Em 1969, o historiador Jacques Barzun publicou The House of Intelect. Nele defendeu que o debate, a troca de ideias e até praticamente a simples e boa conversa, enquanto formas privilegiadas de exercício das capacidades intelectuais e argumentativas, desapareceram praticamente do mundo ocidental.
Também Paulo Guinote, num artigo publicado em 2003 na revista da Associação de Professores de História , intitulado "Sobre a decadência do debate de ideias", considera que “Em vez de construirmos uma conversa, articulando o nosso raciocínio no dos nossos interlocutores, analisando argumentos, avançando para novas ideias, limitamo-nos a “trocar ideias”, no sentido comercial do termo. Toma lá a minha opinião, dá cá a tua, e pronto, já está, ficamos à mesma na nossa e tudo fica na mesma.”
A explicação para este fenómeno deve-se, segundo Barzun à importância das boas maneiras e dos bons modos na nossa sociedade, e à sua incorrecta associação aos ideais democráticos, assim se considerando todos os confrontos, incluindo os verbais, como “atentados à democracia”. Daqui resulta uma incessante busca do ilusório e impossível consenso que a todos agrade e satisfaça todos os pontos de vista. Mas geradora, na verdade, de atitudes de submissão e, pior ainda, de distanciação ou de indiferença, ou então de ataque feroz, porque as opiniões contrárias são quase sempre encaradas como ofensivas e como um ataque pessoal.
Por isso, como sublinha Paulo Guinote, nos dias que vivemos, “Ninguém está para pensar no que os outros dizem. Apenas se aceita ou recusa, ponto final, sem mais elaboração. (...) Agora discutir ideias, analisá-las, aperfeiçoá-las, modificá-las perante os outros, isso é que não porque parece ser sinal de fraqueza das nossas próprias convicções ou crenças.”
Tudo isto explica um pouco o esvaziamento de ideias que verificamos quase todos os dias nos debates em todas as áreas da nossa sociedade, da política - até do próprio Parlamento – às ciências e à própria universidade.
Entre outras consequências, verifica-se que os debates, sobretudo os políticos, tendem cada vez mais para a maledicência e nos próprios meios de comunicação social, sobretudo a imprensa escrita - seja generalista, seja especializada - procura seleccionar (de forma mais ou menos dissimulada) os colaboradores que estão de ao lado de uma determinada facção (em geral, a que está no poder, ou a que domina a corrente de opinião num dado momento): são os «nossos», por oposição aos «outros» os que estão contra nós e nos querem liquidar (intelectualmente, social ou politicamente, claro).
A comprová-lo estão as cada vez mais frequentes polémicas sobre quem ocupa determinados cargos de relevo, em que o debate na comunicação social se faz, não à volta da competência, dos métodos de trabalho ou dos resultados alcançados, mas sim dos eventuais favorecimentos pessoais ou políticos concedidos e/ou recebidos pelas pessoas em causa.
O confronto de ideias, criado pelos gregos antigos como forma superior de estar e de governar, está, pois, em acelerado declínio no mundo ocidental: o confronto de concepções diferentes, através do debate de ideias, como forma de reavaliar e, até, de aprofundar e melhorar as suas próprias ideias é agora visto sobretudo como uma ameaça e já não como um mecanismo de progresso e de democracia. Cada um de nós vive, por isso, cada vez isolado no seu próprio pensamento e convicções. Entretemos cada vez mais o raciocínio com diversões: futebol, mexericos e socialites, redes sociais, casos da vida, ou melhor, crimes e horrores, etc, etc. Atitude perigosa esta, pois enquanto assim anestesiamos o pensamento e a vontade, muitos tiram largamente partido desta nossa passividade amorfa para alcançarem facilmente tudo o que pretendem (à nossa custa, claro está). Qualquer um que saiba argumentar ou, se calhar, até já nem isso, que saiba articular uma frases sonantes pode ter, se assim o quiser, o mundo a seus pés.
De vez em quando é bom rever certas palavras e imagens, é salutar que a memória de certas coisas não se desvaneça para que alguns ideais e utopias permaneçam no nosso espírito. Sobretudo, é muito interessante verificar como se mantêm actuais algumas destas ideias:
"...In this world there's room for everyone and the good earth is rich and can provide for everyone. The way of life can be free and beautiful, but we have lost the way. Greed has poisoned men's souls - has barricaded the world with hate - has goose-stepped us into misery and bloodshed. We have developed speed, but we have shut ourselves in. Machinery that gives abundance has left us in want. Our knowledge has made us cynical; our cleverness, hard and unkind. We think too much and feel too little. More than machinery we need humanity. More than cleverness, we need kindness and gentleness. Without these qualities, life will be violent and all will be lost. The aeroplane and the radio have brought us closer together. The very nature of these inventions cries out for the goodness in man - cries for universal brotherhood - for the unity of us all. Even now my voice is reaching millions throughout the world - millions of despairing men, women, and little children - victims of a system that makes men torture and imprison innocent people. To those who can hear me, I say: 'Do not despair.' The misery that is now upon us is but the passing of greed - the bitterness of men who fear the way of human progress. The hate of men will pass, and dictators die, and the power they took from the people will return to the people. And so long as men die, liberty will never perish. (...)
By the promise of these things, brutes have risen to power. But they lie! They do not fulfil that promise. They never will! Dictators free themselves but they enslave the people. Now let us fight to fulfil that promise! Let us fight to free the world - to do away with national barriers - to do away with greed, with hate and intolerance. Let us fight for a world of reason - a world where science and progress will lead to all men's happiness. Soldiers, in the name of democracy, let us unite!"
(Excerto do discurso final do "Grande Ditador", realizado por Charlie Chaplin em 1940)
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