terça-feira, 14 de junho de 2011

Portugal pelos olhos de outrém

Barry Hatton, jornalista inglês há muito radicado entre nós, publicou recentemente em Inglaterra (Signal Books) um retrato do país e do povo que bem conhece e a que deu o título de Os Portugueses, já com edição nacional (Clube do Autor).

A sua visão do povo português é clara, concisa e marcada pela objectividade de uma visão "de fora". É sobretudo uma visão positiva pois como o próprio Hatton afirma "Falo muito bem de Portugal no livro, acho que é um país óptimo. Estou cá há 25 anos, já me foram oferecidos empregos em Nova iorque, em Londres, em Bruxelas, e sempre disse que não. Além de não ser uma pessoa que quer entrar para o trabalho às oito da manhã, prefiro uma vida mais descontraída." Mais à frente acrescenta: "Cada país tem os seus pontos fortes e os seus pontos fracos. Os portugueses têm imensas qualidades, embora os portugueses não achem muito isso. (...) Os portugueses dizem mal de Portugal, dizem mal uns dos outros, mas adoram Portugal. (...) O meu poeta preferido, em qualquer língua, é o Torga. Descreve os portugueses como sendo um "pacífico colectivo de pessoas revoltadas."

Questionado sobre a actual crise e o resgate financeiro a que ela levou Barry Hatton afirmou : "estas medidas são como um penso rápido numa perna partida, como se diz em inglês. Se Portugal quer mudar mesmo, vai ter de mudar a sua maneira de viver. Vai levar gerações, não vai mudar com um acordo com o FMI e a zona euro."

E enunciou depois de uma forma simples, mas brilhante, o verdadeiro e grande desafio com que estamos confrontados e de que ninguém quer falar, sobretudo os políticos: "Até que ponto os portugueses querem mudar? Se querem ser ricos como os alemães e os suíços, os holandeses e os escandinavos, têm de entrar ao trabalho às oito da manhã, trabalhar até às seis, jantar às sete e estar na cama às nove. É essa vida que os portugueses querem? Acho que não. (Se quiserem, vou-me embora, vou para outro país [riso]). Por outro lado, esta geração que cresceu com a União Europeia, que viaja, que tem contacto com a internet, com os outros países, tem outras comparações para fazer (como se viu com os protestos da "geração à rasca").  (...) Esse tipo de contactos muda mentalidades. Muito devagarinho, mas muda. Essa mudança vai ajudar a destapar os portugueses, que estão muito abafados pelas estruturas rígidas da sociedade. É um florescer que vem com o tempo, não vai ser de um dia para o outro."

Palavras sábias as deste jornalista que revela um conhecimento admirável sobre os portugueses ao dizer ainda que: "O jantar e almoçar fora, o convívio, a tertúlia, são a alegria de viver que os portugueses têm. Têm tristeza, mas têm joy in their heart. (...) Parece que uma coisa não bate certa com a outra, mas têm, Têm muita resistência, são muito fortes, adaptáveis. Têm o "desenrascanço", que é uma coisa magnífica que os gajos da troika não sabem, e que os analistas lá fora também não sabem. Deviam saber. Os portugueses mostram que conseguem, só falta destapar aquele potencial. Vai demorar mais uma geração, mas não me preocupo com Portugal."

Ora aqui está um belo exemplo desse tal espírito português do "desenrascanço" de que fala Barry Hatton, registado bem perto da minha casa:

Estremoz, 14/6/201
Trata-se do aproveitamento do arredondado passeio junto à entrada da garagem nas traseiras da casa, tendo a calçada sido substituída por um  exíguo canteiro, cujos limites estão até vedados por improvisada rede e onde se podem colher temperos (salsa e hortelã) e folhas de couve portuguesa para o caldo verde. É mesmo possível, em devido tempo, saborear uns pêssegos, pois tem pomar incluído.
Para além de ser a expressão primorosa de uma certa portugalidade (ingénua, rural, de bom coração), não deixa de ser também aquilo que, agora, e de forma algo pomposa, se designa como "hortas urbanas". Só que esta existe há já muitos anos e demonstra exactamente o tal espírito de "desenrascanço" de que Barry Hatton fala na sua entrevista e que tão útil se pode revelar em tempos de crise como os que estamos a atravessar.

Na verdade, este recanto de passeio público transformado em mini-horta é o lado bom, ingénuo e bem intencionado desse "desenrascanço" nacional, pois julgo que era desse que Hatton falava,  e não do outro, que também existe mas que, em boa parte, nos trouxe até ao beco sem saída em que agora nos encontramos. A este, e a todos que se aproveitam dele para encher os bolsos, vamos ter mesmo de dizer «não, obrigado!». Se não o fizermos estamos mesmo tramados.

Observ. - Os excertos são da entrevista dada por B. Hatton à Pública de 5/6/2011.

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