domingo, 31 de janeiro de 2010
A importância de ser (como) César
Numa extensa entrevista concedida ao jornal Público (P2, 13/1/10), o historiador Adrian Goldsworthy explica por que razões estudar a cultura clássica nos permite compreender melhor as contradições que marcam os dias que vivemos. E entre as várias razões apontadas destaca o facto de a cultura clássica estar embebida na nossa história e na nossa cultura; a possibilidade de estabelecermos paralelos entre os romanos e nós, os quais nos ajudam a compreender melhor determinados acontecimentos políticos da actualidade e, por fim, como a análise das batalhas travadas pelos grandes generais romanos nos permite perceber o que é um verdadeiro líder e por que é que alguns triunfam e outros fracassam no mundo da política.
Júlio César é, a este propósito, apresentado no livro César - A vida de um colosso (2008), como um caso exemplar, pois embora nem sequer tenha chegado a ser imperador, a sua influência em Roma foi de tal forma marcante que todos os imperadores de Roma se vieram depois a chamar César. Isto, apesar de a sua carreira política e militar romper com os padrões habituais, como sublinha Goldsworthy. César inicia a vida pública como causídico e tribuno, o que lhe permite desenvolver os seus dotes de orador. Já tinha quarenta anos quando entra na vida militar e se torna a principal figura de Roma, na sequência de uma guerra civil que culminou com a lendária travessia do Rubicão, tendo derrotado as tropas de Pompeu, o Grande. Os seus sucessos como figura pública foram sempre políticos e militares já que, na Roma antiga, uma coisa implicava a outra. A mais conhecida campanha militar de Júlio César foi a da Gália. Durou mais de uma década e motivou a escrita, pelo próprio, da obra Comentários sobre a guerra na Gália.
Como é que um homem praticamente sem experiência militar anterior conseguiu conduzir um exército numeroso à vitória num terreno tão difícil e hostil? Adrian Goldsworthy responde dizendo que César tinha uma capacidade simultaneamente natural e intuitiva de desempenhar bem tarefas que a maior parte de nós levaria algum tempo a aprender. Além disso, sabia retirar ensinamentos dos erros que cometia e não voltava a repeti-los. Tinha ainda outras características extraordinárias e decisivas para o seu sucesso: “ao mesmo tempo que tomava decisões difíceis [era] capaz de criar uma enorme empatia com os seus homens”, “sabia sempre onde estar no campo de batalha e, sobretudo, sabia transmitir confiança”; “dirigia-se sempre ao povo de Roma tocando em pontos sensíveis que preocupavam as pessoas, por vezes num registo quase populista, mas mantendo-se fiel a causas que eram problemas reais, como a necessidade de uma distribuição das terras mais justa ou um melhor governo das províncias”. Como explica ainda Goldsworthy, “há pessoas que fazem com que as coisas aconteçam” e Júlio César era uma delas, porque tinha aquilo que distingue um líder: fazer “com que os processos ocorram de forma natural, oleada e rápida, quase como se não estivessem lá: é aí que se consegue distinguir quem tem ou não capacidade de liderança, quem tem de impor as suas ordens ou orientações e quem é naturalmente seguido”.
Com Júlio César “a diplomacia e a política marcham sempre a par com a força militar, pois “Uma das coisas que César sempre percebeu foi que a vitória militar não era suficiente” e que “Há que pensar no dia seguinte às batalhas”. Por isso, “ Durante a campanha da Gália reunia todos os anos com os líderes tribais. O seu objectivo não variava: através das vitórias militares sempre quis criar uma situação em que os líderes locais se sentissem mais satisfeitos por estar dentro do mundo romano do que lutando contra ele”. É aqui que o historiador conclui que César e outros grandes generais romanos nos poderiam ensinar muito sobre “um dos maiores dilemas dos conflitos militares actuais - como ganhar as chamadas “guerras assimétricas”-, já que foi neste domínio que se revelaram especialmente competentes. E as razões, segundo Goldsworthy, são mais políticas do que militares. Primeiro, tiveram “a noção de que era necessário que o adversário acabasse por perceber que Roma iria sempre sair vencedora, mais cedo ou mais tarde, porque era imensamente mais poderosa” e, por isso, não se permitiam o mínimo recuo ou sinal de fraqueza. Depois, eram “muito bons a convencer a opinião pública de que as guerras eram justas, pois tinham a preocupação de tornar claro o que era a guerra, o que ela implicava, o que ela custava”.
Com a interrogação “o que é que isto nos ensina?”, Goldsworthy estabelece então a ponte temporal entre Roma antiga e a época contemporânea, dizendo que “temos de perceber o que o adversário pensa, o que deseja, porque o mais provável é que pense de forma muito diferente da nossa. Se insistirmos em vê-lo como parecido connosco, a grande probabilidade é que falhemos os nossos objectivos”. Afirma depois que “nunca podemos dar um sinal de fraqueza”, é preciso sermos persistentes para levar as coisas até ao fim. Por fim, considera que é preciso ter uma opinião pública favorável às acções militares. Ora, de acordo com o historiador, sobretudo na Europa, mas também já na América, ninguém está “disposto a lutar até ao fim”. “E nas batalhas que hoje se travam, no Iraque ou no Afeganistão, se o adversário percebe que não se quer permanecer muito mais tempo, então o seu raciocínio é simples: basta-lhe esperar. É por isso que os Estados Unidos deviam provar que são capazes de lutar o tempo que for necessário, mas isso não está acontecer”.
São todas estas razões, polémicas sem dúvida, até mesmo contraditórias, mas também pertinentes, que, para Adrian Goldsworthy justificam que se volte a estudar latim e cultura clássica nas escolas e a ler os Comentários sobre a guerra na Gália nas academias militares, como acontecia há algumas décadas atrás. Ainda segundo o historiador, sem medo de que certas coisas se repitam, pois, apesar de tudo, a humanidade mudou para melhor e os espectáculos de circo que culminavam na morte de seres humanos são agora uma impossibilidade.
Contudo, aqui, conhecendo a paixão ibérico-latina por touradas e vendo diariamente as imagens das coisas degradantes que acontecem todos os dias por esse mundo fora, e que não ficam nada a dever em malvadez e desumanidade ao circo romano, é que eu tenho algumas discordâncias: é que o César que ia ao Circus Maximus deleitar-se com os gladiadores e com as feras era o mesmo que escrevia cartas onde manifestava uma profundidade humana em tudo semelhante à nossa. Capaz do melhor e do pior, como qualquer um de nós.
