Ontem, à hora do jantar, a quietude da noite de domingo aqui em casa foi interrompida por repetidas e insistentes batidas na porta. Abri e deparei com dois mascarados que, pela altura e constituição física, não deviam ter mais de oito ou nove anos. Os dois estavam mascarados de “Scream”, personagem de um filme de terror para adolescentes, made in usa, muito associado aos mitos urbanos do halloween. Sem pronunciarem palavra, os dois miúdos limitaram-se apenas a levantar uma das mãos e a sinalizar que queriam dinheiro.
Achei estranha e, ao mesmo tempo, curiosa esta verdadeira miscigenação que confunde o halloween e o “trick or treat” das crianças americanas que circulam pelas casas da vizinhança a pedir doces, com o carnaval europeu, a festa pagã por excelência de todos os excessos e transgressões. Outro sinal claro dos dias que vivemos é o facto de os miúdos exigirem dinheiro em vez de rebuçados e bombons. Claro que, se isto fosse sinal de uma sociedade multicultural até teria a sua graça. Mas não é o caso. Estamos sobretudo perante uma consequência do fenómeno da chamada globalização que, tendo o lado positivo da facilidade de acesso à informação, tem claramente também um lado mais sombrio que é o de formatar e normalizar o pensamento dos jovens, de forma quase exclusiva, pelos padrões e valores da cultura anglo-saxónica, sobretudo numa idade em que estão muito permeáveis às influências do exterior.
Os dois miúdos que ontem me bateram à porta pertencem claramente a uma geração urbana que está a crescer com a net, os videojogos, o messenger, o hi-5, as séries e filmes de produção americana, muito, muito longe das referências identitárias da nossa própria cultura nacional. São (pré-)adolescentes formados não apenas por valores e padrões culturais «estrangeiros», mas também perigosos: cultura da violência, da ambição, do individualismo, da ausência de escrúpulos, da satisfação imediata de todos os caprichos e desejos e até de uma certa ideia de que a «vida é fácil», cujas consequências em termos sociais, e mesmo políticos, não tardaremos a descobrir e, o que é pior, a vivenciar. Os 45 minutos semanais de Formação Cívica com que a escola pública portuguesa tenta combater tudo isto podem muito pouco para mudar esta situação, sobretudo se as próprias famílias (não todas, mas um número significativo delas) se continuarem a demitir da educação dos filhos.
Foi por isso que, ontem, sorri e disse aos dois jovens mascarados que estavam no filme errado, pois o halloween já se tinha festejado em Novembro, nos EUA, e agora estávamos no Carnaval e no Alentejo. Viraram-me as costas sem dizer uma palavra e foram bater a outra porta. Suponho que, para eles, foi como se eu tivesse falado chinês ou, o que é ainda mais provável, estivesse verdadeiramente gágá.