domingo, 19 de junho de 2011

Pássaros, versos alados


Imagem Google

Pela cortina entreaberta espreito o dia que se espalha pela paisagem enquanto vai varrendo devagar, para os contrafortes da serra d’Ossa, os últimos vestígios de uma neblina quase transparente. De repente, pousa-me no olhar um pássaro que, meneando a cabeça inquieta, atira uns pios estridentes. Não sei se veio chamar(-me) ou se, tomado de súbita curiosidade, veio apenas espreitar esta estranha gaiola de betão com janela aberta para o dia.

Mas a brisa ainda fresca sopra mais - o suficiente para afastar a cortina – e no mesmo instante sou eu que, sem aviso, me adentro pelo seu olho dourado. Logo a breve ave, tomada de susto, bate as asas frementes e se ergue num voo rápido que desenha primeiro um largo círculo diante da janela, para depois se afastar até não ser mais que um ponto indistinto no  azul cerúleo da manhã. E de repente, olhando aquele pontinho que já mal se distingue e que continua a distanciar-se, percebo que já não é um pássaro o que contemplo, mas um verso alado que, livre, se afasta para longe e para sempre.

É que são também assim os versos que invento: escapam-se (e escapam-me) na brevíssima distância entre dois momentos apenas: aquele em que emergem por dentro de mim e aquele em que me apresto a registá-los no papel. E são sempre os melhores, os mais capazes, esses versos fugidios e indomados. Cada um, ao abrir as asas, é todo um poema e, por isso, logo consegue voar sozinho. Não é, decidamente, um ritual de perda mas sim de libertação, este de ficar assim a ver escapar os melhores e mais perfeitos versos que, de forma imprevista, pousam no parapeito da minha imaginação.

Aos outros, a todos os outros, guardo-os na prosa e, para lhes atenuar a nostalgia da estrofe desfeita, da rima perdida, dou-lhes a companhia destas frases perifrásticas, profusas e verbosas, esperando que a conversa os ajude a aceitar melhor essa perda irreparável.

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