E, ainda a propósito de Júlio César, vale a pena ver este excerto do filme "O Clube do Imperador" que é uma excelente lição de história mas, sobretudo, uma grande lição de vida, como o livro de Adrian Goldsworthy: http://www.youtube.com/watch?v=AALXuCfcOSQ
Post-scriptum - escrito em Évora, antiga Ebora romana que, justamente por se ter mantido fiel a Júlio César nas guerras civis, recebeu como recompensa o título honorífico de Liberalitas Iulia. É caso para dizer. Ave Caesar!
sábado, 30 de janeiro de 2010
A conta do tempo
E se, um dia, alguém me pedir conta do tempo que passo por aqui a escrever, a ver, a ouvir ou, sobretudo, a procurar? Que poderei eu responder? Talvez a dificuldade maior nem seja o que dizer. O problema está mais no como começar. Por isso, pensei que um pequeno passeio pelas contas do tempo que outros já fizeram me pudesse avivar as ideias. E os clássicos parecem-me ser a melhor forma de iniciar esta viagem. Encontrei logo este soneto de Camões:
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto
E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
São palavras que exprimem uma dor existencial profunda e sem esperança, nas quais o poeta distingue “o tempo natural, (…) do tempo humano irreversível, instável, que muda as coisas sem uma lei ou uma razão, apenas com um sentido: para pior. Um tempo «errado». A reflexão sobre o tempo resulta numa análise imbuída de cepticismo sobre a consistência do bem passado. (...) Duvida-se de que alguma vez ele tenha existido e não seja mais do que um efeito de contraste perante a infelicidade presente, uma ilusão da memória que inventaria uma felicidade passada que não existiu. Ou, se existiu, serviu apenas para «semente» de mal.” (Maria Vitalina Leal de Matos, in Introdução à poesia de Luís de Camões)
Dou então um salto ao século vinte para ouvir “Avec le temps” de Leo Ferré. Para além da dor e da solidão, a pungente voz de Ferré fala de desamparo e de perda. É quase como um eco musicado das palavras de Camões.
Ora, dar conta de tempos assim, para além de doloroso, é para mim quase impossível, pois quando acabasse de escrever já tudo estaria mudado e as palavras não fariam sentido nessa nova realidade. Seria preciso recomeçar. Só que não disponho de muito tempo, e muito menos tenho o poderoso engenho lírico de Camões ou a força vocal de Ferré para me poder permitir o luxo da permanente (re)criação de tudo até encontrar «um tempo certo» para mim. Decidi, assim, avançar na minha busca.
Novo flashback até ao século dezassete e aos seus elaborados jogos conceptuais e linguísticos, muito centrados nos dilemas da existência. Foi lá que encontrei este soneto bem curioso, de autor anónimo:
Deus me pede do tempo estreita conta!
É preciso dar conta a Deus do tempo;
mas quem gastou, sem conta, tanto tempo
como dará sem tempo tanta conta?
Para fazer a tempo a minha conta
Dado me foi, por conta, muito tempo:
mas não cuidei na conta e foi-se o tempo...
Eis-me agora sem tempo, eis-me sem conta!
Ó vós que tendes tempo sem ter conta,
não o gasteis sem conta em passatempo,
cuidai, enquanto é tempo, em terdes conta.
Pois, se quem isto conta do seu tempo,
houvesse feito a tempo, apreço e conta,
não chorava sem conta o não ter tempo.
Aqui está em causa a consciência amarga de um tempo desbaratado em vão e do qual, depois, sentimos falta para realizar outras coisas que, percebemo-lo demasiado tarde, são as mais importantes. Embora tenha ficado encantada com o artifício engenhoso desta resposta, e considere que mais cedo ou mais tarde todos passamos um pouco por aqui, considerei que este soneto ainda não se enquadrava totalmente nas minhas necessidades pessoais, até porque, de amarguras, já bastam as que me atormentam o espírito.
Foi então que me recordei de uma antiga lengalenga infantil: O vento perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao vento que não tem tempo para dizer ao vento que o tempo do tempo é o tempo que o tempo tem.
Este é daqueles enunciados que responde, mas não diz nada. Para algumas pessoas ou em algumas situações pode até ser o mais conveniente. O tempo que o interlocutor leva a tentar digerir o que escutou, é mais do que suficiente para permitir a fuga para um tema menos polémico ou comprometedor das nossas pessoas. Resolvi, por isso, guardá-la na manga.
Foi por acaso, ao ler o jornal, que encontrei a resposta que mais me convém: O tempo que gostas de perder não é tempo perdido. Quem a disse foi Bertrand Russell e quem sou eu para contestar a sua afirmação? Bem pelo contrário, apropriei-me logo dela porque serve muito bem os propósitos desta minha demanda e tem ainda uma outra vantagem: com ela posso neutralizar algumas vozes que, eventualmente, venham a inquietar-se com o tempo dispendido nas minhas andanças blogosféricas, nomeadamente, a da minha própria consciência (que, ainda por cima, é chata como tudo).
Esta perspectiva inovadora e optimista de que «não é tempo perdido, desde que se goste» faz-me sentir tão leve que só posso acompanhar Gilbert Bécaud a cantar “Et maintenant que vais-je faire de tout ce temps que sera ma vie?”, e ficar bem com isso.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Erudição legislativa
Em meados do século dezanove, o presidente Abraham Lincoln, proclamou oito leis sobre a governação dos homens e da res publica. Homem de ideias muito à frente do seu tempo - a vontade férrea de abolir a escravatura foi apenas uma delas -, com estas oito máximas revelava não apenas uma visão clara do essencial, mas também um grande poder de síntese, e uma invejável clareza de ideias: Foram então, e continuam a ser hoje, verdades incómodas para muitos ouvidos:
1. Não chegarás à riqueza, se desprezares a economia.
2. Não podes fortalecer o fraco, enfraquecendo o forte.
3. Não podes ajudar o operário, rebaixando quem lhe paga o salário.
4. Não promoves a fraternidade dos homens, incitando ao ódio de classes.
5. Não podes ajudar o pobre, destruindo o rico.
6. Não tentes estabelecer uma segurança bem fundamentada com dinheiro emprestado.
7. Não podes dar ao homem valor e carácter, tirando-lhe a iniciativa e a independência.
8. Não podes ajudar os homens, fazendo tu o que eles poderiam fazer.
Por cá, e na vigência do chamado Simplex, que tudo comanda na administração da coisa pública (e este é um detalhe muito importante), produzimos leis como esta:
“O presente decreto-lei altera o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo DL nº 139-A/90, de 28 de Abril, alterado pelos DL nº 105/97, de 29 de Abril, 1/98, de 2 de Janeiro, 35/2003, de 17 de Fevereiro, 121/2005, de 26 de Julho, 229/2005, de 29 de Dezembro, 224/2006; de 13 de Novembro, 15/2007, de 19 de Janeiro, e 35/2007, de 15 de Fevereiro, (...). O presente DL altera, ainda, os DL nº 20/2006, de 31 de Janeiro, e 104/2008, de 24 de Junho.” Só falta acrescentar que esta transcrição constitui o Artigo 1º do DL 270/2009, de 30 de Setembro, ou seja, é o ECD em vigor (que já está a ser renegociado e, em breve, será de novo re-publicado) e funciona como uma espécie de «mote» para as várias dezenas de artigos que se lhe seguem.
