terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Há rir e rir

Em O Riso, publicado em 1900, Henri Bergson explicava o que entendia pela clássica expressão ridendo castigat mores: “O riso é, antes de tudo uma correcção. Feito para humilhar, deve é dar à pessoa que é objecto dele uma impressão penosa. (...) Não atingiria o seu fim se trouxesse a marca da simpatia ou da bondade. (...) O riso castiga certos excessos, apanhando inocentes, poupando culpados, a cada caso individual (...)”. Mais à frente, o filósofo completa esta ideia ao acrescentar que “Assim acontece em tudo o que se realiza por vias naturais em lugar de se realizar por reflexão consciente. Uma média de justiça poderá surgir no resultado de conjunto mas não no pormenor dos casos particulares. Nesse sentido, o riso não pode ser absolutamente justo. E repetimos, também não pode conter bondade. Ele tem uma função, intimidar, humilhando.”

No início do séc. XX Bergson acreditava, de facto, na capacidade evolutiva do intelecto humano e, por isso, achava que “... a sociedade, à medida que se vai aperfeiçoando, obtém dos seus membros uma capacidade de adaptação cada vez maior que tende a equilibrar-se cada vez melhor...”, ou seja, que os homens seriam capazes de substituir um riso meramente humilhante e castigador, puro rebaixamento da condição humana, por uma forma superior de expressão crítica que se manifestaria através do humor, do sarcasmo e da ironia. Ou como Lídia Jorge escreveu num artigo publicado há muito no Jornal de Letras (9/3/93), à medida que a humanidade fosse evoluindo  “A velha fórmula de rindo, castigam-se os costumes, teria sido substituída por alguma coisa aproximada dum rindo, conquista-se a inteligência.

Passado mais de um século sobre as palavras de Bergson verifica-se contudo que  os avanços da nossa cada vez mais tecnológica sociedade  são proporcionais, em muitos aspectos, à regressão da sua humanidade e inteligência. Talvez seja por isso que temos também cada vez menos verdadeiro sentido de humor e caímos com frequência em atitudes antagónicas: por um lado o riso imbecil, bacoco e vulgar que nada tem a ver com a verdadeira alegria e, por outro, a incompreensão ou a rejeição do lúdico e do riso, ainda que inteligentes. A ambas falta, contudo, o essencial: a carnavalização, a ruptura e a desordem que geram novos e saudáveis equilíbrios.
 
Tudo isto fez-me pensar nos Monthy Python que, em meados do século passado, faziam humor com os ingredientes certos: inteligência, ironia e sentido crítico. Esta “piada mais engraçada do mundo” é paradigmática, até porque, ironicamente, pelos efeitos letais que provoca, também pode ser considerada “a pior piada do mundo”.


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