Hoje é dia de ressaca nacional alargada.
Para os vencedores da noite porque, apesar dos apelos do líder à «contenção», não se conseguiram conter e andaram a pavonear-se ruidosamente pelas ruas durante boa parte da noite.
Para os vencidos porque:
- no PS acharam sempre que, apesar dos pesares (e eram muitos) segurariam o poder por uma unha negra; por isso, quem tinha algo a perder com a derrota (nem que fosse o cargozinho de sub-sub-assessor de qualquer coisa ou de alguém, na mais recôndita das repartições públicas) deu o tudo por tudo na campanha para dara ideia de que a coisa estava garantida; a tal ponto que até o grande líder foi apanhado de surpresa...
- no BE porque não perceberam que a malta, confrontada com as dificuldades e apertos do dia-a-dia e, sobretudo, com a total ausência de expectativas (em especial os mais qualificados), já se cansou daquilo que o próprio Daniel Oliveira classificou como 'exotismo de esquerda' ou animação de rua que apenas pretende fazer bonito com recurso à ironia ácida e pouco mais; a juntar a tomadas de posição e decisões recentes que, aliás, acabaram por minar a credibilidade política de um partido que, nas anteriores eleições, até tinha crescido no parlamento mas que, ao insistir na ideia de não querer ser governo, acabou por não poder afirmar, com seriedade, que exige a mudança, pois esta só pode passar por uma outra forma de governação; todos os que queriam que se fizesse/mudasse, de facto, alguma coisa foram assim forçados a procurar outras paragens político-partidárias (se foram, ou não, as mais certas e adequadas, é uma outra conversa). A este propósito vale a pena comparar com os resultados do CDS - um dos vencedores da noite -, cujo líder assumiu exactamente a atitude oposta e tirou disso largo e óbvio benefício.
Para os comentadores, politólogos, analistas e outros opinion makers da praça que têm agora novas munições para nos moer o juízo diariamente, enquanto tentam por a + b provar que, afinal, cada um deles é que tinha razão e, aliás, já tinha dito isso mesmo num qualquer canal de televisão.
Mas a maior das ressacas, contudo, é a do próprio país. Mais do que a já conhecida dança do «ora agora mandas tu, ora agora mando eu, ora agora mandas tu mais eu», a que também se costuma chamar bipolarização, destaca-se na noite de ontem uma clara viragem do país à direita, por enquanto ainda numa direita que se diz moderada (a fala mansa e de tom radiofónico de Passos Coelho, reforça esta ideia que ainda está por confirmar). A paulatina subida do CDS nos últimos actos eleitorais confirma essa tendência. Os portugueses agora desconfiam - e têm muitas e boas razões para isso - dos partidos que se afirmam de esquerda para ganhar os votos mas, uma vez chegados ao poder, fazem uma espécie de lavagem cerebral e governam em função dos interesses partidários e das recompensas exigidas por aqueles que, dentro do partido, os ajudaram a chegar ao poder e não do país. Este que pague depois a conta dos desvarios. Por isso deu ao PSD a maioria necessária e suficiente para governar, mas sem maioria absoluta. E com uma garantia adicional: será um governo de coligação. O que, para o bem e para o mal, sempre obrigará a algum jogo de cintura.
E o responsável por esta viragem talvez histórica - e que já nada tem que ver com as motivações subjacentes à maioria absoluta de Cavaco Silva nos anos 90 - é justamente um partido que se diz de esquerda: o PS. Um partido historicamente associado ao 25 de Abril e à implantação de uma democracia de centro-esquerda em Portugal. Esta é que é a grande ironia da noite eleitoral de ontem. Esta é que, a meu ver, é a grande ressaca que vamos ter que curar. Ontem, o povo fez a sua escolha e disse o que pensava. Escolheu entre quem se diz de esquerda para ganhar votos e depois governa ainda mais à direita que os partidos ditos «de direita» e quem se afirma da direita moderada ou centro-direita e não parece disposto a sair muito dos trilhos conhecidos (pelo menos para já).
Também o reforço da votação na CDU mostra como os portugueses reconhecem nesta força política a ligação sentimental a essa espécie de paraíso perdido que foram os sonhos da revolução de Abril e acha importante a sua presença no parlamento para que a memória do "antes" e "depois" da Revolução não se dissipe para já numa sociedade que começa agora a ser governada por aqueles que nasceram já no pós-25 de Abril e que do «antes» pouco sabem ou ouviram falar. De certa forma, a CDU ficou ontem mandatada para ser o memorial vivo dos ideais de abril, num parlamento agora de direita, para afirmar lá, na «casa da democracia», que o povo português gostava mesmo era de viver numa próspera democracia de esquerda mas como, face à conjuntura internacional, isso já não é possível quer lá o PCP para lembrar e dizer a todos o que sente lá bem no fundo.
Vamos então aguardar para ver o que o tempo dirá e nos trará.
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