Duas Linhas é a designação de um interessante projecto dos arquitectos Pedro Costa e Nuno Louro. Consistiu no registo fotográfico da realidade urbanística do país, realizado ao longo de duas linhas paralelas traçadas de norte a sul. Duas Linhas é também um livro que conta com a análise crítica de vários especialistas portugueses e uma exposição itinerante.
Ao arrepio de algumas ideias feitas os dois autores concluiram que “Nem sempre a costa é mais densa e o interior menos ocupado” e que, muitas vezes, o grande problema reside sobretudo na dispersão urbanística, já que é mais rentável construir na periferia das cidades do que reabilitar os edifícios no perímetro urbano.
As origens históricas deste problema situam-se, segundo Vasco Mantas (Univ. Coimbra), na época romana, tendo-se criado “uma dinâmica que vai ser difícil de contrariar” e cuja principal desvantagem são os custos acrescidos que implica “a manutenção de um conjunto de actividades e serviços caros para servir uma população reduzida” num interior desertificado.
Jorge Gaspar (Univ. Lisboa) explica que a dispersão urbanística é um fenómeno multifacetado que resulta “de uma alteração nos estilos de vida e de urbanização das pessoas”, associado primeiro à necessidade de garantir habitação para “uma mão-de-obra industrial, agrícola (esta mais sazonal) de uma determinada região”, ou ainda para assegurar o vasto sector dos serviços na capital e, nas últimas décadas, associado também a uma especulação imobiliária que levou à primazia do direito de propriedade sobre a aptidão dos terrenos.
Já a realidade urbanística do norte do país, em particular do vale do Ave, é descrita por Vincenzo Riso (Univ. Minho) como “original” pois, ao longo do tempo, as actividades agrícolas, os núcleos habitacionais e as fábricas desenvolveram entre si estreitas ligações”. As recomendações e conclusões a que chega relativamente a esta zona do país são, quanto a mim, válidas para outras zonas do território: “além da indispensável atenção para zonas específicas a salvaguardar (…), (a paisagem como valor social)”, “em termos económicos a dispersão das construções viabiliza actividades flexíveis e de pequena dimensão, mas implica uma grande extensão das redes infra-estruturais, cujos custos acrescentados acabam por incidir sobre a colectividade”.
Para Riso o mais importante é perceber que “o território é um bem limitado e não renovável e, no longo prazo, a urbanização difusa vai acabar por tornar-se insustentável”. Esta ideia é corroborada por João Alveirinho Dias (Univ. Algarve) para quem a concentração urbanística no litoral não constitui em si mesma um problema desde que “a construção respeite o funcionamento natural dos sistemas”, nomeadamente as chamadas “zonas de risco” junto ao litoral, onde não deveria existir qualquer construção. Aponta como exemplos a Ria Formosa, o cordão dunar da lagoa de Aveiro e as arribas escarpadas do Algarve, zonas onde “as pressões imobiliária e turística” estão já a criar grandes problemas à preservação dos ecossistemas, podendo a situação vir a tornar-se irreversível.
Vasco Mantas (Univ. Coimbra) é mais radical pois considera que o Algarve já “está perdido”. Parece-lhe, todavia, que o litoral alentejano ainda pode ser devidamente salvaguardado, desde que se evite a criação de “uma Saint-Tropez de quarta categoria, que induz um tipo de turismo em que não vale a pena apostar”.
A dúvida que se me levanta agora é saber se, face às promessas de tantos milhões de investimento e de outros tantos de lucro fácil, associados a umas quantas centenas de empregos (ainda que transitórios, pois quando estiver estragado, os investidores voltarão costas e irão procurar outra zona ainda intacta), terão os autarcas do litoral alentejano a força suficiente para dizer “não”? Duvido muito.
Terão os nossos (des)governantes, na actual situação de profunda crise económica, a coragem de impor regras aos especuladores que estão a construir futuras cidades-fantasma no litoral do país? Duvido ainda mais.
E quanto aos 'grandes projectos' que se anunciam aí um pouco por toda a parte – o turismo, a qualidade de vida, as grandes apostas nisto e naquilo, blá, blá, blá - pouco mais são do que demagogia pura para assegurar votos, não o futuro a médio e longo prazo dos que têm a coragem, a vontade ou a impossibilidade de fazer outra coisa a não ser ficar aqui pelo interior sul do país. Resta saber até quando conseguiremos ter forças e meios para nos aguentarmos como uma espécie de derradeiro hdique contra o deserto. Como somos cada vez menos e estamos cada vez mais velhos, pode bem ser só uma questão de tempo até a barreira ceder.
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