Temos tendência para pensar que os provérbios são textos antigos, anónimos, colectivos e de feição popular (“do povo”). Contudo, nem sempre assim é. Não é difícil encontrar os autores de muitos provérbios hoje já do domínio colectivo. Alguns até começaram por ser citações de textos literários que, com o tempo e o uso, se tornaram do domínio público e colectivo, ou seja, se tornaram provérbios: Séneca escreveu que “Cada galo canta no seu poleiro”, o Padre António Vieira pregou que “Não há juízo sem inclinação”, Benjamin Franklin declarou que “Tempo é dinheiro”, Fernando Pessoa versejou que “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Curioso é verificar como a literatura contemporânea, mesmo a mais vanguardista ou transgressora dos valores estabelecidos não desdenhou desta forma de expressão. Antes pelo contrário. Alexandre O’Neill e Mário Cesariny, seguindo um modelo proposto pelos surrealistas franceses Paul Éluard e Benjamin Péret, puseram a circular em 1974 (ano de todas as transgressões e libertações) provérbios como estes:
Mulher francesa – toalha na mesa;
Mesa de pinho – carapauzinho;
Gente que berra – marinheiro em terra;
Pão a cozer – menino a ler;
Água a correr – é de endoidecer.
Na verdade são falsos provérbios, antiprovérbios, provérbios descontruídos ou mesmo reconstruídos. Mais importante foi terem aberto um verdadeiro filão (inesgotável?) nas letras portuguesas.
E mais dois exemplos, entre outros possíveis:
Mário Castrim
Águas passadas só movem tolinhos.
A galinha da minha vizinha é sempre melhor na caminha.
Candeia que vai à frente, apaga-se mais vezes.
Não guardes para amanhã o que podes desfazer hoje.
As ocasiões são para os amigos.
Longe do coração, longe da vista.
(in Diário de Lisboa)
Tomás Lourenço
Berbequim em mão descuidada, fica a casa toda furada.
Mastigar caroços quentes faz mal aos dentes.
É de tirar o sono pensar que o Sol espreita pelo buraco do ozono.
Levantar com maré vazia, isso é que é halterofilia.
É miopia de truz chamar passarinho a uma avestruz..
(in Provérbios Mós-Modernos)
Nem sequer interessa muito saber se estes novos provérbios “pegam”, ou não. A maior parte deles foi escrita apenas pelo puro prazer lúdico de jogar com as palavras e respectivos significados.
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