domingo, 7 de fevereiro de 2010

Da condição de professor

Os fins de semana passados a corrigir testes são, a cada ano que passa, mais penosos. Especialmente para quem, como eu, fez da profissão vida pessoal e, há três anos atrás sentiu fugir-lhe o chão debaixo dos pés. Talvez seja por isso que, de vez em quando, me recordo das seguintes e aforísticas palavras do Padre Vieira: “Para ensinar sempre é necessário amar e saber; porque quem não ama não quer; e quem não sabe não pode; mas esta necessidade de sabedoria e amor não é sempre com a mesma igualdade. Para ensinar nações fiéis e políticas é necessário maior sabedoria que amor; para ensinar nações bárbaras e incultas é necessário maior amor que sabedoria.”

O enunciado do teste solicitava aos alunos do 12º ano de escolaridade que, num texto de carácter expositivo-argumentativo e com base na leitura de A Aparição de Vergílio Ferreira, mencionassem a dimensão simbólica e a reflexão sobre a condição humana que assumem nesta obra maior da ficção portuguesa da segunda metade do séc. XX, uma especial relevância.

Entre outras, esta resposta: "Vergilio Ferreira era uma pessoa que se preocupava com o que o rodiava.
Ele ponha o Homem acima do divino, de Deus. Para mim a personagem mais relevante, como já podem calcular, é a Aparição, sendo a personagem feminina a mais importante da obra, desenvolvendo-se todo o romance á sua volta.
A obra está relacionada com o divino, devido a isso é que a personagem feminina é muito relevante, sendo ela uma “Aparição”.
Não podendo esquecer que devido a revolução do séc XIX, XX levaram muitos autores a idealizarem um mundo melhor para eles e para os leitores o que está também presente neste romance; dando a personagem feminina uma grande participação com o seu papel.”

Padre António Vieira, tem toda a razão no que diz: é preciso amar, mas amar mesmo muito estes “bárbaros”, para ser capaz de engolir que alguém brinque desta forma com todo o esforço e trabalho desenvolvido nas aulas e, sobretudo, continuar a trabalhar com eles e a “amá-los” como se nada se tivesse passado. É grave que um aluno decida nem sequer ler a obra que, já sabe, vai sair no exame nacional de acesso ao ensino superior. Mas o que magoa mais é a desonestidade intelectual que leva esse mesmo aluno a pensar que, se encher uma página A4 com frases sem qualquer sentido ou nexo, o professor – coitado - nem vai dar por nada.

O descrédito dos professores, e da própria escola, chegou a este ponto e quando, seguindo directivas superiores, somos forçados a corrigir isto com “água benta” por causa dos rankings e dos números do insucesso, é porque já não deve ser possível descer mais baixo.

E, Padre António Vieira, não tenho palavras suficientes e adequadas para lhe dizer o quanto é preciso “amar” um trabalho onde coisas como esta, e outras piores ainda, são “o pão nosso de cada dia”, de modo a conseguir assegurar o meu “pão de cada dia”.