No final dos anos setenta do século passado, quando eu frequentava o 8º ano de escolaridade, o professor de Físico-Química falou-nos um dia de “uma solução aquosa de ácido sulfúrico”, cuja utilidade já não recordo. Apenas guardei na memória esta designação porque ela gerou um equívoco que sempre considerei como exemplar. Quando, algum tempo depois, a matéria foi testada, um colega de turma respondeu assim à pergunta: “solução asquerosa de ácido sulfúrico”. Claro que o aluno desconhecia o significado das duas palavras e, por isso, tinha sido induzido em erro por uma certa proximidade fonética (aquoso e asqueroso).
Na semana seguinte, quando o teste nos foi entregue, o aluno deparou com um comentário que o professor tinha escrito junto à resposta: “asqueroso é você!!”. Genuinamente surpreendido, não conseguia perceber o porquê daquela expressão que lhe era dirigida, e sentia-se até melindrado com o professor por pressentir que aquilo não era muito abonatório.
Como era um aluno bastante razoável na disciplina, encheu-se de coragem para levantar o braço e perguntar ao professor o que é que queria dizer com aquela expressão. De imediato, a turma rompeu num coro de sonoras gargalhadas. Nem o professor escapou ao contágio. Já não recordo do nome do colega, mas lembro-me bem do rosto ruborizado, de olhos muito brilhantes, zangado à espera que o silêncio voltasse e que alguém lhe explicasse finalmente o que raio se passava. O professor – no intervalo das várias interrupções que ainda teve que fazer para mandar calar os que continuavam na risota - lá explicou então onde é que estava o problema e esclareceu o significado das duas palavras em causa.
Hoje, sem querer, lembrei-me desta pequena história, na aula do oitavo ano, enquanto andava pela sala numa espécie de bailado descoordenado ao som do refrão “ó professora, venha cá” para ajudar os alunos a resolver exercícios sobre as funções sintácticas. A Alice, uma das alunas mais aplicadas da turma, diz-me que não consegue encontrar o predicativo do sujeito numa das frases. Peço-lhe para verificar no caderno a breve lista exemplificativa de verbos copulativos que requerem predicativo do sujeito: ser, estar, parecer, ficar, tornar-se, relevante. Num primeiro momento até eu fiquei confusa, e só quando reli todo o parágrafo é que percebi que tinha confundido revelar-se com relevante e, por isso, algures, algo não batia certo.
Às vezes penso que, tal como acontece com os medicamentos, também as palavras deviam vir acompanhadas de uma “posologia”, do tipo: usar com precaução e, ao primeiro sintoma de mau entendimento ou de mal-estar, contacte rapidamente o dicionário ou o prontuário mais perto de si.