Está claro que, nos dias que vivemos, as leis não podem ser reduzidas a máximas, por mais sábias e pertinentes que sejam, mas este ECD constitui uma autêntica demonstração de preciosismo e erudição legislativa. Só justificável porque o objectivo aqui é mesmo contrariar de forma deliberada, na letra e na prática, a Lei 7 de Lincoln: é que professores com valor, carácter, iniciativa e independência não curvam tão facilmente a espinha, por isso, é mais simples reduzi-los a funcionários (cá está o tal simplex). O problema é que a pastilha, embora amarga, está tão bem disfarçada, que alguns dos visados ainda nem deram pelo mau sabor.
O futuro da escola
Esta não será a escola do futuro, mas, pelo caminho que as coisas levam, pode bem vir a ser o futuro na escola. Presente ou futuro hipotético, o melhor é rir, em vez de chorar. Ou, o que seria ainda melhor, chorar a rir.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Declaração de cidadania
E eu?
Passo por eles: vejo-os, ouço-os.
Cada vez entendo melhor o que são, o que fazem e o que dizem: nada.
Cada vez percebo melhor o que querem: aproveitar-se.
Cada vez me sinto mais distante deles: do que dizem, do que fazem, do que são e do que querem.
Sou dos que escolheram ficar na sombra, longe deles. É que há luzes capazes de cegar até o próprio entendimento. E eu quero, pelo menos, continuar a ver.
Contradições
As contradições deste nosso mundo são engraçadas! Claro, nós que fazemos o mundo, também o somos! E eis aqui um belo exemplo da hipocrisia vigente! Em 2001, o ataque às Torres Gémeas gerou uma onde global de indignação, ódio e revolta. Algo sem paralelo, que levou diversos países, sob pretexto de esmagar as redes terroristas, a declarar guerra, a atacar e a destruir vários outros países, sem olhar a despesas, tanto em vidas humanas, como em meios materiais.
Contudo, a indignidade, o sofrimento e a indigência que, desde sempre, têm dizimado países inteiros, quase sempre por causas fúteis, nunca, até hoje, incomodaram praticamente ninguém. Apenas motivam umas campanhas de solidariedade que ficam bem e aliviam as pesadas consciências, embora não resolvam, de facto, coisa alguma.
Foi para chamar a atenção para esta desproporção contraditória e vergonhosa dos números e das reacções que eles despoletam que a MTV montou uma campanha publicitária constituída por estes três anúncios:
“2863 pessoas morreram. 824 milhões de crianças passam fome em todo o mundo. O mundo uniu-se contra o terrorismo. Já se deveria ter unido contra a fome”.
“2863 pessoas morreram. Há 630 milhões de sem-abrigo no mundo. O mundo uniu-se contra o terrorismo. Já se deveria ter unido contra a pobreza”.
“2863 pessoas morreram. Há 40 milhões de infectados por HIV no mundo. O mundo uniu-se contra o terrorismo. Já se deveria ter unido contra a SIDA”.
Parece que estas imagens, e respectivos slogans, tocaram mesmo num ponto sensível e incomodaram tantos e tanto, que a estação americana foi forçada a cancelar, de imediato, a campanha. Aliás, os anúncios passaram uma única vez. Tendo isto acontecido no país que dá ‘lições ao mundo’ é caso para dizer: em casa de ferreiro, espeto de pau, ou seja, na grande casa da democracia, a consciência fica, quase sempre, à porta.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
A bio-adversidade
No Ano Internacional da Biodiversidade, cujo objectivo é alertar para a decrescente veriedade das espécies que vão subsistindo no planeta, esta pequena pérola de Chico Buarque e Francis Hime, chamada Passaredo, diz quase tudo o que há para dizer sobre este tema:
Ei, pintassilgoOi, pintaroxo
Melro, uirapuru
Ai, chega-e-vira
Engole-vento
Saíra, inhambu
Foge asa-branca
Vai, patativa
Tordo, tuju, tuim
Xô, tié-sangue
Xô, tié-fogo
Xô, rouxinol sem fim
Some, coleiro
Anda, trigueiro
Te esconde colibri
Voa, macuco
Voa, viúva
Utiariti
Bico calado
Toma cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
Ei, quero-quero
Oi, tico-tico
Anum, pardal, chapim
Xô, cotovia
Xô, ave-fria
Xô, pescador-martim
Some, rolinha
Anda, andorinha
Te esconde, bem-te-vi
Voa, bicudo
Voa, sanhaço
Vai, juriti
Bico calado
Muito cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
É que a grande adversidade da biodiversidade tem apenas um nome: o homem.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Em contramão na "Escada sem corrimão"
Sobem-se e descem-se os degraus todos os dias, várias vezes durante o dia. Há dias em que é mais fácil subi-los. Há dias em que parece que não teremos forças para o fazer. Noutros, temos que parar a meio para retomar o fôlego. Outros dias há ainda em que, chegados lá acima, olhamos para baixo e não conseguimos perceber como é que arranjámos forças e coragem para subir. Às vezes os degraus são muros de pedra. Outras vezes são encostas escarpadas, de ar rarefeito, onde respirar é difícil e caminhar é penoso. Noutros dias, depois de subir e descer, é preciso descansar. Em certos momentos, conseguimos subir dois lances quase a correr, como se tivessemos, de repente, perdido peso. E é extraordinário. Outras vezes pensamos: “Basta! Não quero subir mais!”. Só que há razões que têm mais razão do que a nossa própria vontade. E lá nos arrastamos escada acima, mais uma vez.
Em certos momentos, a dor é tão forte que nem deixa ver os degraus: subimos às cegas, levados pela mecânica da rotina. Noutras alturas, descemos as escadas ao ritmo ansioso da expectativa, o coração a bater com mais força, antecipando a alegria de um reencontro. Ah, mas isso, afinal, foi há muito, muito tempo, numa outra dimensão: a da pura ilusão.
Há momentos em que só desejamos que a escada desapareça e que os degraus se desfaçam em pó, pois são inúteis. Afinal, tudo acaba como começa, sempre no mesmo sítio: no chão. Há dias de subir e descer mais ou menos. Também há dias de subir menos e descer mais. Há dias em que vamos contando os degraus - um, dois, três... – até porque não há mais nada para contar. À medida que vamos deitando fora o lastro do coração subir é mais fácil. À medida que vamos esquecendo os sonhos pelos degraus é mais fácil descer. Quando começamos a aceitar que subir e descer é exactamente a mesma coisa já nem notamos a falta do corrimão.
