É muito igual a literatura, o que fica guardado nos livros.
Com o tempo mudou o verso, a curva, o arco,
o declive, o mal-estar, a maneira de enumerar as paisagens,
as coisas desconformes. Imagina tu as palavras que se repetem
à saída dos cinemas de província, atravessando o nevoeiro
das noites de Inverno; imagina tu estas ruas que ficam desertas
com o crepúsculo, os campos de batalha, os recados e bilhetes
de amor que nunca foram entregues, os caminhos
que levam da madrugada até ao coração da morte.
Poesia fácil, prosa quase; a música vem da sua melancolia
e não da aritmética sentimental, daquelas palavras
(sangue, grito, coração, litoral). Mais de um halo,
do sopro dos pinhais, dos destroços de um amor de toda a vida.
Desengana-te acerca da poesia, da elevação,
da circunstância, fala apenas - como os antigos - da aventura
de um solitário entre ruínas, levantando as pedras,
reerguendo os muros, contando o número de vítimas.
Depois deste haverá outro terramoto, recordarás o vento
nas eiras, o musgo entre os carvalhos, o rio dobrando-se
numa curva onde há mais choupos, esse areal, essa ventania.
Francisco José Viegas, In Se me comovesse o amor,
Quasi Ed., 2008, 2ª ed.
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