Espécie de homenagem ao poeta, cineasta, artista plástico e antropólogo
Ruy Duarte de Carvalho
Em 24 de Abril de 1990, Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010) foi entrevistado por José Eduardo Águalusa para o suplemento Leituras do jornal Público. A certa altura, Águalusa colocou a Ruy Duarte de Carvalho a seguinte questão: A guerra, a dramática realidade de todos os dias, afecta o seu trabalho? E o poeta angolano respondeu que “Afecta, sim, e de que maneira, de todos os ângulos e em relação a todos os aspectos do processo, o antes, o durante e o depois, a intenção, a oficina e o produto. Mas eu julgo que toda a obra literária coerente (a obra só existe quando prevalece tal coerência) dá sobretudo notícia de um tempo que não é afinal nem o tempo político, tão-pouco necessariamente o tempo histórico, talvez então o tempo de uma consciência, o tempo da consciência de um tempo, passe a pirueta. O que eu quero dizer é que para além das verdades que se sucedem e se desmentem e se demolem umas às outras, há por certo tempo no tempo de uma vida, biológica ou literária, para reconhecer os termos que informam e confirmam afinal aquilo que é ou aquilo que foi o tempo fundamental de um sujeito, de um grupo, de um povo, da humanidade inteira num preciso período ou momento histórico, dentro de determinado momento político, até. Agora que o tempo político, o tempo social, a guerra, a violência, a tensão, a arbitrariedade, e a prepotência, o disparate, a fome, a falta de informação ou a informação viciada, a luta por vezes quase desesperada no e pelo quotidiano afectam o tempo literário, afectam, sim senhor, está à vista. Para o melhor e para o pior. É que a literatura continua a ser feita de casos, não tem outra maneira, e assim as mesmíssimas condições (limitações ou estímulos, nem sempre umas, nem sempre os outros) deram e estão a dar, entre nós, tanto boa como má literatura. Como haveria de ser de outra maneira? (Itálico meu)