Quando subir e descer os degraus é o único ritmo que marca cada um dos dias certos e contados da nossa existência, subitamente, percebemos: vogamos no vazio, com os pés assentes no chão. Nesse preciso instante, a vertigem que começa a zumbir nos ouvidos obriga-nos a parar para não cairmos. E depois lá subimos os restantes degraus e voltamos a descer. Se, no dia seguinte, formos capazes de tornar a fazê-lo sem cair a meio, e no dia a seguir também, e no outro, e no outro, compreendemos ainda que, afinal, mesmo sem alma, é possível funcionar. E ficamos mais aliviados.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
domingo, 24 de janeiro de 2010
Ida ao teatro
Em Fevereiro de 1970, a revista Vida Mundial publicava a tradução de uma extensa entrevista de Jean-Paul Sartre ao periódico britânico “New Left Review”. À pergunta “Continua ainda a escrever peças de teatro?”, Sartre respondeu:
"Sim, porque o teatro é ainda outra coisa diferente. Quanto a mim é essencialmente um mito. Considere, por exemplo, um pequeno burguês que leva o tempo todo a discutir com a mulher. Se gravar as discussões, ter-se-á um documento não apenas sobre este casal, mas ainda sobre a pequena burguesia em geral e o seu universo, sobre aquilo que a sociedade fez destes burgueses, etc. Dois ou três estudos deste tipo bastam para tirar o valor a todo e qualquer romance sobre a vida de um casal pequeno-burguês. Em contrapartida, a imagem que das relações entre um homem e uma mulher nos dá Strindberg em «A Dança da Morte» não será jamais ultrapassada. O assunto é o mesmo, simplesmente está tratado ao nível do mito. O autor dramático apresenta às pessoas a eidos (forma ideal) da sua existência quotidiana; mostra-lhes a sua própria vida como se a estivessem vendo do exterior. Nisto residia o génio de Brecht. Brecht protestaria violentamente se alguém lhe dissesse que as suas peças eram mitos. E, no entanto, o que é a «Mãe Coragem» senão uma peça contra os mitos, transformada, embora contra-vontade, num mito?"
Um ano depois, em 1971, na Casa da Comédia, Jorge Listopad levava pela primeira vez à cena uma peça escrita por António Patrício em 1909 - O Fim, história dramática em dois quadros -, à qual assenta perfeitamente a explicação de Sartre sobre o que é o teatro: mostrar-nos a vida como se a estivéssemos a ver do exterior, neste caso particular, mostrar-nos até a (des)construção de alguns mitos e fantasmas do nosso imaginário colectivo:
"A Aia – E agora?...
O Desconhecido – Agora... Morreu a capital: há mais país. Triunfar pela vida ou pela morte, mas triunfar. Fomos iniciados.
A Aia – Triunfar ainda... é impossível.
O Desconhecido – Desde ontem a realidade é o impossível.
A Aia - Mas que esperança o trouxe aqui... ao Paço?...
O Desconhecido - Quero falar à Rainha, quero vê-la. Esteja como estiver... o que me importa! É o prestígio de um preconceito milenário, a ilusão que ele me dá de estabilidade, que eu preciso agitar nas minhas mãos, como um trapo hipnotizante, um espantalho. É a hora estranha de erguer mais os ídolos. Destruí-los é depois, muito mais tarde.
A Aia – Oh! Este já não tem que destruir. Um ídolo... a Rainha! Vai já vê-la. É menos que a memória de uma morta: a caricatura de um espectro, não sei quê!...
O Desconhecido – É uma forma ainda. Isso me basta. Tem ouropéis: mascara-se de símbolo. Transporta-se outra vez para o Paço Grande. Inventa-se uma heráldica... uma corte. Há criados aqui. Servem-nos esses. Tem-se assim um simulacro de realeza, a ficção teatral que ainda fascina. Nada mudou sob este aspecto, nada! E a alma do resto do país encadeia-se então ao rubro-branco nesta obsessão suprema: a autonomia! Se sobrevivermos... mais tarde... há outros destinos. Por agora: não desviar a atenção um só segundo, do podridero épico que vemos: receber-lhe a confidência axaltadora, a sugestão de loucura fulgurante, e arrastar o que na raça há de mais forte, numa vertigem lívida, ao triunfo, à vitória na vida, ou só na morte (apontando as janelas) como a desses que lá foram reinam..."
In O Fim, António Patricio, Quadro Segundo
Depois de ouvir Jorge Listopad contar como descobriu o texto de forma fortuita nas caves da Lello, no Porto, e, sobretudo, a aventura que foi encenar o texto em 71, já na vigência da designada «primavera marcelista», mas com o espectro da censura a pairar muito atento sobre tudo o que dizia respeito à cultura, não fossem os espíritos ficar ‘intoxicados’, assisti à representação da peça pelo Cendrev, juntamente com um punhado de gente embrulhada em mantas até ao pescoço (Listopad, ainda antes da peça começar pediu uma segunda manta e, a nós, não nos faltou vontade para fazer o mesmo, mas...), quase sentados ao colo uns dos outros para mantermos o pouco calor que os nossos corpos conseguiam gerar. Mesmo assim gostei: da peça (o texto tem uma força extraordinária), dos actores, muito em especial da Rainha (Rosário Gonzaga), da cenografia e da música.
sábado, 23 de janeiro de 2010
Marimba Spiritual
Pedro Carneiro, além de ser um dos melhores maestros da sua geração, toca magistralmente um instrumento estranho e fascinante: a marimba. Nos concertos que faz a solo tem sempre a preocupação de explicar ao público a sua história, particularidades e exigências. Neste pequeno video, filmado em Maio de 2007, o músico executa ao vivo "Marimba Spiritual" de Minoru Miki's, em Kawaguchi's Lilia Hall, no Japão, com Mariko Yamamoto, Chieko Sugiyama e um aluno de Yamamoto. Tive a sorte de ver um dos seus concertos, aqui há três ou quatro anos, em Portalegre. Não me importava nada de repetir, pois foi um espectáculo extraordinário.
Variação poética sobre uma dor antiga
Ou melhor, variação sobre a vida que se esvai ou se desfaz “por um fio” de hesitação ou de fraqueza, sobre a angústia e a raiva de a vida ser assim.
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.
Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Telejornal II
(A propósito das inquietantes notícias sobre a situação dos órfãos no Haiti...)
O homem é lobo do homem, sobretudo quando encontra presas fáceis e abundantes.
Na História da Evolução das Espécies, Darwin deve-se ter esquecido (ou talvez não tenha tido tempo) de redigir um capítulo muito importante: aquele em que descreveria como, a partir de uma determinada altura, a espécie humana entraria em involução mental, moral e axiológica. É que, ao ouvir tais notícias, não se pode pensar noutra coisa.
