domingo, 30 de maio de 2010

Uma visita ao museu

Prolegómenos
Às vezes não é fácil ocupar de modo produtivo e minimamente interessante os tempos vazios destas férias antecipadas que o serviço nacional de saúde me concedeu. Assim um destes dias, aproveitando a vinda de uma amiga que há quase um ano combate um cancro e, por isso, tem que fazer juntas médicas regularmente, decidimos aproveitar a manhã para pôr a conversa em dia, enquanto nos ocupávamos a fazer alguma coisa de que ambas gostássemos.

E o que mais gostamos de fazer quando nos juntamos é visitar exposições, museus ou algum sítio que nos interesse em particular, enquanto conversamos sobre quase tudo, e fazemos tempo para uma agradável refeição em algum sítio escolhido por ser novo, por ser diferente ou por servir boa comida.

Ora eu já tinha tentado visitar o renovado Museu do Artesanato mas fazia-o quando eu e toda a gente que trabalha tem tempo disponível e, não sei bem porquê, encontrei sempre a porta fechada (coisa que, aliás, sempre foi uma marca distintiva da cidade património mundial!). Por isso foi essa a proposta que fiz para ocuparmos o final da manhã. À entrada cobraram dois euros a cada uma e lá iniciámos a visita, com a sala literalmente por nossa conta, pois éramos as únicas visitantes e durante a hora que lá permanecemos também mais ninguém entrou.

 
Breve analepse
Visitei por diversas vezes o Museu do Artesanato, uma das quais na agradável e sábia companhia de Túlio Espanca que explicava como só ele sabia, não apenas a história do belo edifício em que está instalado, mas também das peças que constituíam o seu acervo. Desconheço as razões que levaram ao seu encerramento durante largos anos e sei menos ainda das justificações para a sua reabertura. Apenas tenho lido nos blogues locais e recebido no mail sucessivos apelos no sentido de assinar uma petição para que não volte a ser encerrado. Tinha, pois, um redobrado interesse em ir lá: para ver como estava depois de tantos anos e para o visitar uma última vez antes de fechar de novo e, se calhar, de modo definitivo. Confesso que ia, de facto, com alguma curiosidade e expectativa e que levava na memória as imagens que o tempo não tinha apagado. Era uma única sala com imponentes colunas de granito e um belo tecto em que se procurava reconstituir com objectos genuínos a vida quotidiana dos montes alentejanos. Lembro-me da reconstituição do quarto de dormir com a cama de ferro, o lavatório em ferro, a colcha de chita, etc., ou da sala de jantar com os tradicionais móveis pintados. Recordo também uma profusão de peças, em materiais diversos, algumas de grande beleza e criatividade artística, que enchiam a vasta sala.

In media res
A sala continua a ser a mesma, mas agora realçada por painéis coloridos e com um jogo de luzes que sublinham de modo harmonioso, não apenas as peças expostas, mas também a bela arquitectura da sala. Há um relativamente reduzido número de peças em exposição, algumas em modernos suportes de metal e acrílico, num conceito que é agora muito habitual em museologia. E que me parece bem num museu municipal ou nacional onde se expõem sobretudo peças de arte – quadros, esculturas, jóias, ourivesaria, etc. - que valem por si mesmas e exigem espaço à sua volta para se poderem apreciar devidamente e sem interferência de outras peças idênticas, e que têm força suficiente para caracterizar o contexto histórico-artístico em que foram criadas. Mas estas são peças de natureza bem distinta: muitas delas eram de uso quotidiano e doméstico, dão testemunho de vivências que pertencem irremediavelmente ao passado, são memórias de tempos e modos de vida hoje extintos e, para serem significativas e compreendidas, necessitam desse contexto específico em que eram criadas e utilizadas. Assim isoladas, expostas em vitrines, acompanhadas de um seco rótulo que apenas indica a data e a quem pertence(ra)m, estão como que “despidas” de sentido e, sobretudo, desprovidas de interesse para os citadinos que visitam o museu e que não possuem nem os conhecimentos, nem as vivências e muito menos as memórias que lhes permitam contextualizá-las ou sequer apreciá-las.

Dada a natureza deste museu acho que, antes, fazia mais sentido, com as peças integradas nos diversos ambientes domésticos e rurais recriados. Dou como exemplo o vaso de noite, alto, com duas asas, em barro vidrado e decorado com belos tons de verde, colocado ao lado de diversas talhas e cântaros em barro que se destinavam a refrescar a água. É no mínimo uma associação estranha e a indicação a seco contida no rótulo da peça - “vaso de noite” - não dirá muito à maioria dos visitantes. Suponho que alguns até poderão pensar que se trata de uma espécie de copo XXL para água ou algo assim do género. Achei também estranha a mistura anacrónica de peças – como é o caso das vitrines com peças em cortiça - sem que se consiga entender qual é o critério lógico subjacente a esta opção.

Uma grande parte do espaço útil da sala está destinado a exposições temporárias e, por isso, o número de peças expostas é bastante reduzido, eu diria até que é redutor face à riqueza do espólio que conhecia. No final, aparece-nos isolada e em destaque sobre uma mesa uma peça de olaria contemporânea de grandes dimensões - “a polaroid do casamento” da Oficina da Terra - a qual, assim desgarrada - não existe nenhuma outra peça deste género em toda a sala - não deixa perceber o motivo da sua presença ali já que se integra num tipo totalmente distinto de artesanato: urbano e conceptual, até com um certo carácter irónico ou mesmo caricatural, que não faz, na minha opinião, muito sentido naquele espaço.

Epílogo
A visita valeu pela qualidade e interesse de algumas das peças expostas e, sobretudo, porque agora sei do que se fala, quando se fala do Museu de Artesanato. Considero que o preço da entrada é elevado face ao que o museu tem para oferecer aos visitantes (quantidade e qualidade da exposição, não das peças em si), embora compreenda que as suas despesas de funcionamento e manutenção são de certeza bastante elevadas. Fica-se é com a infeliz ideia de que o artesanato é uma coisa assim um tanto pobrezinha e acho que isso é o mais lamentável de tudo, quando se conhece a riqueza e a diversidade, tanto do artesanato, como dos artesãos alentejanos.

Falta ali, claramente, um “golpe de asa” qualquer.

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