Numa entrevista concedida ao jornalista João Bonifácio do Ípsilon/Público (11/6/2010) a propósito do lançamento do seu último livro, com o título de “O Regresso do Hooligan”, o romeno Norman Manea deu aquela que, para mim, é uma das melhores e mais certeiras definições do que é o romance contemporâneo: “Um romance é uma história adiada: atrasa-se a história o mais que se pode. Porque uma história, na verdade, são duas frases. E só com tempo podemos ver como ela é maior do que parece.” E acrescentou: “Um computador não pode escrever um romance, porque não sabe ser vago e uma grande parte do mérito de um romance é saber ser vago, não ser sempre directo.”
Palavras certeiras, estas. Por isso, às vezes encontro divagações e meandros tão bem conseguidos que valem mais do que a própria história e, noutras, o romance cria expectativas iniciais que depois são frustradas porque, justamente, o autor não soube ou não foi capaz de “ser vago” à altura das expectativas que tinha criado. São os livros cuja leitura inicio mas não sou capaz de concluir.
Sobre a técnica narrativa Manea acrescenta: “Não se pode planear tudo num romance, sabe? Porque os detalhes aparecem da própria vida interior do romance. Começa-se de A para B, mas depois vai-se para F e para B e depois para Z.” Isto porque “a própria vida é assim, pelo que a vida dos textos também acaba por ter de ser assim: nada obedece a uma lógica linear.”
Não consegui deixar de pensar nos produtores de best-sellers que inundam todos os anos o mercado com um novo romance nascido de um plano detalhado e seguido à risca, pois numa “receita” que funciona não há espaço para o improviso. Seria curioso ouvir como é que alguns deles refutariam este ponto de vista...
Disse também que o livro (refere-se a “O Regresso do Hooligan”) “não é uma memória cronológica” porque, tal como Proust, também pensa que “a única memória autêntica é involuntária”. Segundo Manea, “Uma memória voluntária é uma memória-pré-estabelecida” e, na vida, “somos atravessados por memórias que não controlamos, em momentos que não controlamos”.
Nas suas aulas de literatura, Manea trabalha a obra de um outro autor judeu que, como ele, viveu o Holocausto – Primo Levi. Esse trabalho tem-lhe permitido sobretudo perceber a dificuldade que os alunos, e os seres humanos em geral, têm “em apreender a ambiguidade da vida”. Concluiu até que “As pessoas procuram simplificar, têm dificuldade em aceitar que é tudo muito mais complexo que isso. O que quero dizer é isto: mesmo numa situação extrema, de vida ou morte, em que as opções são diminutas, eu defendo que a vida é complicada e ambígua.”
Neste passo do texto recordei-me, claro está, do poema de Robert Frost "The road not taken", cujos versos finais também abordam esta questão da complexidade, mesmo perante algo tão aparentemente simples como uma bifurcação no caminho que atravessa o bosque: "Two roads diverged in a wood, and I -/ I took the one less traveled by,/ And that has made all the difference."
Palavras de um escritor que pensa (como eu, neste caso). Eu até vou mais longe: mais do que dificuldade, as pessoas têm medo da complexidade que se esconde em cada um de nós, como da que se esconde na verdadeira literatura. Preferem visões simplistas, a “preto e branco” que não obrigam a um esforço de análise e de compreensão. A sociedade da informação vive “à superfície” das coisas e das pessoas porque só assim consegue acompanhar o ritmo frenético dessa mesma informação que chega de todos os lados, ainda que seja quase sempre redundante ou acessória. É uma sociedade sem tempo para pensar. Também sem grande vontade de o fazer, pois rege-se sobretudo pela lei do menor esforço.
Sem comentários:
Enviar um comentário