Sobre o ensino e a aprendizagem da língua
Em “O que falar quer dizer”, publicado em 1982, Pierre Bourdieu aborda a língua e a linguagem na perspectiva das ciências sociais, isto é, a língua como instrumento de (de)marcação social e de poder. Fala também daquilo que designa como “língua legítima” e que descreve assim: “é uma língua semiartificial que deve ser submetida por um trabalho permanente de correcção, o qual compete simultaneamente a instituições especialmente criadas para esse fim e aos falantes individuais. Por intermédio dos seus gramáticos, que fixam e codificam o uso legítimo, e dos seus mestres, que a impõem e inculcam através de numerosos acções de correcção, o sistema escolar tende, nesta matéria como noutras, a produzir a necessidade dos seus próprios serviços e dos seus próprios produtos, trabalho e instrumentos de correcção.” (p. 46)
Ainda a propósito da escola e da aprendizagem, escreve, na pág. 39, que “O custo de formação não é uma noção simples e socialmente neutra. Engloba – em grau variável segundo as tradições escolares, as épocas e as disciplinas – despesas que podem ultrapassar grandemente o mínimo «tecnicamente» exigível para assegurar a transmissão da competência propriamente dita (se é que é possível dar uma definição estritamente técnica da formação necessária e suficiente para cumprir uma função e da própria função...). Como exemplo de “uma boa medida do custo económico da formação”, o autor refere a duração da escolaridade, a qual “tende a ser valorizada em si mesma e independentemente do resultado que produz”, o que tem levado ao progressivo alongamento da permanência dos alunos na escola. Isto significa que, para nós, “a qualidade social da competência adquirida, que se marca (…) pela maneira de realizar os actos técnicos e de pôr em acção a competência, aparece como sendo indissociável da lentidão da aquisição, sendo os estudos curtos ou acelerados sempre suspeitos de deixar nos seus produtos as marcas da forçagem ou os estigmas da repescagem.”.
Bourdieu conclui o seu raciocínio dizendo que “este consumo ostentatório de aprendizagem (ou seja de tempo)” preenche “as funções sociais de legitimação, entra no valor socialmente atribuído a uma competência socialmente garantida”, ou seja, está implícito na certificação dos alunos no final do percurso escolar. Não é nada difícil transpor este “retrato” para a realidade actual do nosso ensino. Podemos até acrescentar ao “custo técnico” da formação o programa de modernização das escolas, agora em curso, uma vez que estão a ser gastos milhões em obras e equipamentos ultra-modernos: computadores, quadros interactivos, acessos à rede global e criação de redes internas, software didáctico avançado, novos laboratórios e salas de aula mais adequadas, etc.
Contudo, dez páginas à frente, Pierre Bourdieu escreve que “tal como a sociologia da cultura, a sociologia da linguagem é logicamente indissociável de uma sociologia da educação”. Por isso, considera que “o mercado escolar está estritamente dominado pelos produtos linguísticos da classe [social, cultural e politicamente] dominante e tende a sancionar as diferenças de capital preexistentes: o efeito acumulado de um fraco capital cultural e da fraca propensão para o seu aumento através do investimento escolar que lhe é correlativa, condena as classes mais desfavorecidas às sanções negativas do mercado escolar, ou seja, à eliminação ou à auto-eliminação precoce na sequência de um êxito fraco. Os desvios iniciais tendem, portanto, a ser reproduzidos”, já que “(…) os menos dotados e os menos aptos a aceitar e a adoptar a linguagem escolar”, são “também aqueles que menos tempo são expostos a esta linguagem e aos controlos, às correcções e às sanções escolares.” (p. 48)
Ora é justamente aqui que, para mim, continua a estar o grande busílis. Trinta e seis anos depois do 25 de Abril, depois de várias grandes “reformas” do sistema educativo, de tanta obra escrita em bom eduquês com receitas certeiras para resolver os problemas da educação, de tanto decreto alterado, acordado, (re)negociado e até, pasmemo-nos, repristinado, de tanta bordoada nos professores, verifico sem qualquer dificuldade que a “escola inclusiva”, a “escola para todos, a “mais escola e melhor escola”, a “escola de qualidade”, mais não é, afinal, do que demagogia com que entreter o povo à hora do telejornal.
É que, na verdade, lá bem no fundo do que é essencial, tudo continua na mesma, pois não há forma de a escola e os professores atenuarem o fosso social e cultural entre os mais desfavorecidos e os mais bafejados pela riqueza. E não há forma porque não é à escola que compete fazer tal coisa. É aos políticos que andam por aí a fingir que nos governam, enquanto nós fingimos que acreditamos ser governados por eles, que compete essa tarefa. Isso é que nenhum ministro ou ministra, de primeira, quinta, décima quinta ou sem nenhuma categoria, conseguiu fazer até hoje. Contra isso não há quadro interactivo nem software avançado que nos valha. Contra isso, infelizmente, não há professor, por melhor profissional que seja, que possa fazer grande coisa, nem que os alunos fiquem trinta anos na escola.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Posologia das palavras
No final dos anos setenta do século passado, quando eu frequentava o 8º ano de escolaridade, o professor de Físico-Química falou-nos um dia de “uma solução aquosa de ácido sulfúrico”, cuja utilidade já não recordo. Apenas guardei na memória esta designação porque ela gerou um equívoco que sempre considerei como exemplar. Quando, algum tempo depois, a matéria foi testada, um colega de turma respondeu assim à pergunta: “solução asquerosa de ácido sulfúrico”. Claro que o aluno desconhecia o significado das duas palavras e, por isso, tinha sido induzido em erro por uma certa proximidade fonética (aquoso e asqueroso).
Na semana seguinte, quando o teste nos foi entregue, o aluno deparou com um comentário que o professor tinha escrito junto à resposta: “asqueroso é você!!”. Genuinamente surpreendido, não conseguia perceber o porquê daquela expressão que lhe era dirigida, e sentia-se até melindrado com o professor por pressentir que aquilo não era muito abonatório.
Como era um aluno bastante razoável na disciplina, encheu-se de coragem para levantar o braço e perguntar ao professor o que é que queria dizer com aquela expressão. De imediato, a turma rompeu num coro de sonoras gargalhadas. Nem o professor escapou ao contágio. Já não recordo do nome do colega, mas lembro-me bem do rosto ruborizado, de olhos muito brilhantes, zangado à espera que o silêncio voltasse e que alguém lhe explicasse finalmente o que raio se passava. O professor – no intervalo das várias interrupções que ainda teve que fazer para mandar calar os que continuavam na risota - lá explicou então onde é que estava o problema e esclareceu o significado das duas palavras em causa.
Hoje, sem querer, lembrei-me desta pequena história, na aula do oitavo ano, enquanto andava pela sala numa espécie de bailado descoordenado ao som do refrão “ó professora, venha cá” para ajudar os alunos a resolver exercícios sobre as funções sintácticas. A Alice, uma das alunas mais aplicadas da turma, diz-me que não consegue encontrar o predicativo do sujeito numa das frases. Peço-lhe para verificar no caderno a breve lista exemplificativa de verbos copulativos que requerem predicativo do sujeito: ser, estar, parecer, ficar, tornar-se, relevante. Num primeiro momento até eu fiquei confusa, e só quando reli todo o parágrafo é que percebi que tinha confundido revelar-se com relevante e, por isso, algures, algo não batia certo.
