Teorias económicas há muitas. Estudos e inquéritos nem se fala. Contudo, agora que o capitalismo entrou em autofagia e ameaça colapsar à semelhança do que sucedeu a outros monstros económicos que também pareciam bastante sólidos, como o socialismo (será a ironia um prato que se come frio, ou quente?), começam a surgir novas ideias e teorias à procura de um insight sobre o que virá a seguir. Algumas são bastante curiosas e outras começaram a fazer caminho já há alguns anos, mas ganharam agora maior visibilidade.
Uma delas – designada o “paradoxo de Easterlin” - foi pensada nos anos 70 pelo economista americano Richard Easterlin. Este concluiu que, nos países mais ricos e desenvolvidos e depois de ultrapassado um certo nível de rendimentos económicos, o grau de felicidade não aumenta proporcionalmente ao acréscimo desses mesmos rendimentos. Tal é o caso do Japão e dos EUA onde os estudos confirmam que, desde a década de 50, o aumento do nível de vida não foi acompanhado pelo crescimento do nível de felicidade das pessoas. E a razão para isso é bem simples: para se ganhar mais dinheiro é preciso trabalhar sempre mais, muito mais, descurando aquilo a que se convencionou chamar de “relações humanas”. Resultado: países ricos, países de gente deprimida, stressada, disfuncional...
Outros estudos feitos entretanto vieram reforçar esta ideia: o dinheiro dá felicidade, mas apenas até certo ponto. O velho adágio popular está, afinal, certo. E, curiosamente, são os cientistas do cérebro, em conjunto com os economistas, que explicam essa aparente contradição em duas penadas:
1. O ciclo vicioso da felicidade
Garantidas as necessidades básicas, há uma tendência crescente para usar o dinheiro supérfluo para fazer comparações, mais do que para “comprar” felicidade, criando um círculo vicioso de satisfação passageira, que, a médio prazo, acaba por gerar infelicidade. O economista Richard Layard dá um exemplo: alguém que compra um carro topo de gama de uma certa marca sente-se feliz por ter conseguido fazê-lo mas, assim que o vizinho do lado compra um carro igual, a felicidade obtida esvazia-se e o indivíduo é compelido a tentar distinguir-se de novo pela aquisição de um carro ainda melhor. Para isso, precisa de maiores recursos económicos. Logo, há que trabalhar mais para obter mais rendimentos e conseguir assim adquirir um novo bem que trará uma nova felicidade passageira e assim de seguida e com todos os bens possíveis: carro, casa, barco, roupas, jóias, etc. Como refere Layard a), “uma das maiores fontes de infelicidade é compararmo-nos com os outros. Enquanto tendemos a notar as posses de pessoas mais ricas, a nossa permanente insatisfação traz-nos uma frustração endémica que é difícil de superar”. Vistas as coisas por esta perspectiva, a felicidade final e real pode até ser bem menor do que a inicial.
2. O sacrifício de um bem maior
Ter um rendimento superior leva à habituação rápida a um nível de vida mais elevado e custoso. Esta adaptação, ou o desejo de querer sempre mais, rapidamente se transforma em sacrifício da felicidade extra conseguida no início para se poder manter, num processo em espiral que apresenta semelhanças com a dependência b).
Outros estudos permitiram aos economistas concluir que são sete (número carregado de simbolismo) os factores geradores de felicidade: o dinheiro, a saúde, a qualidade do trabalho, as relações familiares (sobretudo enquanto parte de um casal), factores sociais (como o contributo para o bem comum através da solidariedade), os valores pessoais éticos e/ou religiosos e a liberdade pessoal. Este último factor explica a razão por que pessoas com idêntico nível de rendimentos, mas sujeitas a um regime ditatorial, são mais infelizes do que as que vivem em democracia.
O drama dos países desenvolvidos e dos ocidentais em particular é que, à pergunta “estão dispostos a sacrificar os últimos quatro factores de felicidade (relações familiares, solidariedade social, valores éticos e/ou religiosos, liberdade pessoal) para poderem ter maiores rendimentos, maior poder de aquisição e maior possibilidade de comparação com outros?”, estão predispostos a responder que “sim”. E isto, mesmo conhecendo os baixos índices de felicidade nos dois colossos mundiais do desenvolvimento industrializado e capitalista – EUA e Japão.
Como refere Ignacio de la Torre num artigo recente (Público, 19/6/2011), “numa altura em que estamos a reconsiderar o futuro da arquitectura financeira mundial e as novas fundações do capitalismo, podemos também ter uma oportunidade única para reconsiderar as fundações da felicidade, e assim reconciliar o capitalismo e a satisfação”. A mim parece-me que o problema é não termos, tanto no país como na UE, líderes com uma visão do futuro capaz de ir além do primeiro factor de felicidade: o dinheiro. Pensar em construir uma sociedade que harmonize os opostos – capitalismo e satisfação das pessoas – é muita, mas mesmo muita areia para as camionetazinhas dos nossos secretários-gerais dos partidos do “arco do poder” e líderes alternados da (des)governação nacional…
Apesar de o povo sempre ter dito que "dinheiro não traz felicidade" e de os estudos confirmarem que até tem razão, o certo é que ajuda muito. Ou, como cantava a Liza Minnelli no filme "Cabaret", para o bem e para o mal "money makes the world go round".
a) Richard Layard, Happiness: Lessons from a new science, Penguin Books, 2006
b) Manel Baucells e Rakesh K. Sarin, Com más dinero: se puede comprar más felicidad?, IESE, Businnes School, Navarra, 2007. (O artigo pode ler-se aqui)