quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Uma pergunta, duas respostas

O Amor é cego, porquê?

 
Imagem retirada de Barros de Estremoz
de Joaquim Vermelho

 A resposta literal dirá que O Amor é cego é um dos bonecos mais curiosos da barrística popular de Estremoz. Não é mais do que a representação simbólica da figura mitológica de Eros ou Cupido: porte garboso, com a aljava das setas incendiárias junto ao peito (curiosamente em forma de coração para reforçar a ideia de que simboliza o enamoramento) e de olhos vendados para melhor acertar no alvo (ou talvez não).

Uma outra resposta, bem mais dramática e subtil, poderia ser esta Fábula Antiga de António Feijó:

No princípio do mundo o Amor não era cego;
Via mesmo através da escuridão cerrada
Com pupilas de Lince em olhos de Morcego.

Mas um dia, brincando, a Demência, irritada,
Num ímpeto de fúria os seus olhos vazou;
Foi a Demência logo às feras condenada,

Mas Júpiter, sorrindo, a pena comutou.
A Demência ficou apenas obrigada
A acompanhar o Amor, visto que ela o cegou,

Como um pobre que leva um cego pela estrada.
Unidos desde então por invisíveis laços,
Quando o Amor empreende a mais simples jornada,
Vai a Demência adiante a conduzir-lhe os passos.

in Sol de Inverno, 1922