Às vezes penso que, tal como acontece com os medicamentos, também as palavras deviam vir acompanhadas de uma “posologia”, do tipo: usar com precaução e, ao primeiro sintoma de mau entendimento ou de mal-estar, contacte rapidamente o dicionário ou o prontuário mais perto de si.
Proverbiais e aforísticas
Não as vi, mas ouvi hoje as primeiras andorinhas do ano. Porém, como o sol está um tanto envergonhado, é caso para dizer:
Por chegar uma andorinha, não começa (ainda) a Primavera.
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Associações
Temos tendência a associar a palavra sonho a uma ideia de leveza e a palavra pesadelo a uma noção de peso que, aliás, integra o próprio vocábulo.
Contudo, não é assim tão literal: perseguir durante toda uma vida os pequenos e grandes sonhos que dão coerência e sentido à própria existência mas que, pelas mais diversas vicissitudes, não conseguimos concretizar, também se pode ser bem pesado. Os sonhos estilhaçados ou não cumpridos que carregamos dentro de nós podem ser mesmo um verdadeiro pesadelo.
Por um fio...
Na agitação dos dias que vou percorrendo a correr (a fugir?), tenho muitas vezes a sensação de que tudo fica "por um fio", no sentido de que tudo está no limite de qualquer coisa que, afinal, não chega a acontecer. Nem sempre é fácil o confronto com esta sucessão de "quase acontecidos" que vão esvaziando a vida de sentido e de objectivos.
É por isso que admiro muito a coragem dos que ousam viver "por um fio", correndo riscos, sem medo de arranhões ou feridas, sempre prontos a partir rumo a qualquer outra coisa, desde que não seja "mais do mesmo". Sei também que este modo de vida não é para mim, falta-me o principal requisito - a coragem - ou, como Laurie Anderson, tão bem sintetiza na canção Life on a String:
Some people know exactly where
É por isso que admiro muito a coragem dos que ousam viver "por um fio", correndo riscos, sem medo de arranhões ou feridas, sempre prontos a partir rumo a qualquer outra coisa, desde que não seja "mais do mesmo". Sei também que este modo de vida não é para mim, falta-me o principal requisito - a coragem - ou, como Laurie Anderson, tão bem sintetiza na canção Life on a String:
Some people know exactly where
they're going
The pilgrims to Mecca
The climbers to the mountaintop
But me I'm looking
For just a single moment
So I can slip through time
The pilgrims to Mecca
The climbers to the mountaintop
But me I'm looking
For just a single moment
So I can slip through time
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Divagações
A propósito da obra de António Feijó escreve Álvaro Manuel Machado que “na sua preocupação constante de bem versejar, com elevado aprumo artístico, cultiva todos os géneros e exprime todos os matizes poéticos (…), sem dissonâncias de maior e com minúcia de hábil joalheiro, a partir de princípios básicos parnasianos”. Já sobre “Sol de Inverno”, verdadeira “obra de síntese”, afirma que, “sem retórica digressiva”, “com um dramatismo mais contido e por vezes irónico”, constitui uma verdadeira “depuração lírica”, “no interior do processo de evolução do parnasianismo e do decandentismo para o imaginário simbólico”:
O Amor e o Tempo (Christopulos)
Pela montanha alcantilada
Todos quatro em alegra companhia,
O Amor, o Tempo, a minha Amada
E eu subíamos um dia.
Da minha Amada no gentil semblante
Já se viam indícios de cansaço;
O Amor passava-nos adiante
E o Tempo acelerava o passo.
- «Amor! Amor! mais devagar!
Não corras tanto assim, que tão ligeira
Não pode com certeza caminhar
A minha doce companheira!»
Súbito, o Amor e o Tempo, combinados,
Abrem as asas trémulas ao vento…
- «Porque voais assim tão apressados?
Onde vos dirigis?» - Nesse momento,
Volta-se o Amor e diz com azedume:
- «Tende paciência, amigos meus!
Eu sempre tive este costume
De fugir com o Tempo… Adeus! Adeus!
In Sol de Inverno
Diz depois Álvaro Manuel Machado que Feijó escreveu “sem a máscara da impassibilidade parnasiana” e, sobretudo, “sem o confessionalismo grandiloquente e vulgar herdado do romantismo na sua fase de degenerescência sentimentalista”. É uma poesia feita de “imagens de subtil sugestão” e, por vezes, de uma ironia quase realista:
“É filha dum alfaiate
A melindrosa flor a quem eu hoje adoro!
- Faces vermelhas, cor de tomate,
Cabelos de oiro!
Que importa a profissão se o nosso amor se inflama?
Toda a mulher é flor divina,
Quer ela seja, para quem ama,
Tricana, engomadeira ou tsarina.
Esta minha paixão principiou a arder
Por causa dum colete de ramagens…
Quem sabe onde o diabo as vai tecer
Se mesmo num colete, além de bolsos, há voragens?!”
In Urbana
Na confluência das várias tendências literárias que marcaram o final do séc. XIX – (ultra)-romantismo, parnasianismo, decadentismo e simbolismo –, a poesia de António Feijó não é apenas bela no conteúdo e na forma, mas também “inesperadamente actual” (Álvaro Manuel Machado, in Introdução Bibliográfica a “Sol de Inverno”). Ou ainda, revertendo em favor do próprio poeta as palavras que dirigiu ao amigo Júlio Lemos, se pode dizer que “sem preocupações de modernismos, de escolas ou de mestres, deixe-nos ouvir em boas páginas de prosa a canção da sua alma, como dizia um certo inglês de génio chamado William. A literatura portuguesa apodrece numa estrumeira de versos. Plante nela a tulipa esbelta e azul da sua fantasia (…). Mas lembre-se de que só a Beleza é indestrutível e que a moda passa com a estação…” (excerto de carta datada de “Ursa Maior, 6 de Julho de 1897”, a propósito da publicação de Ilha dos Amores).
O Livro da Vida
Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia…
- Lia o «Livro da Vida» - herança inesperada,
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria
Ao primeiro clarão da primeira alvorada.
Perto dele caminha, em ruidoso tumulto,
Todo o humano tropel num clamor ululando,
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.
(…)
Cada página abrange um estádio da Vida,
Cujo eterno segredo e alcance transcendente
Ele tenta arrancar da folha percorrida,
Como de mina obscura a pedra refulgente.
(…)
Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta:
Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos,
Nem o humano sofrer, que outras alma enluta,
Nem a neve do Inverno a pratear-lhe os cabelos!
Só depois de voltada a folha derradeira,
Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado,
É que o Sábio entreviu, como numa clareira,
A luz que iluminou todo o caminho andado…
Juventude, manhãs de Abril, bocas floridas,
Amor, vozes do Lar, estos do Sentimento,
Tudo viu num relance em imagens perdidas,
Muito longe, e a carpir, como em nocturno vento.
Mas então, lamentando o seu estéril zelo,
Quando viu, a essa luz que um instante brilhou,
Como o Livro era bom, como era bom relê-lo,
Sobre ele, para sempre, os seus olhos cerrou...
