sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Escrever: porquê? para quê?

“Um escritor faz o que pode, não o que quer.
Por outro lado, a piada da escrita é tentar caminhos que suspeitamos não ser capazes de trilhar. (E, já agora, tentar dizer por palavras aquilo que muito provavelmente, não pode ser dito por palavras.) Certo, a maior parate do tempo olho para o meu mundo interior e o que vejo não é lá muito bonito: apenas um pequeno mundo interior. Mas há momentos em que... Bolas, ele há momentos em que! É à caça – à espera – desses momentos que um escritor vive. Tomemos a imagem da pesca: nós apenas estamos com uma cana (uma caneta) à superfície das águas (da página) e cabe aos peixes (às palavras) morderem ou não o isco. O mérito de quem está sentado à espera que as palavras apareçam não é, deste ponto de vista, assim tão grande. Mas é preciso estar lá. Essa é a grande chatice, esse é o grande prazer: é preciso estar lá. A pesca e a escrita têm isso em comum, o serem duas actividades onde o tédio e a emoção são indissociáveis, às vezes quase ao ponto de se confundirem. Como a vida, aliás.”

Rui Zink, O Anibaleitor, Teorema, 2010, pp. 117-118