quinta-feira, 21 de julho de 2011

Aprender a fazer nada com a gata Nika

Já tinha ouvido falar de "nadismo" e decidi ir à procura de informação. Descobri que a expressão "fazer nada" significa, afinal, fazer alguma coisa de bastante terapêutico: parar, com dia e hora marcada, para ficar simplesmente algum tempo a fazer NADA, para não adoecer de stress e de exaustão física e psicológica. Algo que, na sua pior forma, toma o nome de "burnout", uma das doenças que mais afecta os professores e a que ninguém está imune, seja qual for a sua profissão. Nem sequer eu, que tenho consciência disso.

Embora tenha uma base budista, o nadismo não é uma prática de meditação. Ele é "um fim em si mesmo, embora também possa levar a um estado meditativo", conforme explica Marcelo Bohrer, o designer brasileiro que fundou o "Clube de Nadismo" em 2006, depois de ter lutado contra uma severa síndrome de Burnout que o obrigou até a uma passagem pelo hospital.

No sítio do oficial do clube - http://www.clubedenadismo.com.br/ - pode ler-se "Quem está buscando mais qualidade de vida sabe que a correria do dia-a-dia é o principal fator de stress. Quando não temos mais tempo pra nada, quando estamos sempre ocupados e com pressa sentimos que é impossível ficar sem fazer nada mesmo por um minuto. Por isso é tão difícil parar, desligar, desconectar... É como se fosse proibido! Ficar sem fazer nada parece perder de tempo, parece ser algo inútil e ao mesmo tempo nos gera ansiedade e sentimento de culpa.
Viver nesse ritmo é muito ruim e acabamos tristes e doentes. O nadismo é essa mudança de consciência. É se dar conta de que é importante parar. É perceber que as pausas são vitais para a nossa saúde e que todos devem ter o direito de ficar sem fazer nada de vez em quando.
Isso precisa mudar!
O Clube de Nadismo foi criado com o objetivo de divulgar essa nova proposta e de criar momentos especiais que oferecem a oportunidade rara e preciosa de parar de verdade e fazer absolutamente nada."

O movimento nadista tem já no Brasil um dia nacional - 13 de Dezembro - que é comemorado em espaços públicos por grupos de pessoas que ficam deitadas sobre a relva durante algum tempo, sem fazer nada.

Contudo, Bohrer faz questão de sublinhar que o nadismo nada tem que ver com simples preguiça: "Preguiça não é fazer nada. Preguiça é a não vontade de fazer algo, o que pode resultar, às vezes, em fazer nada. (...) Para praticar nadismo não é preciso largar o seu trabalho ou os seus compromissos, mas sim criar espaços vazios no meio e entre eles." É por isso que o logótipo do clube é um cubo branco e vazio. Também uma espécie de tenda em forma de cubo, branca e completamente vazia, é muitas vezes usada nos eventos oficiais, promovidos sobretudo em parques e outros espaços aprazíveis nas grandes cidades onde o mais difícil é, justamente, parar, de forma completa e sem nenhum objectivo em mente.

Claro que o conceito de nadismo tem, nos dias que vivemos, muito de utópico, para além de ser difícil explicá-lo por palavras que todos possam entender, até porque os equívocos são muito frequentes. Segundo Marcelo Bohrer "As pessoas confundem muito parar com esperar, distrair-se, descansar, com uma prática meditativa, etc." e acrescenta que é um "assunto um tanto controverso, pois o nadismo é cem por cento fazer nada": "Ver TV, fazer palavras cruzadas e dormir não contam. É importante não confundir distracção, lazer, esporte ou qualquer coisa que se faça com o nadismo, que é o não fazer coisa alguma."  

Nadear é, basicamente, ficar deitado, imóvel, a contemplar o céu e as nuvens, por exemplo (tal como mostra a imagem na página de entrada do sítio). Embora seja difícil de explicar por palavras, e de entender, eu sei exactamente o que é o nadismo, embora não por experiência própria, e sim por observar os gatos. Eles são ancestrais cultores desta ideia, e quem sabe até se não será essa a origem da sabedoria que possuem e do sentimento de tranquilidade que despertam em nós (pelo menos nos que gostam de gatos, como é o meu caso). Passo a exemplificar com esta imagem da gata Nika a fazer nadismo num sítio muito especial, escolhido por ela para aí fazer isso mesmo: NADA (nem sequer está a dormir, como é fácil de verificar).

Estremoz, 1993
A gata Nika pertencia a uma colega da escola que, na altura, lutava contra um cancro e era forçada a passar ums temporadas em Lisboa para fazer tratamentos. Como morava na mesma rua em que eu e uma outra colega partilhávamos uma espécie de "casa de função", deixava sempre a bichana ao nosso cuidado. No verão, a casa era muito quente e a gata passava horas deitada no bidé, local que, como é fácil de perceber, para além de ergonómico, era bastante mais fresco que o sofá, por exemplo. Era então no bidé que a Nika dormia as suas alongadas sestas, mas também lá ficava muitas horas assim, acordada, quietinha e silenciosa, sem fazer nada. Ou melhor, a praticar nadismo.

Estou seriamente a considerar a hipótese de me inscrever no Clube de Nadismo. Estou até a pensar nadear bastante durante as férias que agora se avizinham, a bem da minha sanidade mental e do novo ano lectivo que me espera logo no início de setembro. Estou também a pensar em enviar ao Marcelo Bohrer esta imagem da gata Nika, a qual bem poderia ser acrescentada ao vídeo de divulgação/explicação do conceito, já que o exemplifica na perfeição. E claro, ganhei mais uma razão para admirar mais ainda os gatos, esses sábios e fascinantes seres que tanta alegria dão às nossas vidas.

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