In Sol de Inverno
Só depois de voltada a folha derradeira,
Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado,
É que o Sábio entreviu, como numa clareira,
A luz que iluminou todo o caminho andado…
Juventude, manhãs de Abril, bocas floridas,
Amor, vozes do Lar, estos do Sentimento,
Tudo viu num relance em imagens perdidas,
Muito longe, e a carpir, como em nocturno vento.
Mas então, lamentando o seu estéril zelo,
Quando viu, a essa luz que um instante brilhou,
Como o Livro era bom, como era bom relê-lo,
Sobre ele, para sempre, os seus olhos cerrou...
In Sol de Inverno
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
A modernização empresarial em três andamentos
1º Andamento: cliente iludido
2º Andamento: cliente aturdido
3º Andamento: cliente despachado
O pacato cidadão verifica com pesar que não consegue aceder à internet, pois o o seu modem jaz inerte. Carrega em vários botões, liga e desliga fios, confirma a alimentação electrica e nada. Decide ligar para um número dito de “assistência técnica 24 horas por dia” que, no papel, até soa bem. O problema começa logo após a marcação do dito. De imediato, arranca um sistema de atendimento automático que nos dá as boas vindas e começa a debitar opções: para activações prima 2, para facturação prima 3, para... Para mim, o melhor de tudo, é que no fim desta exaustiva lista, ainda nos dão a hipótese de sermos atendidos por um operador que fala inglês. Yesss! Quem for inexperiente nestas andanças julgará que, ao escolher uma destas opções, poderá finalmente desabafar os seus pesares com alguém. Só que não é bem assim. Ainda temos que premir mais umas quantas teclas até que, quando já começamos a duvidar de nós próprios, e quase por milagre, se ouve uma voz humana do outro lado da linha.
2º Andamento: cliente aturdido
Ouvimos então, a um ritmo de verdadeira rajada verbal, algo como “bomdia,estáafalarcom .... emquepodemosajudá-lo”. E aqui, claro, voltamos a cair no logro da nossa boa fé, ao julgarmos que alguém da empresa de comunicações está realmente interessado em resolver o nosso problema o mais breve possível. Começamos a contar as nossas desventuras tecnológicas com detalhe, pensando que todos os pormenores podem ser relevantes e somos, de imediato, interrompidos por uma pergunta seca do tipo “pode dizer-me o seu nome, por favor?”. A partir daí somos sempre tratados muito formalmente por “Sra. Y”. Claro está que a inesperada interrupção nos deixa um tanto atordoados e perdemos o rumo às ideias e a sequência da dramática história. E é neste preciso instante que a situação se torna ainda pior, pois tem início um longo interrogatório que começa mais ou menos assim: “diga-me por favor, Sra. Y, se as luzes do modem estão ligadas e ou intermitentes, ou se estão a piscar a verde ou a laranja.”. (O problema é que, eu tinha começado logo por informar que o modem estava como morto.) E lá continua: “Já reiniciou?” (Ora eu tinha dito logo a seguir que nem sequer iniciava, como é que podia reiniciar?) Logo depois: “dê-me só uns minutos para verificar se tem ligação adsl a funcionar, por favor, não desligue o telefone”. Passados alguns minutos, que mais parecem uma eternidade (ainda por cima com uma música pirosa a escavacar-me os ouvidos): “obrigada, Sra. Y por ter aguardado enquanto fizemos o teste à sua linha, de facto, está activa.” E por aí fora, até que, esgotadas todas as hipótese do manual, a operadora reconhece que também não consegue resolver a situação e informa que vai passar a chamada a um colega da 'equipa técnica'. É então que voltamos ao princípio. Temos que repetir tudo de novo, excepto o nosso nome, o qual parece ser a única informação que o sistema de triagem foi capaz de registar. Chegados a este ponto, o cliente já se sente um tanto ou quanto estúpido e começa a questionar-se sobre a utilidade prática de tão alongado telefonema.
3º Andamento: cliente despachado
O segndo operador, depois de ouvir toda a história pacientemente recontada (mais uma vez) e de fazer todos os testes que a colega anterior já fizera conclui que, afinal, também ele não é capaz de identificar a natureza do problema. E informa-nos, num tom algo agastado, que vai passar a chamada a um terceiro colega que, claro está, do nosso probema, só sabe que nos chamamos “Sra. Y” e, por isso, é preciso repetir pela terceira vez todos os passos do nosso drama tecnológico. Depois de fazer novamente todos os testes já realizados pelos seus antecessores e de chegar a idêntico resultado o técnico sugere-me que experimente o equipamento numa outra linha ou, em alternativa, experimente outro equipamento na linha. Embora ofuscada pelo brilho fulgurante desta ideia, atrevi-me ainda a perguntar onde é que ele sugeria que eu fosse arranjar idêntico equipamento, ou a tal outra linha para fazer a experiência. Segue-se uma pausa na conversa e ouço um suspiro, como de quem, já com as forças esgotadas por tão longa batalha, está prestes a capitular. Neste preciso instante, faz-se luz na minha cabeça: na loja, claro! O que resolveria o meu problema, e de vez, era um novo modem adquirido numa loja da especialidade!
Resolução dos problemas técnicos à parte, a grande lição a retirar desta história é outra e bem distinta. Percebi finalmente o que é, e como funciona uma “empresa moderna”: é a que, por todos os meios necessários, consegue convencer os seus clientes de que a única solução para qualquer avaria ou problema técnico é... adquirir um novo equipamento. Evitam-se chatices, contribui-se para aumentar as taxas de consumo interno e melhorar os indicadores económicos. É a que, com tal estratégia, promove também a permanente actualização tecnológica dos ditos clientes e garante ainda um excelente nível de satisfação pelos serviços técnicos prestados (afinal, com um equipamento novinho em folha, as hipóteses de haver avarias são bem menores). Por outro lado, como são empresas sem rosto - não falamos verdadeiramente com ninguém, e muito menos com alguém credível enquanto interlocutor – se ao cliente insatisfeito ou frustrado lhe apetecer ir reclamar de alguma também não pode, nem sabe como. A empresa tem sede num sítio e atende os sempre problemáticos clientes em call centers que ninguém sabe muito bem onde ficam. Poupa-se assim muito dinheiro à empresa, claro está. E, a julgar pelo número de empresas que, no nosso país, vai seguindo por esta via, acho que a modernização e a racionalização do tecido empresarial devem estar a dar passos largos. Só não percebi ainda é em direcção exactamente a quê? (e não sei se gostarei da resposta).
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
O secreto diálogo do desejo
Na dança, como na vida, quando o corpo envolvido no outro corpo já não permite distinguir quem é o fio e quem é o fuso pode então iniciar-se o secreto diálogo do desejo.
Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Segredo, Maria Teresa Horta
domingo, 17 de janeiro de 2010
Prelecção de São Valentim(?) para aviso dos incautos e diversão dos demais
Já perto do meu destino, as obras na estrada forçam-me a parar. Olho de forma casual para a direita e vejo sentada junto à fonte dita “do Imperador” uma figura de ar cansado e gasto, vestida com estranhas roupas, que falava sozinha em tom muito alto e solene, como se pregasse a uma multidão que, por ocultas razões, permanecesse invisível a todos os olhos menos aos seus. Personagem e cena eram simultaneamente familiares e anacrónicas. Intrigada, baixo o vidro do carro e tento ouvir o que diz:
Duas coisas há nas lides do amor e da paixão causadoras de grandes males e tristezas no coração das gentes. A primeira dá-se quando as relações entre as pessoas se assemelham à clara e à gema dentro da casca do ovo. Assim juntas, confinadas num espaço comum, às vezes por toda uma vida, podem-se cozer, podem-se escalfar, podem-se estrelar, podem-se mesmo fritar mas, qualquer que seja a preparação, bem distintas serão sempre aquela clara e aquela gema: cores diferentes, texturas distintas e sabores bem diversos apresentam ambas. Assim são, muitas vezes, as relações amorosas e grande sofrimento resulta disto, para os próprios e para os que com eles têm a sina de partilhar a caminhada da vida. “Omnia vincit amor”, dizia Virgílio nas suas Bucólicas mas, para isso, há que misturar a gema com a clara e fazer o que se costuma designar por mexidos. Só que este é um preparado com requisitos muito especiais. Para resultar bem exige generosidade, cumplicidade, confiança em si e no outro e, sobretudo, que se goste muito, muito, muito, mas mesmo muito, todos os dias. Requer que se saiba apreciar os dias de sol, aceitar os dias de penumbra e iluminar os momentos mais sombrios. Logo por aqui se vê que é prato que nem todos sabem, querem ou podem fazer. Sobretudo, porque não se trata de a gema ou de a clara abdicarem da sua verdadeira natureza e individualidade em favor do outro, mas, sim, de se unirem para criar um manjar novo, mais complexo e, por isso também, mais saboroso e digno de apreciação.
Neste preciso momento apercebo-me de que os carros à minha frente começam a andar, pois o sinaleiro agitava já o sinal verde. Num impulso, abro o pisca e encosto à berma para continuar a ouvir...
A segunda coisa que tantas vezes ensombra os corações envolvidos numa relação é haver uma pessoa que encara a outra como se de uma folha de papel se tratasse. Arranja-se uma folha em branco e nela se vai escrevendo, escrevendo e, quando já está totalmente preenchida, logo deixa de ter interesse ou utilidade. Seja por comodismo, por preguiça, por simples hábito ou por nenhuma razão em especial, deixa-se ficar em cima da mesa durante um certo tempo. Julga a folha de si para si que, afinal, talvez contenha alguma coisa que valha a pena guardar ou que, talvez, ainda tenha alguma misteriosa utilidade. E depois, um belo dia, vê-se violentamente agarrada, num acesso de raiva, amarfanhada nas mãos e lançada para o cesto dos papéis. Percebe-se então que a folha, embora tivesse permanecido durante todo aquele tempo em cima da mesa, na prática, era como se já estivesse há muito a encher o cesto dos papéis: só faltava o acto derradeiro. Mais fulgurante que a anterior é esta segunda causa de ensombramento dos corações humanos, embora menos duradoura. Por isso, atentai: um amor grande que acalente a alma e aqueça os olhos até os deixar brilhantes é dado a muito poucos e só em raras ocasiões! Para perceberdes quando tão raro caso está na vossa frente é imprescindível ter os olhos do coração bem abertos e, para conseguir agarrá-lo antes que se escape, é imperativo ter os olhos do espírito muito sagazes. Exige ainda que se tenha a coragem de viver todos os dias, e não apenas de vez em quando...
Embora a figura continuasse a sua prelecção, para mim, era tempo de partir pois tinha que ir dar uma aula ao 8º A, turma que, pegando nas palavras do orador, é capaz de fazer omoletes sem um único ovo. Fiz então o resto do percurso a pensar na identidade daquela personagem: tinha estranhas parecenças com São Valentim, mas, no mês de janeiro? Seria esta a razão da sensação de anacronismo que me tinha invadido desde o início? Certo é que, durante o resto do dia, a desconhecida figura e as palavras que lhe ouvi não me sairam da cabeça.
Inquietações
Suponho que, em certos momentos, tudo é mais fácil para quem conseguiu manter intacta a Fé. Há coisas que se explicam de uma outra forma, que se encaram com um olhar diferente e, sobretudo, que se aceitam mais facilmente. Para quem, em águas agitadas não pode lançar mão a este tronco e manter-se à tona, restam poucas alternativas. Uma delas, seria acreditar no Homem e no seu Humanismo. Porém, olhando a sociedade humana à nossa volta, como acreditar em tal utopia?
Para esta questão ando eu à procura de resposta, mas já só consigo acreditar em alguns (poucos, cada vez menos) seres individuais, homens e mulheres, iguais a todos nós, com virtudes e defeitos. Contudo, diferentes, porque arranjam forças e coragem para tentar, através daquilo que fazem, mudar a mentalidade das pessoas ou aliviar por alguns momentos o sofrimento de uns quantos desafortunados, não se limitando apenas a bonitas, sentidas e vãs palavras,. Provavelmente é mais à Fé do que ao espírito humanista que muitos deles vão buscar o que é necessário para conseguirem fazer isso e, para mim, não deixa de haver aqui uma certa ironia.
Em muitos dos outros, dos que já não têm Fé, nem conseguem acreditar no Homem, verifico que lhes resta apenas a desconfiança, a inveja, o julgamento ligeiro que rotula tudo e todos indiscriminadamente. São os que, por palavras, acções e sentimentos, incensam diariamente a Mesquinhez, essa grande deusa dos tempos que vivemos, e não conseguem perceber depois por que razão, afinal, se sentem sós.
Tentando juntar tudo isto: não sendo pela Fé, nem pelo Humanismo, só posso esperar que seja pela via da lucidez que eu consiga discernir o exacto momento em que, se nada fizer, é também já a Mesquinhez que estarei a idolatrar e que, depois, tenha ainda em mim as forças necessárias para poder arrepiar caminho.
E se Deus fosse, afinal, one of us
Just a slob like one of us
Just a stranger on the bus
Trying to make his way home
Back up to heaven all alone
Nobody calling on the phone
Except for the pope maybe in rome...
tal como na canção de Joan Osborne?
Seríamos melhores pessoas se soubéssemos que só podíamos contar connosco e com os que são como nós?
E se Deus fosse, afinal, one of us
Just a slob like one of us
Just a stranger on the bus
Trying to make his way home
Back up to heaven all alone
Nobody calling on the phone
Except for the pope maybe in rome...
tal como na canção de Joan Osborne?
Seríamos melhores pessoas se soubéssemos que só podíamos contar connosco e com os que são como nós?
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