terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Palavras que se deixam morrer

Em Gaveta de Nuvens, a páginas tantas, José Gomes Ferreira escreve: "- O sr. já reparou bem num dicionário?... Num dicionário qualquer?... No de Morais, por exemplo... Ou no do povo... (Tanto faz!...) Já reparou?... (...) Pois a mim faz-me lembrar, sabe o quê?... Um jazigo de família. Ou melhor: um jazigo de nação. Uma espécie de mausoléu de papel, onde gerações de gatos-pingados empilharam séculos e séculos de palavras. Algumas já definitivamente mortas, cobertas de bichos e de coroas saudosas... Outras a vasquejarem os últimos estremeções... E muitas, apenas em estado cataléptico, à espera de um toque de dedos para regressarem à monotonia da vida diária... A este maldito bolor, onde utilizamos ao todo quantas palavras vivas - diga-me lá quantas? Quinhentas?... Mil?... Nem tantas, talvez!"

E assim é, de facto: há palavras que estremecem, ou que já morreram, há as que precisam de ser desinfectadas e limpas da sujidade com que o tempo as foi cobrindo e há também as que foram esquecidas ou ultrapassadas por novas modas mais ao gosto dos dias que vivemos. É o caso ilustrado neste "dicionário do povo" que é o "Lenço de Namorados":


De facto, a palavra "leal" é uma das que agoniza nos dicionários. A própria forma como está aqui grafada ("lial") atesta que pertence sobretudo a um tempo de crédula ingenuidade, já muito distanciado de nós, urbanos e globalizados. Palavra e referente são hoje, para muitos, meras preciosidades arqueológicas que se admiram na vitrina de um museu, mas ninguém sabe muito bem para que serviram na sua época.

Já não se usa ser leal com ninguém. Muitos nem sequer o são consigo próprios, como é que poderiam sê-lo relativamente a alguma coisa ou alguém. A lei impiedosa do "vale tudo" é que impera, luminosa, no espírito e no coração dos homens, sobretudo dos poderosos.

Mas dá pena ver definhar assim as palavras que faziam a diferença. E às vezes  apetece gritar em coro com José Gomes Ferreira: "...não deixem morrer as palavras, assassinos! Não deixem morrer as palavras!"