sexta-feira, 8 de julho de 2011

Litania dos desfavores

A meu desfavor tudo o que me acordou os sentidos
esse brilho quase feroz do olhar,
esse cheiro de verão sobre a pele,
essa textura de erva seca no rosto tisnado
essa irmanada e ressequida solidão,
e a impressão de que, deste lado do biombo
de canas que semi-escondia a casa,
o tempo era mais lento

A meu desfavor esta indómita vontade
de acreditar de corpo e coração
na impossibilidade gritada pela razão,
esses idênticos medos, alguns demónios
e a dura aspereza que fere por dentro

A meu desfavor essa aparente
possibilidade de tudo
como uma semente, à espera
do tempo certo de (ir)romper para a luz,
e esta certeza do nada, logo ali, a espezinhá-la

A meu desfavor esta ânsia de completude,
sempre asfixiada ainda antes de ser gerada.
Essa teia ilusória dos dias desiguais e,
depois, os dias iguais que romperam, um a um,
todos os filamentos desta ingénua credulidade

Sem favor, a límpida lucidez
desta insidiosa litania de desfavores
que faz o descaminho dos corações
(seja lá isso o que for) até ao instante
em que já nem os próprios corpos
conseguem encontrar o caminho de volta
um para o outro

A meu favor, apenas a limpa consciência
de nunca ter pedido favores

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