Sala de espera de um hospital público com lotação mais que esgotada entre doentes, acompanhantes, bombeiros, macas e cadeiras de rodas. Muitas e desvairadas gentes de todas as idades, de muitas condições e em diversos estádios de doença. Um barulho ensurdecedor que quase não permite ouvir o sistema de som que vai debitando os números das senhas de atendimento. E enquanto se percorre lentamente a engrenagem deste autêntico souk marroquino vão-se ouvindo pedaços das mais extraordinárias conversas. Às vezes parece até que as pessoas rivalizam entre si para ver quem é que tem mais mazelas no corpo. Algo do tipo: “ai tens duas doenças? pois olha, eu cá tenho quatro”. Ou então: “fizeste o exame x, invasivo e muito doloroso? Pois eu cá já fiz dois desses e um outro que ainda é pior”.
Foi aí que me lembrei da multinacional Endemol, célebre pelos seus concursos e formatos televisivos. E parece-me que temos nestes espaços de saúde pública matéria mais do que suficiente para bater recordes de audiência nos nossos canais televisivos. Seria então mais ou menos assim: um lote de concorrentes, todos utentes regulares do serviço nacional de saúde (pré-requisito), serão chamados a narrar as suas maleitas e (des)aventuras no mundo da medicina, durante um máximo de três minutos (eu cá nem para três tenho pachorra, embora admita que, dado o interesse do assunto, podería chegar aos cinco minutos para gáudio do ávido público). Tudo isto na presença de um júri devidamente habilitado, constituído por alguns especialistas que atestariam da veracidade dos actos médicos e exames relatados, e por cidadãos comuns, desses que costumam falar nos inquéritos de rua que os telejornais passam a des-propósito de quase tudo. Aos concorrentes seria depois atribuída uma pontuação (na escala de um a dez, por exemplo). Passariam à segunda ronda apenas os que tivessem mais pontos. E assim em etapas sucessivas, até se encontrar o vencedor da noite que teria naturalmente direito a uma estadia com tudo pago num dos famosos hospitais EPE espalhados pelo país, incluindo transporte especial em ambulância do INEM e realização de um check-up completo. Claro que a ambulância estaria logo ali à porta do estúdio e as câmaras de televisão acompanhariam o percurso apoteótico do vencedor até que as portas se fechassem e o veículo arrancasse em direcção ao seu destino.
Era justamente aqui que a Endemol, num verdadeiro golpe de génio mediático, poderia introduzir mais uma sequela do seu famoso formato televisivo – o do tipo Big Brother -, o que lhe permitiria matar dois coelhos com uma só cajadada. As câmaras acompanhariam então toda a viagem do concorrente vencedor até ao hospital, bem como a sua estadia e todos os pormenores dos seus exames, com direito a debate no final da transmissão e televoto do público que, assim, poderia eleger coisas como o exame complementar de diagnóstico mais doloroso, o concorrente com as entranhas mais telegénicas, a doença mais rara, o médico mais sexy, sei lá que mais. O prémio final a sortear entre os telespectadores que votassem por telefone seria, por exemplo, um exame de rastreio de qualquer uma dessas doenças que insistem em infernizar-nos a vida.
Já estou mesmo a ver as colunas dos gráficos de audências a subir pela escala acima. E, na minha conta bancária, os chorudos direitos de autor, claro está.
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