontados há duas décadas com mais do mesmo no que às políticas, e aos políticos, diz respeito. Basta verificar à luz de meia dúzia destes números que a Pordata apresenta a qualquer cidadão que consulte o sítio, as grandes opções de investimento que os actuais (des)governantes estão a tomar, para percebermos que nada daquilo faz sentido face à situação de estagnação que estamos a viver. É que os tais grandes investimentos de que eles tanto falam, no fundo, também são mais do mesmo, mascarado de modernidade e blá-blá-blá.
Enquanto, como sociedade, não evoluirmos o sentido de uma maior consciência de tudo o que está em jogo – e é muita coisa -, enquanto não evoluirmos no sentido de uma maior exigência e responsabilização pelas decisões tomadas (dez estádios de futebol no valor de milhões e milhões, câmaras municipais endividadas até às orelhas durante os próximos trinta anos, por exemplo) enquanto não exigirmos ser governados por gente realmente capaz e, sobretudo, competente, dificilmente sairemos da estagnação em que estamos mergulhados. Enquanto não conseguirmos começar a pensar de uma outra maneira estaremos sempre confrontados com mais do mesmo a todos os níveis. Enquanto não estivermos conscientes de que interessa ao poder político, tal como o conhecemos hoje, que tudo se mantenha na mesma e não tomarmos nós próprios, cidadãos, a iniciativa de mudar a nossa forma de pensar e de agir, então teremos sempre mais do mesmo. Isso é mais do que certo.