quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Rótulos (in)evitáveis

A britânica Joss Stone tinha apenas 16 anos quando surpreendeu o mundo com a força da sua voz. Os media logo a apelidaram, ou melhor, rotularam, de “branca com voz de negra” pelas suas distintas características vocais e pelas influências musicais (soul, r&b, jazz, funk…) que mais directamente marcam a sua música. A cantora tem sempre afirmado que não gosta que se refiram a si e à sua música dessa forma: “Eu percebo o que é que querem dizer com isso, o que por um lado considero um elogio, porque muita da música que oiço é de cantores negros americanos, mas pergunto-me sempre como é que ainda insistem em associar uma cor a uma voz?” (in DN, 14/2/2010, sublinhado meu). Acho que Joss Stone tem toda a razão: no seu caso é até uma sinestesia, no mínimo, um tanto grosseira.

E contudo, seis anos e quatro álbuns depois, no Telejornal de ontem, quando noticiaram o espectáculo no Campo Pequeno, a voz-off começou logo por referir isso mesmo: “a cantora branca de voz negra”. É daquelas coisas: encaixou, colou e já não sai. Além de que as pessoas gostam de rótulos, sobretudo assim, mesquinhos, a «preto e branco». Facilitam a sua análise do mundo, não exigem muito do cérebro e, se calhar, conferem também alguma auto-confiança, pois funcionam como certezas inabaláveis. É também uma atitude característica das pessoas que sabem sempre tudo e das que sabiam até que seria assim, mesmo antes de ter acontecido. Por isso, quando olham para alguém e pensam «é isto ou aquilo», nada mais há a fazer. Diga a pessoa o que disser, faça o que fizer, não será nunca mais do que aquele rótulo.

No álbum “Mind, Body & Soul” (2004) Joss Stone cantava” Right to be wrong”, canção bem reveladora daquilo que é enquanto artista e também como pessoa. Admitir que errar é tão normal quanto acertar - se calhar o erro até é mais habitual - e aprender com isso não é para qualquer um:
I've got a right to be wrong
My mistakes will make me strong
I'm stepping out into the great unknown
I'm feeling wings though I've never flown
I've got a mind of my own
Flesh and blood to the bone
See, I'm not made of stone
I've got a right to be wrong
So just leave me alone

É, no fundo, uma lição de vida para gente cheia de certezas sobre tudo e todos e dona de tanta «sabedoria» que não tem mais nada a aprender com ninguém, muito menos com a Joss Stone.