Há bocado, em Elvas, na feira semanal de velharias, comprei "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias I", título inspiradíssimo de uma antologia da poesia de Natália Correia, prefaciada pela própria, e publicada pelo Círculo de Leitores, em 1993 (ano da sua morte).
Caiu numa penumbra absolutamente injusta a poesia de Natália Correia. Há nos seus poemas um fulgor, uma força e, sobretudo, uma frontalidade pouco habituais na poesia portuguesa, a que acresce um estilo primoroso e uma linguagem sedutora que, todavia, nunca cai no óbvio. Aberto então o livro ao acaso o primeiro texto que me apareceu foi este:
Caiu numa penumbra absolutamente injusta a poesia de Natália Correia. Há nos seus poemas um fulgor, uma força e, sobretudo, uma frontalidade pouco habituais na poesia portuguesa, a que acresce um estilo primoroso e uma linguagem sedutora que, todavia, nunca cai no óbvio. Aberto então o livro ao acaso o primeiro texto que me apareceu foi este:
XIII
Andar?! Não me custa nada!...
Mas estes passos que dou
Vão alongando uma estrada
Que nem sequer começou.
Andar na noite?! Que importa?...
Não tenho medo da noite
Nem medo de me cansar:
Mas na estrada em que vou,
Passo sempre à mesma porta...
E começo a acreditar
No mau feitiço da estrada:
Que se ela não começou
Também não foi acabada!
Só sei que, neste destino,
Vou atrás do que não sei...
E já me sinto cansada
Dos passos que nunca dei.
In Rio de Nuvens, 1947
E isto está tão certo do primeiro ao último verso e faz tanto sentido de uma forma tão estranha, tão profunda e ao mesmo tempo tão complexa que, de facto, só mesmo na poesia é possível.
Salve Pitonisa pela tua clarividência (ou não fosses tu, também, mulher) e por teres, à conta desta estranha, até mesmo tocante, coincidência, quebrado o persistente desalento da minha tarde.
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