Sobem-se e descem-se os degraus todos os dias, várias vezes durante o dia. Há dias em que é mais fácil subi-los. Há dias em que parece que não teremos forças para o fazer. Noutros, temos que parar a meio para retomar o fôlego. Outros dias há ainda em que, chegados lá acima, olhamos para baixo e não conseguimos perceber como é que arranjámos forças e coragem para subir. Às vezes os degraus são muros de pedra. Outras vezes são encostas escarpadas, de ar rarefeito, onde respirar é difícil e caminhar é penoso. Noutros dias, depois de subir e descer, é preciso descansar. Em certos momentos, conseguimos subir dois lances quase a correr, como se tivessemos, de repente, perdido peso. E é extraordinário. Outras vezes pensamos: “Basta! Não quero subir mais!”. Só que há razões que têm mais razão do que a nossa própria vontade. E lá nos arrastamos escada acima, mais uma vez.
Em certos momentos, a dor é tão forte que nem deixa ver os degraus: subimos às cegas, levados pela mecânica da rotina. Noutras alturas, descemos as escadas ao ritmo ansioso da expectativa, o coração a bater com mais força, antecipando a alegria de um reencontro. Ah, mas isso, afinal, foi há muito, muito tempo, numa outra dimensão: a da pura ilusão.
Há momentos em que só desejamos que a escada desapareça e que os degraus se desfaçam em pó, pois são inúteis. Afinal, tudo acaba como começa, sempre no mesmo sítio: no chão. Há dias de subir e descer mais ou menos. Também há dias de subir menos e descer mais. Há dias em que vamos contando os degraus - um, dois, três... – até porque não há mais nada para contar. À medida que vamos deitando fora o lastro do coração subir é mais fácil. À medida que vamos esquecendo os sonhos pelos degraus é mais fácil descer. Quando começamos a aceitar que subir e descer é exactamente a mesma coisa já nem notamos a falta do corrimão.
Quando subir e descer os degraus é o único ritmo que marca cada um dos dias certos e contados da nossa existência, subitamente, percebemos: vogamos no vazio, com os pés assentes no chão. Nesse preciso instante, a vertigem que começa a zumbir nos ouvidos obriga-nos a parar para não cairmos. E depois lá subimos os restantes degraus e voltamos a descer. Se, no dia seguinte, formos capazes de tornar a fazê-lo sem cair a meio, e no dia a seguir também, e no outro, e no outro, compreendemos ainda que, afinal, mesmo sem alma, é possível funcionar. E ficamos mais aliviados.