Não estive por estes dias em Itália mas, como no filme de James Ivory (1985), tive direito a room with a view. Se calhar é melhor dizer with views, pois acho que fui compensada – pelo facto de não ter estado em Itália, claro! – com duas vistas distintas, porém complementares.
É que, de um lado, a janela abria directamente para as trajectórias de voo das cegonhas sobre o fundo vermelho e comprido do telhado fronteiro, já em manobras de aproximação ao seu destino final, situado do lado oposto do largo e cuja visão era acessível através de uma segunda janela. Esta permitia uma vista panorâmica para os dois altivos campanários que ladeiam a imponente fachada barroca – e é sobretudo de fachada que se trata, pois a igreja em si, apesar de muito bela, é diminuta – e enquadram uma majestosa cúpula, encimada por um lanternim cilíndríco, o qual, por sua vez, está como que coroado por pilaretes de alvenaria e ostenta uma graciosa cruz de ferro no centro. É justamente no espaço interior destes pilaretes, com o crucifixo espetado no centro – o qual será absorvido dentro de poucos anos pelo inevitável crescimento do ninho –, fazendo lembrar um daqueles toldos de colmo da praia virado ao contrário, que as cegonhas aterram no fim das suas viagens aéreas. Neste espaço que se pode descrever como apalaçado, o casal goza de uma perspectiva única, tanto sobre a paisagem urbana, como sobre os campos em volta. De vez em quando circundam o crucifixo, examinando o ninho, e ocupam largos minutos a tentar perceber qual o melhor sítio para integrar algum novo material recentemente chegado no bico de um deles: põe aqui, experimenta ali, não, afinal, fica melhor além. Depois, ficam erectas durante largos momentos, a apreciar o sol enquanto a brisa matutina lhes desalinha as penas, como que pensativas ou talvez apenas a velar pelo filhote cujo pescoço branco já é perceptível no emaranhado de paus e lama seca. É então que uma delas estica as asas e se deixa cair no vazio, batendo suavemente as asas para se elevar nas correntes ascendentes. Revezam-se ao longo de todo o dia na árdua tarefa de procurar e transportar a comida que alimenta a única cria do ninho.
Só ao fim da tarde voltam a juntar-se para descansar e apreciar os últimos raios de sol, enquanto os transeuntes passam em baixo, na rua, às centenas, alheios a este pequeno e encantador pedaço de mundo situado num plano muito superior, fora do alcance dos seus olhos.
Embora a vista para os telhados de Florença seja, sem dúvida, magnífica, para mim, esta não lhe ficou atrás em nada.
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