quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O silêncio ensurdecedor da indiferença

Em 1981, Teolinda Gersão escreveu: “É um mundo que começou a enlouquecer, (...). Um mundo eficiente, de silêncio total, em que ninguém mais fala com ninguém. As pessoas estão sentadas, ombro contra ombro, à espera, mas o objectivo da espera é sempre falso, o autocarro, o comboio, o avião, porque todos os lugares são iguais e nada é diferente em parte alguma. E enquanto se espera o silêncio cresce, vai ficando sempre mais denso e mais pesado, e algumas pessoas começam a ficar inquietas, porque de repente percebem que estão bloqueadas, dentro de caixas de vidro, o universo é um conjunto gigantesco de sucessivas caixas de vidro, e elas apenas transitam, ou são transportadas, de umas para as outras, casas, escritórios, autocarros, hospitais, aeroportos, aviões, transatlânticos, é inútil percorrer milhões de quilómetros porque o mundo fica sempre cada vez mais longe, é como se flutuassem, imponderáveis, num espaço vazio, os seus pés não assentam mais sobre a terra, correm seis dias sobre escadas rolantes e tapetes rolantes e no sétimo dia ficam parados sobre uma alcatifa, e o mundo que não tocam vem até elas apenas em imagens, dentro da televisão-caixa-de-vidro. Então algumas pessoas são tomadas de pânico e começam a falar, porque acham necessário modificar este estado de coisas, mas descobrem que não é possível falar porque as pessoas do lado as olham com estranheza, a tal ponto se habituaram a viver dentro de caixas bem isoladas que qualquer som espontâneo as incomoda, transportam em volta da cabeça uma caixa de vidro mental que se fecha por si mesma à menor suspeita de desordem, e então alguém propõe que quem estiver disposto a escutar os outros ponha na lapela uma pequena orelha verde.”
In O Silêncio


Em 2010, o mundo está já totalmente enlouquecido de silêncio e indiferença. Ninguém fala com ninguém, porque não há quem esteja disposto a ouvir, de facto, as dúvidas, as inseguranças, os medos ou, simplesmente, as pequenas coisas do quotidiano, sem qualquer importância. Ouvir é aceitar o outro. É, sem restrições, aceitar o seu ser mais profundo e verdadeiro. É, sem palavras, afirmar que estamos ao seu lado, em compaixão (no sentido etimológico do termo). E claro que toda a gente tem hoje coisas mais importantes para fazer do que estar com o(s) outro(s) dessa forma.

É por isso que, muito em breve, todos seremos forçados a ter pelo menos um blogue no qual escreveremos o que nos passa pela cabeça e depois responderemos aos comentários dos virtuais leitores como se estivéssemos, realmente, a conversar com alguém. Será, como convém, um virtuoso diálogo virtual  entre gente virtual, numa dimensão também ela virtual. Serão monodiálogos de faz-de-conta, cuja profunda inteligência, humor, sensibilidade e sentido crítico enganarão o vazio da nossa “caixa de vidro mental” e nos deixarão viver por mais alguns instantes nesta mansa loucura que é a ilusão de que, lá fora, ainda há alguém de carne e osso que se interessa por nós.