Hoje, parece que ao Chef Universal apeteceu fazer um belo gratinado para o jantar e, por isso, ligou o grill do forno. Mas, como a idade já vai avançada, deve ter-se esquecido dele ligado... E nós aqui em baixo a penar por causa do calor, fechados na sala de aula, recém-restaurada e encharcada de cheiros novos, muito pouco primaveris. Pelas janelas abertas entra uma brisa morna e convidativa, carregada de aromas florais, de gorjeios e de promessas de verão antecipado. São quase quatro da tarde e nós aqui fechados até às tantas, a fazer de conta que estamos concentrados nos meandros sinuosos da literatura e da gramática.
Decidi que era a melhor oportunidade para os alunos compreenderem em profundidade a mensagem de Manuel da Fonseca no poema "Coro dos Empregados da Câmara".
E foi em pequenos "grupos corais" que o lemos. Embora com as normais hesitações de alguns, a leitura saíu expressiva, bem entoada. Saíu-lhes da alma. Durante alguns minutos fomos, na verdade, "o coro dos empregados da escola". Em dias e tardes assim não consigo deixar de pensar que a escola dita inclusiva, de braços abertos para acolher a todos segundo as suas necessidades, está mas é a ensaiar diariamente o coro das "almas censuradas", como escreveu Natália Correia num dos seus mais poderosos poemas, ou até mesmo a formar "poetas castrados", no sentido em que o proclamava Ary dos Santos (in Resumo, 1973) .
Em dias assim, tentar conter o rio de sentimentos, emoções, hormonas e energia que é maior do que qualquer um deles, até mais poderoso do que todos eles juntos, usando apenas uma frágil barragem de conteúdos é, no mínimo, inútil. Ainda que esses conteúdos sejam relevantes para o futuro destes jovens. Não estamos a fazê-los perceber o que é o "Despondency" de Antero de Quental, estamos a forçá-los a viver esse sentimento durante noventa minutos, o que é bem mais grave.
Foi certamente por tudo isto que o poema de Manuel da Fonseca fez tanto sentido para eles esta tarde e, para mim, fez tanto sentido escolhê-lo num impulso e levá-lo para o ler com eles:
É tão vazia a nossa vida, é tão inútil a nossa vida
Decidi que era a melhor oportunidade para os alunos compreenderem em profundidade a mensagem de Manuel da Fonseca no poema "Coro dos Empregados da Câmara".
E foi em pequenos "grupos corais" que o lemos. Embora com as normais hesitações de alguns, a leitura saíu expressiva, bem entoada. Saíu-lhes da alma. Durante alguns minutos fomos, na verdade, "o coro dos empregados da escola". Em dias e tardes assim não consigo deixar de pensar que a escola dita inclusiva, de braços abertos para acolher a todos segundo as suas necessidades, está mas é a ensaiar diariamente o coro das "almas censuradas", como escreveu Natália Correia num dos seus mais poderosos poemas, ou até mesmo a formar "poetas castrados", no sentido em que o proclamava Ary dos Santos (in Resumo, 1973) .
Em dias assim, tentar conter o rio de sentimentos, emoções, hormonas e energia que é maior do que qualquer um deles, até mais poderoso do que todos eles juntos, usando apenas uma frágil barragem de conteúdos é, no mínimo, inútil. Ainda que esses conteúdos sejam relevantes para o futuro destes jovens. Não estamos a fazê-los perceber o que é o "Despondency" de Antero de Quental, estamos a forçá-los a viver esse sentimento durante noventa minutos, o que é bem mais grave.
Foi certamente por tudo isto que o poema de Manuel da Fonseca fez tanto sentido para eles esta tarde e, para mim, fez tanto sentido escolhê-lo num impulso e levá-lo para o ler com eles:
É tão vazia a nossa vida, é tão inútil a nossa vida
que a gente veste de escuro como se andasse de luto.
Ao menos se alguém morresse e esse alguém fosse um de nós
e esse um de nós fosse eu...
... O Sol andando lá fora, fazendo lume nos vidros,
chegando carros ao largo com gente que vem de fora
(quem será que vem de fora?)
e a gente praqui fechados na penumbra das paredes,
curvados prás secretárias fazendo letra bonita.
Fazendo letra bonita e o vento andando lá fora
rumorejando nas árvores, levando nuvens pelo céu,
trazendo um grito da rua (quem seria que gritou?)
e a gente praqui fechados na penumbra das paredes,
curvados prás secretárias fazendo letra bonita,
enchendo impressos, impressos, livros, livros, folhas soltas,
carimbando, pondo selos, bocejando, bocejando, bocejando.
In Obra Poética
Esta tarde dei comigo a pensar que, tal como escreveu José Jorge Letria, no seu Livro Branco da Melancolia (2001):
"(...)
A literatura está cansada
dos jogos do poder e da vaidade
que em nome dela se praticam.
A literatura quer viver a sua vida
sem ter quem a policie e interprete.
Não quer estar confinada aos laboratórios,
nem ao exercício interminável da pesquisa.
Ela fala das pessoas e dos seus dramas
E não gosta que a cataloguem ou classifiquem.
Ás vezes apetece-lhe abrir as asas e voar."
E também como escreveu Agostinho da Silva em "Textos e Ensaios Filosóficos": "...quando vier a hora de se reconhecer na palavra nada mais do que uma ferramenta, uma das muitas que serviram a erguer o edifício humano (temo que a palavra humano seja estreita), hão-de valer mais as vidas que os livros e ninguém nunca mais se lembrará dos que apenas tiverem deixado atrás de si as páginas que escreveram."
Hoje foi por aqui que o meu pensamento andou entretido em divagações, enquanto o corpo luta há já umas horas contra uma febre persistente. Mais do que desolação, deve ser... insolação.
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